|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUÍS NASSIF
Final perfeito
A notável classe dos justiceiros brasileiros já pode
comemorar. Não se sabe por
que, mas a mídia -talvez
num ímpeto "estraga-prazeres"- ocultou o desfecho da
grande campanha cívica de denúncias contra "privilégios"
concedidos aos rapazes que
mataram o índio Galdino.
Como se sabe, os rapazes conquistaram o direito de passar
um dia por semana fora do
presídio. Aproveitaram o benefício para abusos inomináveis
-como tomar refrigerante em
lanchonete e namorar.
Graças ao trabalho vigilante
da mídia, os direitos conquistados foram cancelados. Na
quarta-feira, dia 15 de outubro, às 16h, um dos rapazes,
Max -cujo padrasto é ex-ministro do TSE-, tentou suicidar-se na cela do presídio, cortando o pescoço com uma gilete. Mutilou-se com três cortes e,
por sorte, atingiu com maior
intensidade apenas a artéria
que irriga a face. Foi socorrido
a tempo pelos outros dois (Novély e Eron), que conseguiram
gritar por ajuda e encaminhá-lo para o hospital. Aparentemente, Max não teve forças para enfrentar essa nova onda de
justiçamento que se abateu sobre os rapazes.
Não apenas isso. "Essas reportagens estão servindo para
recrudescer o duro mundo dos
que buscam os direitos previstos na Lei de Execução Penal",
me informa por e-mail o leitor
Johann Homonnai Júnior.
A Vara de Execuções Criminais em Brasília é o portal do
inferno. As pessoas que para lá
se dirigem em geral são maltratadas, "até porque, na
imensa maioria, são os descamisados e excluídos, que não
podem pagar advogados caros
e influentes".
Normalmente, a demora para um mero exame criminológico é de sete meses. Além disso,
contrariando toda a moderna
tendência da legislação penal,
há na Câmara dos Deputados
mobilização para proibir o trabalho externo para os condenados no regime fechado. "Eu
acredito que, na cabeça das
pessoas, esteja incrustada, subliminarmente, a imagem de
que o preso só pode trabalhar
acorrentado e quebrando pedras", diz o leitor.
"Nossa Lei de Execução Penal é muito boa. É fruto do trabalho de um grande jurista que
já não está entre nós: o ministro Francisco de Assis Toledo. É
incrível como os pressupostos
científicos dos institutos da
execução penal podem ser
constatados na prática."
Continua Johann: "De vez
em quando eu almoçava com
Novély (um dos condenados)
nos intervalos do trabalho. E
conversava com ele sobre a experiência de sair de um presídio. De fato, ela tem que ser feita de forma progressiva, como
previsto na lei. É necessário
acostumar-se, aos poucos, com
a liberdade. Ele me dizia que,
no início, ficava apenas olhando os carros passar pelas ruas,
as pessoas andando, o movimento da cidade. Parava e se
detinha para observar tudo ao
seu redor. E, aos poucos, ia-se
acostumando com todos esses
movimentos".
"Na semana anterior ao encarceramento, Novély disse
que seria capaz de escrever um
livro sobre a segunda-feira.
Passava todas as noites no presídio. Chegava o sábado para
passar o fim de semana imaginando como seria a segunda-feira."
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
Texto Anterior: Snow fala em juro mais alto e confunde mercado Próximo Texto: Panorâmica - Balança comercial: Superávit no ano já chega a US$ 19,4 bilhões Índice
|