São Paulo, sábado, 21 de julho de 2001

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OPINIÃO ECONÔMICA

O desaquecimento de 2001

GESNER OLIVEIRA

A economia brasileira vai desacelerar no segundo semestre. A expansão de 4% do PIB prevista no início do ano não será atingida. Tampouco deve ocorrer uma recessão generalizada, conforme chegou a ser alardeado por ocasião do anúncio do racionamento de energia.
Em conjunturas de choque de oferta como a atual, a taxa média de aumento do PIB é pouco representativa. Os segmentos ligados à energia tendem a crescer, enquanto os dependentes de insumos energéticos recuam. Porém os principais fatores do desaquecimento estão associados à Argentina e ao aumento dos juros, e não à crise de energia.
O quadro nesta página, elaborado regularmente pela equipe setorial da Tendências, resume a situação dos macrossetores em relação à demanda, nível dos estoques, ociosidade da capacidade instalada e rentabilidade.
O agribusiness não sofre grande alteração ante o que se previa no início do ano. Some-se, no entanto, o estímulo adicional representado pela depreciação em mais de 29% do Real. As commodities agrícolas refletem o balanço de suprimentos nacional e do mercado internacional. Os segmentos de açúcar, complexo de soja e carnes têm sido beneficiados por diferentes fatores. Já o café e o milho devem acusar queda na rentabilidade.
A crise anunciada da Argentina chegou a preocupar alguns analistas em relação ao suprimento nacional de trigo, dada a dependência das importações daquele país. Mas o problema não parece tão grave, uma vez que 75% das compras deste ano já foram internalizadas.
Em contraste com o agribusiness, a indústria vai sofrer mais com o desaquecimento. Concorrem para isso o aumento de custos das empresas com o maior preço do dólar, a elevação dos juros, o racionamento de energia e a queda de demanda.
Os impactos variam muito conforme o setor. O segmento de bens duráveis é o mais prejudicado, em razão do encarecimento do financiamento ao consumo, elevação dos custos de produção e contração da demanda. Naturalmente a retração maior ocorre em produtos cujo uso é mais intensivo em energia, como os eletroeletrônicos.
Ressalte-se, no entanto, que a migração da demanda de duráveis para semiduráveis atenua o desaquecimento. Segmentos como vestuário e alimentos têm absorvido parte dos gastos que o consumidor deixou de fazer com eletrodomésticos e automóveis.
A indústria de bens de capital, por sua vez, será beneficiada com a maior demanda de máquinas e equipamentos necessários à expansão de investimentos na geração e transmissão de energia. Isso compensa parcialmente a diminuição do ritmo de investimentos privados, em geral em razão das incertezas domésticas e externa.
O setor de bens intermediários deve apresentar resultados inferiores aos estimados inicialmente. Porém, no caso de segmentos exportadores, como o de celulose, os efeitos são amenizados pelo dólar mais caro.
A indústria da construção deverá apresentar expansão de 1,5%, resultante da implementação de obras pesadas, especialmente ligadas à energia. Como se trata de segmento intensivo em mão-de-obra, o efeito sobre o mercado de trabalho vai compensar parcialmente a retração no emprego de outros setores.
Os resultados da economia real colhidos até este inverno seco de 2001 estão aquém da quase euforia do último Réveillon. Mantêm-se, contudo, distantes das projeções catastrofistas. É razoável esperar um crescimento do PIB neste ano em torno dos 2%, inferior aos 4,5% de 2000, mas ligeiramente acima da média de 1,4% do triênio 1997-99, marcado pelas crises da Ásia e da Rússia e pela mudança do regime cambial em 1999.


Gesner Oliveira, 45, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-SP, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.

E-mail - gesner@fgvsp.br



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