São Paulo, domingo, 21 de julho de 2002

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GANÂNCIA INFECCIOSA

Robert Brenner, historiador da Universidade da Califórnia, prevê que economia cairá em recessão

Mentira nos lucros inflou expansão dos 90

ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

Foi a "bolha" especulativa das Bolsas que determinou o crescimento da economia dos EUA nos anos 90. A divulgação de lucros foi sistematicamente falsificada, o que estimulou ainda mais a explosão da "riqueza americana". Mesmo quando os lucros caíam, os preços das ações continuaram a inflar, auxiliados pela falsificação das despesas com executivos, que fizeram os lucros da Microsoft aumentar 23%, os da Cisco, 67%, os da Motorola, 500%.
A rajada de críticas vem de Robert Brenner, um dos melhores historiadores da economia dos EUA, professor e diretor do Departamento de Teoria Social e História Comparativa da Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA), que costuma publicar ensaios em revistas de esquerda, como a "New Left Review".
Com a segunda fase de estouro da bolha -a primeira foi em 2000- as companhias começam a ter dificuldade de se financiar, o investimento estagnou devido a uma crise de superprodução. O crescimento tem sido sustentado pela capacidade de consumo das famílias norte-americanas, que, no entanto, estão superendividadas. Tudo isso faz com os riscos de que a maior economia do mundo volte a mergulhar em uma recessão sejam grandes.

Folha - Qual a relação entre a bolha das Bolsas, o boom dos EUA e a atual crise?
Robert Brenner -
A deterioração dos fundamentos da economia norte-americana é uma consequência direta da bolha da segunda metade dos anos 90, na qual preços exorbitantes de ações puxaram a expansão, e não o contrário. Paradoxalmente, entre 1997 e 2000, conforme o boom atingiu o auge, a taxa de lucros do setor corporativo não-financeiro caiu de 15% a 20% no setor de manufaturas. Em condições normais as empresas passariam a ter lucros menores, assim como teriam maior dificuldade para se financiarem.
O ritmo de investimento teria diminuído, e a economia teria se desacelerado. No entanto, como consequência do "efeito riqueza", empresas foram capazes de obter financiamentos com uma facilidade sem precedentes, vendendo ações a preços altamente inflados e pegando empréstimos usando seus inflados valores de mercado como garantia.

Folha - Como o ciclo continuou?
Brenner -
Graças a esse financiamento fácil, as empresas investiram maciçamente em novas fábricas e equipamentos, apesar da lucratividade descendente. Mas o resultado natural disso foi a criação de uma capacidade produtiva excedente, de novo principalmente no setor manufatureiro, e especialmente no segmento da indústria de alta tecnologia.
Entre 1995 e 2000, enquanto os preços de ações das empresas de alta tecnologia se multiplicaram por seis, os lucros apenas dobraram. As relações entre preços e lucros atingiram, então, níveis ridículos. Os preços das ações estavam fadados a cair severamente, mais provavelmente no curto prazo, e foi exatamente o que aconteceu ao longo de 2000 e 2001, quando seguidos anúncios de lucros menores precipitaram um "crash" no mercado de ações.

Folha - Mas a economia vai voltar a crescer, como previu Alan Greenspan na semana passada?
Brenner -
A economia corre o risco de voltar a mergulhar em recessão, numa dupla queda. O fundo do poço seria uma profunda crise de lucros. No primeiro trimestre, os lucros anualizados da indústria tinham perdido dois terços de seu pico, em 1997, caindo de US$ 195 bilhões para US$ 63 bilhões, uma queda recorde.
As empresas não vão tomar mais financiamento e não investirão, porque já gastaram muito em fábricas e equipamentos. Desde meados de 2000, os investimentos despencaram. Vinham crescendo cerca de 10% ao ano. Mas, em 2001, caíram 3%. No primeiro trimestre deste ano, tiveram uma redução de 6% (taxa anualizada).

Folha - Mas a economia norte-americana cresceu com força no último trimestre de 2001 e no primeiro trimestre deste ano.
Brenner -
Uma vez que o investimento está caindo e as importações estão ultrapassando ainda mais as exportações, basicamente o que tem provocado o crescimento da economia é o consumo. O crescimento continuado dos gastos de consumidores fez desaparecer o medo de queda livre da economia em 2001 e recuperou um pouco da estabilidade.
Mas essa expansão continuada dos gastos de consumidores tem sido baseada, em grande parte, em dívidas. O endividamento familiar aumentou para 104% da renda disponível, contra 84% em 1990. É razoável perguntar se essa taxa pode continuar aumentando. O desemprego aumentou de apenas 4% em 2000 para 6%, e continua subindo, obviamente reduzindo a capacidade de endividamento. Recentemente, o índice de confiança do consumidor caiu significativamente, e os gastos dos consumidores também têm se desacelerado.
A menos que o "todo-poderoso" consumidor continue a conduzir a economia até que as empresas usem o suficiente de seu excesso de capacidade para recuperar sua lucratividade e comece a investir, a economia vai entrar novamente em recessão.


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