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GESNER OLIVEIRA
Privatização malparada
A mera privatização não assegura resultado positivo, deve ser acompanhada de
boa regulação e concorrência
O DEBATE sobre privatização
na campanha presidencial
ficou malparado. Deixou a
impressão de que a questão relevante é se o futuro governo deve ou
não privatizar em abstrato. Perdeu-se o principal: como a para que desestatizar.
A forma de controle do capital
-se privado ou estatal- é menos
importante do que se pensa para
determinar os resultados em termos de desempenho empresarial e
sobretudo do mercado. O que realmente importa é se há incentivos
adequados para a empresa produzir
e investir de forma eficiente.
O elemento fundamental para estimular uma organização a funcionar bem é a competição. Assim,
quando uma empresa -privada ou
estatal- é submetida à competição,
todos os recursos disponíveis tendem a ser colocados em prol de novos produtos e processos. Quem ganha é o consumidor, via produtos e
serviços melhores e mais baratos.
A mera privatização não assegura
resultados positivos. A transformação de monopólios estatais em monopólios privados pode gerar empresas mais preocupadas em preservar sua renda monopólica do que
em investir em progresso técnico.
Conseqüentemente, a privatização
deve ser acompanhada de boa regulação e defesa da concorrência.
A privatização em telecomunicações foi um sucesso no Brasil porque foi acompanhada de uma preocupação com a regulação do setor e
com os problemas concorrenciais.
Criou-se uma agência reguladora, a
Anatel, antes da privatização e estimulou-se a competição entre grupos privados distintos. Os resultados no México foram inferiores
porque uma única empresa, a Telmex, terminou detendo posição
quase monopolista. A privatização
no setor elétrico no Brasil não foi
bem-sucedida em termos de investimento porque, entre outros fatores, negligenciou-se a criação de
marco regulatório claro e supervisionado por uma agência regulada
previamente estruturada.
Histórias semelhantes em vários
outros setores e países sugerem a lição de que a privatização precisa ser
acompanhada de reforço da regulação e da defesa da concorrência. Um
relato informativo e razoavelmente
crítico das experiências de economias emergentes pode ser encontrado em estudo do Banco Mundial,
cujo título em inglês é "Economic
Growth in the 1990s, learning from
a decade of reform".
À medida que as economias amadurecem, aumenta a importância
relativa do setor privado e o Estado
tende a ser menos empreendedor e
mais regulador. Processos dessa natureza têm ocorrido em praticamente todos os países. Isso não
quer dizer que não possa haver empresas públicas bem-sucedidas.
Nem que os mecanismos de desestatização sejam únicos. A melhor
governança por meio do mercado
de capitais e a pulverização da propriedade de algumas empresas no
mercado acionário são comuns.
Assim, a possibilidade de privatizar ou não uma empresa não pode
ser tomada como uma questão de
princípio. Interessa verificar em
que medida a mudança na origem
do capital da organização em discussão pode contribuir para a melhor aplicação dos recursos existentes. No caso brasileiro atual, por
exemplo, a privatização do IBR
(Instituto Brasileiro de Resseguros)
deveria ser uma prioridade. A introdução de concorrência nesse segmento representaria custos menores e melhores resultados para o
conjunto da economia.
Mais importante ainda, é preciso
reforçar as agências reguladoras.
Independentemente dos resultados
das urnas, deveria haver um compromisso com a edição de uma lei de
responsabilidade regulatória no primeiro trimestre de 2007.
Isso envolveria três elementos básicos. Em primeiro lugar, a garantia
de recrutamento por critério técnico dos reguladores, evitando toda
sorte de loteamento político nas
agências. Em segundo, a independência das decisões de critérios político-partidários. E, por fim, o suprimento de recursos humanos e materiais para que tais órgãos possam
funcionar de forma articulada com
as autoridades de concorrência.
Quando as regras de regulação e
concorrência são transparentes, valem para todos sem exceção e existem autoridades capazes de implementá-las correta as empresas têm
melhor desempenho. Sejam elas públicas ou privadas.
GESNER OLIVEIRA, 50, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP,
presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia e
ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
gesner@fgvsp.br
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