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São Paulo, terça-feira, 21 de outubro de 2003

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LUÍS NASSIF

Final perfeito

A notável classe dos justiceiros brasileiros já pode comemorar. Não se sabe por que, mas a mídia -talvez num ímpeto "estraga-prazeres"- ocultou o desfecho da grande campanha cívica de denúncias contra "privilégios" concedidos aos rapazes que mataram o índio Galdino.
Como se sabe, os rapazes conquistaram o direito de passar um dia por semana fora do presídio. Aproveitaram o benefício para abusos inomináveis -como tomar refrigerante em lanchonete e namorar.
Graças ao trabalho vigilante da mídia, os direitos conquistados foram cancelados. Na quarta-feira, dia 15 de outubro, às 16h, um dos rapazes, Max -cujo padrasto é ex-ministro do TSE-, tentou suicidar-se na cela do presídio, cortando o pescoço com uma gilete. Mutilou-se com três cortes e, por sorte, atingiu com maior intensidade apenas a artéria que irriga a face. Foi socorrido a tempo pelos outros dois (Novély e Eron), que conseguiram gritar por ajuda e encaminhá-lo para o hospital. Aparentemente, Max não teve forças para enfrentar essa nova onda de justiçamento que se abateu sobre os rapazes.
Não apenas isso. "Essas reportagens estão servindo para recrudescer o duro mundo dos que buscam os direitos previstos na Lei de Execução Penal", me informa por e-mail o leitor Johann Homonnai Júnior.
A Vara de Execuções Criminais em Brasília é o portal do inferno. As pessoas que para lá se dirigem em geral são maltratadas, "até porque, na imensa maioria, são os descamisados e excluídos, que não podem pagar advogados caros e influentes".
Normalmente, a demora para um mero exame criminológico é de sete meses. Além disso, contrariando toda a moderna tendência da legislação penal, há na Câmara dos Deputados mobilização para proibir o trabalho externo para os condenados no regime fechado. "Eu acredito que, na cabeça das pessoas, esteja incrustada, subliminarmente, a imagem de que o preso só pode trabalhar acorrentado e quebrando pedras", diz o leitor.
"Nossa Lei de Execução Penal é muito boa. É fruto do trabalho de um grande jurista que já não está entre nós: o ministro Francisco de Assis Toledo. É incrível como os pressupostos científicos dos institutos da execução penal podem ser constatados na prática."
Continua Johann: "De vez em quando eu almoçava com Novély (um dos condenados) nos intervalos do trabalho. E conversava com ele sobre a experiência de sair de um presídio. De fato, ela tem que ser feita de forma progressiva, como previsto na lei. É necessário acostumar-se, aos poucos, com a liberdade. Ele me dizia que, no início, ficava apenas olhando os carros passar pelas ruas, as pessoas andando, o movimento da cidade. Parava e se detinha para observar tudo ao seu redor. E, aos poucos, ia-se acostumando com todos esses movimentos".
"Na semana anterior ao encarceramento, Novély disse que seria capaz de escrever um livro sobre a segunda-feira. Passava todas as noites no presídio. Chegava o sábado para passar o fim de semana imaginando como seria a segunda-feira."

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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