São Paulo, Sábado, 21 de Agosto de 1999
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CRIAÇÃO & CONSUMO

A experiência

LEO LAMA

 Cansado da mesmice e profundamente inquieto com os rumos da propaganda no Brasil, resolvi dividir essa inquietação com as pessoas que trabalham em minha agência, a Lowe Loducca. Na busca por novos pontos de vista, decidimos contratar um dramaturgo para trabalhar ao nosso lado. Mas não para criar peças publicitárias. O objetivo é ter um artista entre nós, com suas experiências, talento e maneira distinta de enxergar as coisas. Seu nome é Leo Lama, jovem autor de "Dores de Amores", "Videoclips Blues" e o recente "Baudelaire, o Pai do Rock". Lama também é filho dos geniais Plínio Marcos e Walderez de Barros. Hoje, abro esse espaço para que ele próprio fale de sua experiência. Até a próxima!! Celso Loducca, 41, é presidente e diretor de criação da Lowe Loducca.

Há quatro meses Celso Loducca me convidou para uma "experiência" em sua agência de publicidade, a Lowe Loducca. Em princípio não sabíamos aonde isso poderia nos levar. Afinal, o que um dramaturgo poderia fazer numa agência? Escrever peças? Sim. Peças publicitárias? Não. Celso me pediu para fazer meu trabalho em sua agência. Sendo essa sua única exigência. Queria uma troca. Estava inquieto e queria algo que, de alguma forma, alimentasse essa inquietação. Não procurava respostas, mas sim movimento em sua busca.
Para mim, a "experiência" seria e ainda é algo totalmente diferente do que estou acostumado. Escrever as minhas peças entre redatores e diretores de arte, no meio de um mar de mesas e computadores em salas sem parede? Como me concentrar sem ser invadido pelo universo deles? Como proteger o meu? Tentei me adaptar. E a troca começou. Em princípio, criei uma coluna que é enviada diariamente para todos os funcionários da agência, por meio da Intranet. Tenho a liberdade de abordar qualquer assunto que me venha à cabeça. E os funcionários podem responder, se quiserem. E assim começamos uma instigante correspondência. Os assuntos variam desde qual é o papel da publicidade em relação à arte até futebol, religião, sexo, condições de trabalho, demissões, questões sobre a falta de tempo etc. Conseguimos movimentar a agência e provocar discussões sem entrar no campo pessoal, sobre assuntos pouco usuais no cotidiano do trabalho da empresa.
Paralelamente a isso, comecei a ler peças com os funcionários, e os que se interessaram puderam ter acesso a uma parte do processo de criação de um espetáculo teatral.
Agora estou escrevendo uma peça e enviando as cenas dia a dia por meio da rede. Quando a peça estiver pronta, pretendo chamar atores para realizarmos uma leitura dramática na agência.
A Lowe Loducca está abrindo espaço para a arte. Celso, além de me trazer para a agência, também contratou um professor de história da arte, que proporciona aos funcionários a possibilidade de ampliar sua cultura geral, o que certamente pode influir em seu trabalho.
Quanto a mim, que sou um dramaturgo, um artista e enfrento as dificuldades que essa profissão pouco valorizada sempre enfrentou, estou podendo me desenvolver e desenvolver a minha arte, recebendo um salário e condições de trabalho para isso. E, acima de tudo, podendo conviver com pessoas e trocar experiências que enriquecem meu rol de personagens.
Não sei se somos pioneiros, mas sei que essa iniciativa é rara. Se outras empresas também pensassem assim, a arte que hoje em dia parece mais ser artigo de entretenimento voltaria a ser parte integrante da formação do indivíduo. E, por que não dizer, algo essencial e imprescindível. Quem dera a "Leo Loducca" se ampliasse em outras formas e fosse para sempre!


Leo Lama, 34, é dramaturgo, ator e diretor de teatro.


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