São Paulo, domingo, 21 de julho de 2002

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GANÂNCIA INFECCIOSA

Investidor aplica em títulos ou deixa dinheiro no colchão

Pânico vai ampliar sangria nas Bolsas, revela pesquisa

MARCIO AITH
DE WASHINGTON

Do céu ao inferno em menos de três anos. Pesquisa da corretora Merril Lynch, a maior de Wall Street, indica que a fuga de dinheiro das Bolsas de Valores norte-americanas deve continuar e vai provocar novas quedas no Dow Jones, na Nasdaq e no índice Standard & Poor's.
A corretora ouviu 252 gestores de fundos mútuos, que administram investimentos de US$ 711 bilhões em ações. O estudo revelou que, para a maioria deles, as Bolsas -até 2000 palco da maior bolha especulativa de que se tem notícia- transformaram-se no pior lugar para investir: 82% consideram que o mercado acionário continuará perdendo recursos.
Fugindo do impacto dos escândalos e fraudes nos balanços das empresas norte-americanas, clientes desses gestores optaram por redirecionar recursos para o mercado imobiliário, para títulos do governo ou simplesmente colocaram seus ativos debaixo do colchão, nos chamados "taxable money market mutual funds", uma versão refinada de investimento do velho papel moeda.

Dinheiro "empoçado"
Na semana passada, esse movimento resultou na maior concentração de ativos em dinheiro da história do capitalismo norte-americano. No começo de 2000, cerca de US$ 1,4 trilhão era mantido por investidores em "pools" de capital, que ficavam parados em busca de segurança.
Na sexta-feira, esse valor chegou US$ 2,284 trilhões, o equivalente a quase quatro vezes o Produto Interno Bruto do Brasil. O bolo de dinheiro só não aumentou mais ainda porque um volume substancial de recursos, ainda não revelado pelo Tesouro dos EUA e pelo Federal Reserve (banco central norte-americano), retornou para a Europa, para o Japão e para Hong Kong, depreciando ainda mais a cotação do valor do dólar em relação ao euro.

A tentativa de Greenspan
Na terça-feira, o presidente do Fed, Alan Greenspan, fez uma tentativa pouco habitual para acalmar esses investidores. O "rei das finanças globais" fez o pronunciamento mais otimista entre os seus depoimentos ao Congresso desde que assumiu o cargo, em 1987, na época também em meio a uma grande crise financeira nos Estados Unidos.
Depois de ter tentado, desde 1996, convencer os mercados de que a "exuberância" das Bolsas nos anos 90 era "irracional", Alan Greenspan tentou explicar aos investidores que o pânico atual também não faz sentido lógico.
Segundo o presidente do Fed, apesar de uma "ganância infecciosa" ter contaminado os executivos norte-americanos, os escândalos corporativos provocados por eles "arranharam, mas não quebraram", a credibilidade das companhias norte-americanas.
Poucos se influenciaram pelo depoimento de Greenspan, como mostrou a queda acentuada do Dow Jones na terça-feira, que se acentuou nos dias seguintes. Segundo a pesquisa da Merril Lynch, os balanços e a lucratividade de companhias norte-americanas perderam "a atratividade, a credibilidade e a previsibilidade".
Segundo os investidores e gestores de fundos, o mercado de ações entrou num círculo extremamente vicioso. Para curar a infecção aludida por Greenspan, companhias estão sendo obrigadas a exibir o volume real de suas receitas e lucros, obviamente inferiores aos tidos como verdadeiro pelos mercados.

Lucros falsos ou baixos
Como resultado, a impressão que se tem é a de que só restaram dois tipos de companhias nas Bolsas norte-americanas: as com balanços positivos, mas mentirosos, e aquelas com balanços verdadeiros, mas vermelhos ou com lucros em tendência de queda. Greenspan afirmou em seu discurso que, de fato, a lucratividade das empresas está baixa nesse período de recuperação da economia, ainda em meio ao esvaziamento da bolha da Bolsa e de uma crise de superinvestimento.
Mas, apesar do tom de "racionalidade econômica" com que Greenspan procurou envolver o fenômeno, esses dois perfis do mundo empresarial amedrontam investidores. Eles tentam fugir para onde podem e esperam, com ansiedade, pelos impactos da crise das Bolsas na economia real.
Greenspan disse acreditar que os escândalos corporativos não irão contaminar a economia real do país porque os gastos com consumo e a produtividade crescente das companhias compensam o pânico dos investidores.

Risco de inflação
Apesar da alta do euro -que aumenta o preço dos produtos importados nos EUA- os índices de preços ainda estão sob controle. Mas o próprio Fed identifica uma certa tendência de alta que poderá, no futuro, justificar um aumento de juros. Essa dinâmica poderia colocar um fim ao modelo de expansão econômica iniciado em 1992 e que controlou a inflação por meio de um dólar fortalecido, de importações baratas e de muito dinheiro nas Bolsas.
Devido às suspeitas de irregularidade envolvendo o presidente e o vice-presidente dos EUA, investidores também não acreditam numa saída política para a crise, como a oferecida ao país por Franklin Delano Roosevelt, que ocupou a Casa Branca depois do crash da Bolsa em 1929, que resultou na pior recessão vivida pela economia norte-americana e que teve impactos globais.
Para restabelecer a confiança dos mercados, Roosevelt criou a SEC (Securities and Exchange Commission, o xerife dos mercados nos EUA, órgão de supervisão com objetivos semelhantes aos da CVM no Brasil, mas com muito mais poder e recursos) e colocou empresários na cadeia.
Até sexta-feira passada, George W. Bush tentava evitar que essa mesma SEC divulgasse dados sobre a transações suspeitas que fez com ações da Harken Energy, empresa da qual foi sócio até 1990.


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