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ESTILOS DE GOVERNO
Brasileiro agrada mais aos EUA, ao FMI e ao mercado; argentino culpa organismos por crise do país
Economia realça diferenças Kirchner-Lula
DE BUENOS AIRES
O estilo é parecido: quebra de
protocolo, abraços e beijos em
eleitores a qualquer hora e lugar.
Na Argentina, os seguranças da
Presidência também passaram a
ter trabalho dobrado desde a posse de Néstor Kirchner, em 25 de
maio. Um dia, o presidente fugiu
da Casa Rosada (sede do governo) e foi tomar um café no centro
da cidade. Alarme geral.
As semelhanças entre Kirchner
e o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, são várias. Tem
ainda a alta popularidade -mais
de 70% em ambos os casos- e a
idéia fixa de fortalecer o hoje
"moribundo" Mercosul. "Diria
que o principal é a herança econômica, que no caso argentino foi
mais maldita que a do Brasil",
afirma o professor da UnB (Universidade de Brasília) e cientista
político David Fleisher.
E é justamente na condução da
economia que surgem as principais diferenças. Enquanto o presidente brasileiro -considerado
um líder esquerdista pelos argentinos- desagrada a setores dentro do próprio partido, o argentino irrita setores da direita.
Lula consegue agradar aos EUA,
ao FMI (Fundo Monetário Internacional) e ao mercado financeiro. Kirchner, nem um pouco. O
brasileiro foi conciliador com os
empresários europeus. O argentino, firme -disse que as empresas
que hoje reclamam de prejuízos
foram as que mais lucraram na
década de 90, quando havia paridade entre o peso e o dólar.
"Um sistema que, com exceção
do FMI, todos sabiam que era fadado ao fracasso", disse, atacando
empresários e o próprio Fundo.
Não foi a primeira vez. Kirchner
vem alfinetando o FMI desde a
posse. Na última crítica, responsabilizou os organismos multilaterais de crédito -Fundo incluído- pela "decadência" do país.
Kirchner culpa a política econômica praticada pelo ex-presidente
Carlos Menem (89-99) pela crise.
"E essas políticas foram durante
anos mostradas ao mundo como
exemplo a ser seguido pelos organismos multilaterais", reclamou.
Prioridade à política
"Assim, você me faz lembrar
Menem", teria dito Kirchner a Lula, em tom de brincadeira, durante um encontro em Londres, na
semana passada. A brincadeira
foi feita porque o brasileiro se
atrasou para uma das reuniões,
como fez uma vez Menem, quando ainda era presidente.
"Mas toda brincadeira tem um
tom de verdade", afirmou um assessor de Kirchner. O governo argentino questiona a proximidade
do Brasil com os Estados Unidos,
a ortodoxia econômica (como a
manutenção dos juros altos) e as
concessões que o país tem feito ao
FMI. "Serei mais duro", teria afirmado o presidente argentino.
O que mais preocupa é a desaceleração da economia do Brasil. Se
um dos principais parceiros comerciais não cresce, a recuperação argentina fica comprometida.
Os constantes elogios do Fundo à
administração petista e o conselho de que a "Argentina deveria
seguir o exemplo do Brasil" também incomodam. O governo teme que isso os obrigue a caminhar também para a ortodoxia, o
que vai contra todas as medidas
tomadas por Kirchner até agora.
Entre elas estão o controle da entrada de capital especulativo e o
aumento do salário mínimo.
"O relógio de Lula corre mais
devagar", afirma o cientista político Fernando Abrucio. "Kirchner
precisa agradar mais rápido internamente para conquistar legitimidade". O argentino, além dos
problemas econômicos, assumiu
no meio de um processo eleitoral.
Até o final do ano, serão renovadas as vagas para prefeitos, governadores e um terço do Congresso.
Lula enfrenta eleições municipais
só no ano que vem.
"Kirchner tem conduzido o governo dando prioridade aos temas políticos e não aos econômicos. No Brasil, é o contrário", afirma o cientista político argentino
Hugo Haime. "O Brasil não está
em "default" [moratória], Lula assumiu com mais de 60% dos votos e não enfrenta um processo
eleitoral interno." (ELAINE COTTA)
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