São Paulo, domingo, 21 de julho de 2002

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Mudar para crescer

ALOIZIO MERCADANTE

O avanço do processo de globalização da economia mundial, dentro e como parte do qual se generalizou o modelo de abertura econômica e financeira desregulada e de privatização, criou uma dupla restrição ao desenvolvimento dos países periféricos. Por um lado, deslocou o eixo da política econômica para a esfera monetário-financeira, que passou a prevalecer sobre os aspectos reais da economia -o emprego, o investimento produtivo, o crescimento-, expurgando da agenda dos governos nacionais o tema do desenvolvimento. Por outro, ao fragilizar e tornar vulneráveis as economias periféricas, subordinou o desenho das políticas econômicas nacionais aos critérios estabelecidos pelos centros de decisão da grande finança internacional, inclusive pelas agências multilaterais que atuam em sua representação.
Essas restrições deixaram pouco espaço para o crescimento sustentável dos países periféricos e limitaram sua autonomia para a direção e gestão de suas economias. A situação da Argentina e do Uruguai, a crise venezuelana, os impasses vividos pelo Equador e o Peru e os movimentos recentes de desestabilização da economia brasileira são alguns exemplos que ilustram a lógica e os resultados da aplicação desse modelo de política econômica no caso da América Latina.
Visto em perspectiva, esse processo, que é exacerbado pela ausência de um marco regulatório internacional que previna e/ou limite os movimentos desestabilizadores do capital volátil, coloca para os países periféricos um desafio. Se não forem capazes de adotar, dentro de prazos relativamente curtos, as decisões que os encaminhem para uma trajetória de desenvolvimento e autonomia, esses países correm o risco de perderem sua identidade e serem reduzidos à condição de espaços nacionais de um mercado internacional controlado pelas grandes corporações multinacionais e pelas grandes potências.
O Brasil é um dos países periféricos com maior capacidade de enfrentar esse desafio.
Somos um dos três países no mundo (os outros são a China e os EUA) que têm um território com mais de 3 milhões de km2 -signo de uma possivelmente ampla e diversificada disponibilidade de recursos-, uma população superior a 150 milhões de habitantes -o que introduz a possibilidade de formação de um mercado interno potencialmente significativo- e um PIB maior que US$ 500 bilhões -indicativo de um provável grau mais avançado de diversificação produtiva. Somos uma economia continental que reúne todas as condições para criar uma sociedade desenvolvida e solidária, preservando uma margem satisfatória de autonomia na gestão dos nossos recursos e do nosso desenvolvimento e na nossa inserção política e econômica no cenário mundial.
Mas, para que possamos avançar nessa direção, é imprescindível romper as atuais amarras ao nosso desenvolvimento, ligadas ao caráter excludente de nossa organização social e a nossa dependência estrutural de recursos externos, que marcam, desde o início, nosso processo de formação histórica. A retomada e sustentação do crescimento econômico jogam um papel chave para viabilizar esse objetivo, embora não sejam suficientes para assegurá-lo. É preciso simultaneamente redistribuir a renda e a riqueza, fortalecer os vetores endógenos de sustentação do crescimento e mudar qualitativamente nosso padrão de inserção internacional.
O Brasil já teve taxas de crescimento impressionantes, indicativo de seu potencial e do grau em que ele foi engessado pelo atual modelo econômico. De 1900 a 1989 -incluindo os 18 primeiros anos de crescimento relativamente lento do século passado e a "década perdida" dos anos 80-, a economia brasileira cresceu em média 6,21% por ano. Se tomamos somente os 35 anos que vão do pós-guerra até 1979, a taxa anual salta para 7,24%, um ritmo extraordinário sob qualquer ponto de vista. Esse longo ciclo de expansão perdeu força nos anos 80, quando o incremento do PIB foi de apenas 2,93% anuais. Com o neoliberalismo nos anos 90, a economia passou a alternar espasmos de crescimento com ciclos periódicos de estagnação, com o que a taxa média de crescimento do PIB de 1990 a 2001 caiu ainda mais, situando-se em torno a 1,95%. Esse período de lento crescimento coincide com o agravamento da situação fiscal e do desequilíbrio externo da economia.
Em termos do aumento da renda média por habitante, o quadro é igualmente esclarecedor. Enquanto no período 1945/79 o crescimento anual do PIB per capita foi, em média, de 4,35%, entre 1980 e 2001, apesar da forte redução na taxa de crescimento da população vis-à-vis o período anterior, a taxa anual não passou de 0,59% e, nos 12 anos de vigência da atual política econômica, caiu para 0,51% ao ano. Com essa taxa de crescimento levaríamos aproximadamente 282 anos para atingir o atual nível de renda por habitante de um país de desenvolvimento médio como a Espanha (US$ 14.960/ano).
Como sugerem alguns estudos, se nos últimos 22 anos o país tivesse podido manter uma taxa de crescimento similar à média dos 60 anos anteriores -e supondo que a arrecadação de impostos e contribuições crescera ao mesmo ritmo do PIB-, hoje não teríamos nenhum problema na área fiscal. Embora meramente ilustrativo, esse exemplo evidencia a importância da retomada do crescimento como alternativa para fazer face aos problemas atualmente existentes.
O modelo que aí está se mostrou incapaz de promover um crescimento satisfatório da economia mesmo quando as condições externas eram favoráveis. Com a piora do cenário internacional, sua continuidade aponta para a regressão econômica e a crise social. Portanto mudá-lo é essencial para a construção de um novo projeto nacional de desenvolvimento, fundado em critérios de solidariedade social e soberania, que permita uma inserção afirmativa do Brasil no processo de globalização.


Aloizio Mercadante, 48, é economista e professor licenciado da PUC e da Unicamp, deputado federal por São Paulo e secretário de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores.
Internet: www.mercadante.com.br

E-mail - dep.mercadante@ camara.gov.br


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