São Paulo, sábado, 21 de outubro de 2000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Investimento direto e risco regulatório

GESNER OLIVEIRA

A entrada de elevado nível de investimento direto estrangeiro (IDE) constitui pressuposto para a estabilidade macroeconômica. Esse fato deveria ser óbvio quando se considera a projeção de déficit em conta corrente de US$ 24 bilhões para 2001 e a necessidade de aumento de 20% da taxa de investimento para a economia voltar a crescer de forma sustentada.
Embora o IDE de 1999 tenha sido recorde (US$ 30,2 bilhões), esse nível está aquém do potencial de absorção do Brasil em razão da escassez de capital e do potencial de expansão dos mercados. Mantido o nível histórico de participação do Brasil no investimento mundial, esse valor poderia estar próximo a US$ 50 bilhões.
Estima-se, por exemplo, que a universalização de serviços de água e esgoto exija investimentos de cerca de US$ 42 bilhões nos próximos 15 anos, dos quais pouco mais de um terço teria financiamento interno; tais números não surpreendem, tendo em vista que mais de 90% das famílias com renda mensal inferior a três salários mínimos não têm acesso à rede de esgoto.
O risco regulatório constitui fator inibidor do aumento das inversões. A ausência de regras claras, estáveis e harmônicas com as melhores práticas internacionais aumenta a incerteza e afasta o investidor, especialmente em segmentos de infra-estrutura básica intensivos em capital, com elevados custos irrecuperáveis e que requerem comprometimento de longo prazo e forte dependência das políticas governamentais.
O risco regulatório envolve quatro componentes principais. Em primeiro lugar, a indefinição de regras e esferas de competências gera insegurança. Na área de saneamento, a dificuldade reside na definição de responsabilidades de Estados e municípios. Por sua vez, as agências dos setores de telecomunicações, energia elétrica, petróleo e água (Anatel, Aneel, ANP e ANA, respectivamente) apresentam inúmeras áreas em que há potencial conflito de competências. Tampouco é clara a divisão de tarefas entre as agências federais, estaduais e os três órgãos de defesa da concorrência (Cade, SDE e Seae).
Em segundo lugar, ressente-se de maior independência dos órgãos reguladores. Mais do que o mérito da decisão sobre um tema específico, importa ao investidor a previsibilidade. Órgãos colegiados, compostos por membros com mandatos fixos e de cujas decisões não haja recurso a autoridades políticas, conferem maior segurança nesse sentido. No entanto isso se choca frequentemente com a cultura de centralização na administração direta e com a resistência político-burocrática dos ministérios a uma necessária transferência de poder para as instâncias técnicas de decisão.
Em terceiro lugar, a morosidade do processo de tomada de decisão pode ser fatal para a viabilidade de um empreendimento. A escassez de recursos humanos e materiais e o excesso de burocracia atrasam indefinidamente decisões cruciais para a tomada de decisão sobre inversões estratégicas. Por último, a lentidão no plano administrativo é ainda muito mais grave na esfera do Judiciário, tolhendo, na prática, o direito ao recurso judicial.
Os problemas apontados não admitem solução trivial. Seria ingênuo imaginar que em poucos anos o Brasil pudesse construir a tradição secular de países maduros em matéria regulatória. No entanto um esforço sistemático no sentido de conferir um mínimo de harmonia e eficiência ao marco regulatório brasileiro parece indispensável para a retomada do crescimento.


Gesner Oliveira, 44, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-SP e ex-presidente do Cade.
E-mail - gesner@fgvsp.br


Texto Anterior: Revés no Oriente Médio faz óleo subir em NY
Próximo Texto: Análise: O aumento da gasolina e as eleições
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.