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São Paulo, terça-feira, 21 de outubro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Capital humano

BENJAMIN STEINBRUCH

O ibge (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) é uma das unanimidades nacionais. Todos o reconhecem como instituição idônea, independente e eficiente, apesar de ser controlada pelo governo.
Digo isso para comentar alguns aspectos do excelente trabalho divulgado no mês passado pelo IBGE, de mais de 500 páginas, denominado "Estatísticas do Século 20", um retrato das transformações do país no século passado.
Ao folhear o trabalho, os brasileiros que torcem pelo Brasil tendem a enxergar mais as estatísticas positivas do século. E existem muitas. Por exemplo, o Brasil foi o país que apresentou a terceira maior taxa de crescimento do PIB do século, com expansão média de 4,5% ao ano, índice só superado por Taiwan e Coréia do Sul. O PIB brasileiro aumentou 110 vezes de 1901 a 2000. A expectativa de vida teve uma transformação impressionante. Quem nascia em 1900 tinha esperança de viver somente até os 33,6 anos. No fim do século, essa expectativa havia aumentado para 68,2 anos. A mortalidade infantil diminuiu drasticamente. Em cada mil crianças nascidas vivas, 162 morriam antes de completar um ano no início do século. Esse número caiu para 29,6 em 2000.
Na educação, os avanços também foram importantes. É difícil acreditar que em 1900 cerca de 65% da população brasileira com mais de 15 anos era analfabeta. Em 2001, o índice havia caído para 13%. Esse nível ainda não é o ideal, porque nos países desenvolvidos o analfabetismo está praticamente extinto. Mas mostra que houve uma massificação do ensino fundamental. Bom seria se essa tendência tivesse sido acompanhada de uma melhoria da qualidade do ensino. Nessa matéria, infelizmente, o Brasil perdeu de goleada no século 20. Como disse o acadêmico Arnaldo Niskier, em entrevista à Folha, nem é preciso ter estatísticas para perceber que a massificação veio acompanhada da perda de qualidade. No ensino público, mesmo quem tem alergia ao saudosismo reconhece que a perda de qualidade foi assustadora quando comparados os níveis de hoje com os de meados do século passado.
Essa constatação se dá exatamente no momento em que alguns economistas conseguem comprovar por fórmulas matemáticas que os fatores humanos -leia-se educação- são tão importantes quanto os fatores físicos -leia-se poupança interna ou externa- para o crescimento econômico dos países.
O economista Paulo S. Tenani, doutor pela Universidade Columbia, publicou semanas atrás um artigo sobre a influência do capital humano no crescimento das nações. Ele, que lançou recentemente um livro sobre o assunto, lembra que o Brasil teve um extraordinário desenvolvimento dos anos 1950 a 1980, decorrente do acúmulo de capital físico, ou seja, poupanças internas. O país foi o campeão mundial do crescimento nesse período, com taxas médias de 7% ao ano, mas a tendência se extinguiu porque não foi acompanhada pela expansão do capital humano.
A tendência de quem vive o dia-a-dia dos negócios é centrar fogo em demandas relacionadas com os fatores físicos que levam ao crescimento, como a acumulação de poupança, a oferta de crédito, a redução dos juros e o investimento público em setores de base.
Para ter um crescimento duradouro no século 21, porém, o país precisa de pesados investimentos também em capital humano. O desenvolvimento exige, mais do que nunca, preocupação com educação não mais de massa, uma vez que o analfabetismo está quase erradicado, mas de qualidade.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br


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