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OPINIÃO ECONÔMICA
Investimento direto e risco regulatório
GESNER OLIVEIRA
A entrada de elevado nível
de investimento direto estrangeiro (IDE) constitui pressuposto para a estabilidade macroeconômica. Esse fato deveria ser
óbvio quando se considera a projeção de déficit em conta corrente
de US$ 24 bilhões para 2001 e a
necessidade de aumento de 20%
da taxa de investimento para a
economia voltar a crescer de forma sustentada.
Embora o IDE de 1999 tenha sido recorde (US$ 30,2 bilhões), esse
nível está aquém do potencial de
absorção do Brasil em razão da
escassez de capital e do potencial
de expansão dos mercados. Mantido o nível histórico de participação do Brasil no investimento
mundial, esse valor poderia estar
próximo a US$ 50 bilhões.
Estima-se, por exemplo, que a
universalização de serviços de
água e esgoto exija investimentos
de cerca de US$ 42 bilhões nos
próximos 15 anos, dos quais pouco mais de um terço teria financiamento interno; tais números
não surpreendem, tendo em vista
que mais de 90% das famílias
com renda mensal inferior a três
salários mínimos não têm acesso
à rede de esgoto.
O risco regulatório constitui fator inibidor do aumento das inversões. A ausência de regras claras, estáveis e harmônicas com as
melhores práticas internacionais
aumenta a incerteza e afasta o investidor, especialmente em segmentos de infra-estrutura básica
intensivos em capital, com elevados custos irrecuperáveis e que requerem comprometimento de
longo prazo e forte dependência
das políticas governamentais.
O risco regulatório envolve quatro componentes principais. Em
primeiro lugar, a indefinição de
regras e esferas de competências
gera insegurança. Na área de saneamento, a dificuldade reside na
definição de responsabilidades de
Estados e municípios. Por sua vez,
as agências dos setores de telecomunicações, energia elétrica, petróleo e água (Anatel, Aneel, ANP
e ANA, respectivamente) apresentam inúmeras áreas em que
há potencial conflito de competências. Tampouco é clara a divisão de tarefas entre as agências
federais, estaduais e os três órgãos
de defesa da concorrência (Cade,
SDE e Seae).
Em segundo lugar, ressente-se
de maior independência dos órgãos reguladores. Mais do que o
mérito da decisão sobre um tema
específico, importa ao investidor
a previsibilidade. Órgãos colegiados, compostos por membros com
mandatos fixos e de cujas decisões
não haja recurso a autoridades
políticas, conferem maior segurança nesse sentido. No entanto
isso se choca frequentemente com
a cultura de centralização na administração direta e com a resistência político-burocrática dos
ministérios a uma necessária
transferência de poder para as
instâncias técnicas de decisão.
Em terceiro lugar, a morosidade do processo de tomada de decisão pode ser fatal para a viabilidade de um empreendimento. A
escassez de recursos humanos e
materiais e o excesso de burocracia atrasam indefinidamente decisões cruciais para a tomada de
decisão sobre inversões estratégicas. Por último, a lentidão no plano administrativo é ainda muito
mais grave na esfera do Judiciário, tolhendo, na prática, o direito
ao recurso judicial.
Os problemas apontados não
admitem solução trivial. Seria ingênuo imaginar que em poucos
anos o Brasil pudesse construir a
tradição secular de países maduros em matéria regulatória. No
entanto um esforço sistemático
no sentido de conferir um mínimo de harmonia e eficiência ao
marco regulatório brasileiro parece indispensável para a retomada do crescimento.
Gesner Oliveira, 44, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-SP e ex-presidente do Cade.
E-mail - gesner@fgvsp.br
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