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São Paulo, segunda-feira, 21 de julho de 2003

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ESTILOS DE GOVERNO

Brasileiro agrada mais aos EUA, ao FMI e ao mercado; argentino culpa organismos por crise do país

Economia realça diferenças Kirchner-Lula

DE BUENOS AIRES

O estilo é parecido: quebra de protocolo, abraços e beijos em eleitores a qualquer hora e lugar. Na Argentina, os seguranças da Presidência também passaram a ter trabalho dobrado desde a posse de Néstor Kirchner, em 25 de maio. Um dia, o presidente fugiu da Casa Rosada (sede do governo) e foi tomar um café no centro da cidade. Alarme geral.
As semelhanças entre Kirchner e o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, são várias. Tem ainda a alta popularidade -mais de 70% em ambos os casos- e a idéia fixa de fortalecer o hoje "moribundo" Mercosul. "Diria que o principal é a herança econômica, que no caso argentino foi mais maldita que a do Brasil", afirma o professor da UnB (Universidade de Brasília) e cientista político David Fleisher.
E é justamente na condução da economia que surgem as principais diferenças. Enquanto o presidente brasileiro -considerado um líder esquerdista pelos argentinos- desagrada a setores dentro do próprio partido, o argentino irrita setores da direita.
Lula consegue agradar aos EUA, ao FMI (Fundo Monetário Internacional) e ao mercado financeiro. Kirchner, nem um pouco. O brasileiro foi conciliador com os empresários europeus. O argentino, firme -disse que as empresas que hoje reclamam de prejuízos foram as que mais lucraram na década de 90, quando havia paridade entre o peso e o dólar.
"Um sistema que, com exceção do FMI, todos sabiam que era fadado ao fracasso", disse, atacando empresários e o próprio Fundo. Não foi a primeira vez. Kirchner vem alfinetando o FMI desde a posse. Na última crítica, responsabilizou os organismos multilaterais de crédito -Fundo incluído- pela "decadência" do país.
Kirchner culpa a política econômica praticada pelo ex-presidente Carlos Menem (89-99) pela crise. "E essas políticas foram durante anos mostradas ao mundo como exemplo a ser seguido pelos organismos multilaterais", reclamou.

Prioridade à política
"Assim, você me faz lembrar Menem", teria dito Kirchner a Lula, em tom de brincadeira, durante um encontro em Londres, na semana passada. A brincadeira foi feita porque o brasileiro se atrasou para uma das reuniões, como fez uma vez Menem, quando ainda era presidente.
"Mas toda brincadeira tem um tom de verdade", afirmou um assessor de Kirchner. O governo argentino questiona a proximidade do Brasil com os Estados Unidos, a ortodoxia econômica (como a manutenção dos juros altos) e as concessões que o país tem feito ao FMI. "Serei mais duro", teria afirmado o presidente argentino.
O que mais preocupa é a desaceleração da economia do Brasil. Se um dos principais parceiros comerciais não cresce, a recuperação argentina fica comprometida. Os constantes elogios do Fundo à administração petista e o conselho de que a "Argentina deveria seguir o exemplo do Brasil" também incomodam. O governo teme que isso os obrigue a caminhar também para a ortodoxia, o que vai contra todas as medidas tomadas por Kirchner até agora. Entre elas estão o controle da entrada de capital especulativo e o aumento do salário mínimo.
"O relógio de Lula corre mais devagar", afirma o cientista político Fernando Abrucio. "Kirchner precisa agradar mais rápido internamente para conquistar legitimidade". O argentino, além dos problemas econômicos, assumiu no meio de um processo eleitoral. Até o final do ano, serão renovadas as vagas para prefeitos, governadores e um terço do Congresso. Lula enfrenta eleições municipais só no ano que vem.
"Kirchner tem conduzido o governo dando prioridade aos temas políticos e não aos econômicos. No Brasil, é o contrário", afirma o cientista político argentino Hugo Haime. "O Brasil não está em "default" [moratória], Lula assumiu com mais de 60% dos votos e não enfrenta um processo eleitoral interno." (ELAINE COTTA)

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