São Paulo, domingo, 21 de julho de 2002

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GANÂNCIA INFECCIOSA

Economista dos EUA diz que dólar fraco pode ser solução para os desequilíbrios externos

Guerra contra Iraque seria pior que crise para emergentes

MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Para os países emergentes como o Brasil, uma operação militar americana contra o Iraque trará mais danos do que as atuais turbulências nas Bolsas americanas, diz o economista e cientista político Barry Eichengreen.
Professor da Universidade da Califórnia, o economista relativiza o impacto da queda das Bolsas. Para ele, os comentaristas tendem a exagerá-lo. Ainda assim, avalia, os recentes escândalos que abalaram as corporações americanas terão um preço: os EUA perderão o posto de modelo a ser seguido por outros países e devem crescer menos. Outra consequência da crise: uma nova onda de regulamentação, depois de anos de desregulamentação.
Na sua avaliação, a desvalorização do dólar não é problema, mas sim a solução para os desequilíbrios externos dos EUA. Leia a seguir os principais trechos da entrevista que o pesquisador americano concedeu à Folha, na quinta-feira passada.

RISCO PARA EMERGENTES - O maior problema, analisando o que já aconteceu, não é que o apetite por risco tenha caído, com os investidores descobrindo que há problemas escondidos nos balanços das empresas. O problema mais grave é que o risco geopolítico está aumentando. Na minha opinião, os mercados estão realmente reagindo menos às recentes revelações nos EUA e mais às incertezas geradas pela quase certa operação militar dos EUA contra o Iraque. Há uma fuga para a qualidade em antecipação a este evento. Este é um dos principais problemas que o Brasil terá que enfrentar nos próximos 12 meses.

MODELO AMERICANO - Claramente, a crença no modelo financeiro americano, baseado no mercado de títulos e ações, na importância dos acionistas e nos altos incentivos dados aos executivos das corporações, está em xeque por causa das revelações recentes. Já sabíamos que esse modelo dava incentivos, e talvez incentivos demais, para que os administradores se preocupassem com o curto prazo, e isso tem tanto custos quanto benefícios. Agora que os próprios EUA estão entre aqueles que decidiram repensar suas virtudes, outros países devem se tornar mais relutantes em importar seu modelo.

A CRISE DAS BOLSAS - Os comentaristas financeiros exageram os impactos dos ""crashes" do mercado de ações na economia. A grande depressão de 1929, por exemplo, foi consequência de uma depressão econômica, não uma causa independente. A demanda interna irá enfraquecer por causa dos baixos valores das ações. Os consumidores comprarão menos casas, e empresas de alta tecnologia investirão menos. Mas, a não ser que a correção que está ocorrendo [no preços das ações" fuja ao controle -e não há sinais de que isso esteja ocorrendo-, acredito que os efeitos da queda das ações serão brandos.

HERANÇA DOS ANOS 90 - Não há dúvida de que os excessos da última década deixaram como herança uma grande pendura: empresas e consumidores estão altamente endividados e isso fará com que o crescimento seja baixo, até que o legado dos excessos da última década tenha definitivamente acabado. Agora que a Enron, WorldCom e outros casos surgiram, será mais difícil e caro para as empresas financiarem sua expansão, pois os investidores analisarão os balanços com mais cuidado. E custo financeiro maior significa menos crescimento.

REGULAÇÃO - Algumas normas do sistema financeiro precisam ser mais severas: as opções de ações precisam ser tratadas como uma compensação normal nos balanços das empresas, auditores e contadores devem ser proibidos de prestarem serviços de consultoria aos seus clientes e os bancos de investimento não podem ter permissão para emprestar e prestar serviços de orientação financeira ao mesmo tempo. Veremos uma tendência, nos EUA, de aumentar a regulação.

DÓLAR FRACO - Um dólar mais fraco pode ser de grande valia para os EUA. Há muito tempo acreditamos que um dólar desvalorizado é necessário como parte de um processo para eliminar, ou diminuir, o grande déficit em conta corrente dos EUA. Agora o dólar mais fraco pode matar dois pássaros com uma pedrada só. A desvalorização do dólar, que significa um euro mais forte, não facilitará a vida dos europeus, claro. Mas no longo prazo todos terão sido ajudados pelo fim do excessivo déficit dos EUA, fonte de um importante desequilíbrio global.


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