São Paulo, segunda, 21 de julho de 1997.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO
Outra contribuição social?

GASTÃO ALVES DE TOLEDO
Mais uma "contribuição social" poderá ser imposta às empresas e empregadores, caso a emenda constitucional de reforma da Previdência Social venha a ser aprovada no Senado conforme está redigida.
Com efeito, o texto aprovado na Câmara, oriundo do Executivo, modifica o atual artigo 195 da Constituição Federal, que trata das fontes de custeio da seguridade social, acrescendo-lhe a palavra "receita", para justificar o advento de nova contribuição.
Assim, ao lado do "faturamento", em que se baseiam, por exemplo, o Cofins e o PIS, inclui-se esse termo de larga abrangência, como se pode notar, alcançando, em princípio, todo recebimento de valores.
Consoante se depreende do texto proposto, o empregador ou empresa (pessoa física ou jurídica, portanto) que obtiver qualquer ingresso financeiro em função de suas atividades (e de inúmeras situações decorrentes da lei societária e da relativa ao Imposto de Renda) poderá, em tese, sujeitar-se a outra contribuição para a seguridade social.
Ademais, o preceito deverá ser regulado pelo legislador ordinário, que terá a faculdade de instituir várias modalidades impositivas sobre a mesma base constitucionalmente prevista, em razão de sua amplitude conceitual, ensejando possivelmente novo conflito doutrinário e jurisprudencial acerca da respectiva tipificação, nem sempre cuidadosamente inscrita na lei.
Trata-se de uma via aberta ao aumento dos recursos securitários, cuja tendência expansionista é preciso frear, estando clara a vocação oficial para encontrar fórmulas de extraí-los de toda a sociedade, especialmente da classe produtora, como se nenhuma consequência trouxessem aos custos gerais da economia e dessa maneira se pudesse sempre amenizar a permanente e angustiante carência financeira da seguridade social.
Convém observar que a reforma pretendida, alterando o custeio do sistema, pela modificação do artigo 195 da Carta Federal e suprimindo algumas de suas distorções e extravagâncias, não trará o efeito duradouro que todos desejam, porque não atinge precisamente o cerne do atual modelo financeiro do regime geral da Previdência Social, ao preservar o método de repartição de receitas, viciado por sua irracionalidade econômica, já tantas vezes demonstrada e cujo falecimento se busca apenas postergar.
Sem dúvida, o relator da matéria no Senado Federal vem introduzindo sensíveis aperfeiçoamentos ao texto da Câmara, sobretudo quanto à eliminação de privilégios e de graves disparidades na esfera pública, além da possibilidade de se criarem fundos constituídos por "bens, direitos e ativos de qualquer natureza", pertencentes a União, Estados e municípios, visando robustecer sua capacidade de arcar com os compromissos previdenciários.
Contudo, ainda desta vez não se ousou modificar a estrutura do INSS, eis que a forma de arrecadar e pagar os benefícios continuará a mesma, inexistindo por isso qualquer vínculo entre os que contribuem e os que recebem ou entre o presente e o futuro. Permanece a divisão dos recursos coletados sem qualquer tipo de capitalização, única maneira de convertê-los em poupança individual dos contribuintes, por eles mesmos controlada para se precaverem contra as incertezas da velhice.
Perde-se, assim, uma valiosa oportunidade de redesenhar a Seguridade Social, para submeter os recursos do setor privado, destinados à Previdência Social e administrados pelo INSS, ao regime de capitalização, a exemplo dos fundos privados e do programa de aposentadoria recentemente criado pelo governo federal, mediante a instituição de um adequado órgão gestor, com regras apropriadas e claras, sob rigoroso plano atuarial e severa fiscalização, também exercida pelos próprios interessados.
Como não se cuidou disso, a sociedade poderá ser novamente chamada a "contribuir" para a sobrevida de um organismo cuja enfermidade se procura sempre remediar, como agora, pela inserção de uma só palavra no texto da reforma, viabilizando o advento do referido encargo.
Cabe ao Senado Federal atentar para essa relevante questão, não percebida pelos senhores deputados e constante do artigo 195, I, b da proposta. Quando se pensa em reduzir o chamado "custo Brasil", não é admissível mais esse ônus à atividade econômica, em flagrante contradição com o discurso que proclama a necessidade de reduzi-lo.


Gastão Alves de Toledo, 53, advogado, mestre em direito constitucional pela PUC-SP, é membro do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e do Conselho Jurídico da Federação do Comércio do Estado de São Paulo.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice



Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do Universo Online ou do detentor do copyright.