|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
EUA ignoram déficit comercial
FLOYD NORRIS
DO "NEW YORK TIMES"
Culpe os estrangeiros. Trata-se de uma tática política já
tradicional nos Estados Unidos, e
este ano não é exceção.
Com as perspectivas de emprego incertas, sopram ventos protecionistas. O presidente Bush nesta
semana criticou severamente os
subsídios europeus à fábrica de
aviões Airbus, que ultrapassou a
Boeing e assumiu a liderança
mundial como fornecedora de jatos comerciais. O senador John
Kerry concentrou seu fogo nos
"executivos traiçoeiros", presidentes de empresas que transferem para o exterior postos de trabalho.
Essas posições de campanha
tanto refletem quanto obscurecem uma realidade que nenhum
dos candidatos parece disposto a
tratar com seriedade, a do imenso
déficit comercial americano.
Em 1992, os EUA tinham um
superávit comercial de quase US$
8 bilhões com os 15 países que então integravam a União Européia
e um déficit de US$ 18,3 bilhões
em seu comércio com a China. Os
números mais recentes, referentes aos 12 meses até junho, demonstram um déficit de US$ 99,8
bilhões com os 15 da União Européia e um déficit de US$ 138,7 bilhões com a China.
Se as considerarmos como um
todo, as posições cada vez piores
de comércio dos EUA com a China e a União Européia respondem
por 46% da deterioração do balanço comercial americano de
1992 para cá.
A diferença é que a Europa tende a fornecer produtos de qualidade mais elevada e não vem acumulando um imenso estoque de
títulos do Tesouro americano. Os
números da semana demonstram
que a China tem US$ 16,48 bilhões
em títulos do Tesouro, atrás só
dos US$ 689,3 bilhões do Japão.
No segundo trimestre, o déficit
comercial dos EUA ultrapassou a
marca dos 5% do PIB do país, um
novo recorde. Seria motivo de
alarme em outras economias,
mas os americanos seguem
adiante como se nada estivesse
acontecendo.
Há quem argumente que o déficit comercial é um sinal de força.
Ele tem de ser compensado pela
aquisição por estrangeiros de ativos em dólares, e essas compras
supostamente demonstram até
que ponto os estrangeiros estão
ansiosos por investir nos EUA.
Mas, no primeiro semestre, os
estrangeiros adquiriram US$
270,5 bilhões em títulos do Tesouro, duas vezes o que investiram
em papéis corporativos, que oferecem rendimento mais elevado e
envolvem maiores riscos.
Muitas das aquisições de títulos
do Tesouro são menos que voluntárias. Os BCs da China e do Japão
compram papéis do Tesouro
americano para sustentar a cotação cambial do dólar e preservar a
demanda pelos produtos de exportação de seus países.
Agora, o BC americano começa
a se preocupar com o déficit comercial. O assunto foi tema de
uma longa discussão durante a
reunião de junho e gerou uma série de estudos. De acordo com as
minutas da reunião, "a equipe
apontou que déficits externos
dessas proporções não podem ser
sustentados indefinidamente",
mas não previu quando a situação
se tornaria insustentável.
Steve Roach, economista-chefe
do Morgan Stanley, sugere que o
fim não será agradável. Quando a
crise chegar, diz ele, a primeira vítima será o valor do dólar. A seguir, os estrangeiros que detêm
todos aqueles títulos do Tesouro
exigirão compensação pelos riscos cambiais, gerando uma alta
nas taxas reais de juros. Isso desgastará a posição dos consumidores americanos altamente endividados e causará um corte no consumo, que, por sua vez, ajudará a
reduzir o déficit comercial.
Como fazer com que esse processo aconteça da maneira menos
dolorosa possível seria um tema
razoável de discussão para uma
campanha presidencial. Mas não
é o que vai acontecer.
Em lugar disso, há o risco de que
saiam em busca de bodes expiatórios, empresas estrangeiras bem-sucedidas ou grupos americanos
que investem no exterior.
Tradução de Paulo Migliacci
Texto Anterior: Lula dá aval a novo aumento para a gasolina Próximo Texto: Meré de azar Índice
|