São Paulo, domingo, 21 de julho de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Economia fraca é causa da ganância infecciosa global

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

Muitos imaginavam que Alan Greenspan entraria para a história como o mais hábil e confiável presidente de banco central do capitalismo global. Mas o seu longo reinado à frente do Fed parece que vai ficar nos anais mais por sua criatividade na invenção de tiradas verbais do que por sua capacidade de conduzir a economia dos EUA a algum porto seguro.
Em 1996, Greenspan cunhou a expressão "exuberância irracional". Tinha razão e não estava só, embora a euforia cegasse a maioria dos analistas e investidores. Foram necessários ainda cerca de quatro anos até que a bolha especulativa estourasse.
Greenspan criou outra imagem, aliás forte numa época de doenças sem cura. Na semana passada, disse que a maior economia do mundo foi tomada pela "ganância infecciosa".
Como na imagem da exuberância, o foco de Greenspan é o perfil psicológico do investidor. A dinâmica econômica fica reduzida aos impulsos voláteis que condicionam as decisões na alta esfera das finanças. Pânico e comportamento de manada associam-se a uma espécie de vertigem, ilusão de ótica ou desvio de comportamento.
Ao jogar o holofote sobre essa dimensão psicológica e comportamental, Greenspan continua preso à lógica dos mercados. Ou seja, mais informação e padrões contábeis mais rígidos seriam os antídotos para a infecção econômica, que seria em última análise de natureza moral.
O próprio sistema empresarial, a lógica da acumulação de lucros pela concentração cada vez maior de capital e renda em menos mãos escapariam ilesos do seu diagnóstico.
As estatísticas revelam um quadro muito mais complexo, que atinge o coração do sistema econômico. É a falta de motores para o crescimento econômico que explica a crise e ao mesmo tempo os desvios de comportamento, não o contrário.
É o "lado real" que cobra seu preço às ilusões de acumulação embaladas no "lado financeiro".
Por falar em infecção, o setor farmacêutico ilustra bem a insuficiência da visão moralista da crise econômica internacional.
Numa operação de mais de US$ 53 bilhões, fundiram-se a Pfizer (produtora do Viagra) e a Pharmacia (que produz hormônios de crescimento). Juntas, faturam US$ 48 bilhões por ano.
A jogada mal esconde os sintomas de impotência e queda desse setor industrial, que é um dos mais globalizados. São manobras contábeis com toda a aparência de legítimas para animar as expectativas dos investidores em aumento de lucros.
A febre de fusões e aquisições, que supostamente criaria empresas ainda mais globais e lucrativas, foi inútil para reanimar as empresas e serviu de terreno fértil para a multiplicação de truques financeiros, manipulações contábeis e esquemas fraudulentos. De 1994 a 1999, as atividades de fusão e aquisição multiplicaram-se por sete, em negócios avaliados em US$ 1,4 trilhão/ano. Mas as aquisições (nos países em desenvolvimento, privatizações) não produzem valores ou riqueza novos.
No caso do setor farmacêutico, em nenhuma hipótese as empresas conseguiriam colocar no mercado produtos novos na velocidade necessária para tentar atender às expectativas de rentabilidade dos investidores.
Essa é a contradição essencial: o sistema produtivo real não tem como evoluir e lucrar no ritmo imaginado pelos cálculos feitos no mercado financeiro.
Fusões e aquisições, como ilustra o setor farmacêutico, não funcionam como antídoto ou calmante para a doença contagiosa que Alan Greenspan reconhece no capitalismo global.


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