São Paulo, terça-feira, 21 de dezembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

Por que não se deve aplaudir a queda do dólar

BARRY EICHENGREEN
DO "FINANCIAL TIMES"

Os otimistas congênitos vêem a queda do dólar como parte de um reequilíbrio necessário da economia mundial. Sem uma mudança nas taxas de câmbio, o déficit de conta corrente dos EUA está numa trajetória explosiva. Ele poderá passar dos atuais 5% a 6% do PIB (Produto Interno Bruto) para 8% em 2008 e 12% em 2010.
Na verdade, déficits dessa magnitude não são algo que os estrangeiros queiram financiar, especialmente quando eles refletem déficits orçamentários crônicos, e não altos níveis de investimento privado. Em algum ponto os investidores estrangeiros vão puxar o fio da tomada e o dólar e a economia americana vão despencar. Portanto, um declínio suave e moderado do dólar, que diminua o déficit de conta corrente dos Estados Unidos agora, é preferível a uma queda súbita e potencialmente catastrófica mais adiante.
A questão é se já é tarde ou não para um ajuste suave. A conta corrente é a diferença entre poupança e investimento. Estreitar o déficit americano exigirá portanto certa combinação de aumento de poupança e redução de investimento. A queda do dólar provocará isso, pois tende a aumentar as taxas de juros. Conforme os bancos centrais asiáticos reduzirem suas compras de títulos do Tesouro americano e venderem parte de suas posses atuais, haverá pressão de alta do rendimento dos títulos do Tesouro.
Além disso, conforme o dólar cai, haverá pressão ascendente sobre os preços das importações americanas e maior pressão inflacionária de modo geral. Em reação a isso, o Federal Reserve terá de elevar as taxas de juros mais depressa do que se espera hoje. Juros mais altos tornarão os empréstimos mais caros e reduzirão o crescimento dos investimentos.
Eles terão um impacto negativo sobre a avaliação de ativos, incluindo os preços de imóveis. As famílias americanas, não mais vivendo de ganhos de capital, terão de começar a poupar de novo. Com o investimento em queda e a poupança em alta, o déficit em conta corrente vai se estreitar.

Reação do mercado
Infelizmente, essa observação positiva não é o fim da história. Um declínio significativo tanto do consumo como do investimento significará uma recessão nos Estados Unidos. Essa conclusão é tão óbvia que a única pergunta é por que os mercados já não estão prevendo isso.
A resposta, supostamente, é que os investidores não acreditam que o declínio do dólar causará um aumento significativo da inflação. Dados históricos dizem que uma queda de 10% no dólar produz três pontos percentuais adicionais de inflação, que, por sua vez, implicam uma alta de 450 pontos básicos na taxa de desconto.
Claramente ainda não vimos nada parecido com isso. As margens de títulos do Tesouro com proteção contra inflação - a diferença entre o rendimento dos títulos convencionais e os Tips- sugerem um aumento apenas modesto das expectativas inflacionárias. Talvez a "nova economia" tenha tornado a economia americana mais flexível e resistente, de modo que a relação tradicional entre depreciação do dólar e inflação deixou de valer. Talvez, então, os temores de juros significativamente mais altos sejam exagerados.
Mesmo que essa observação esteja correta, porém, significa apenas que o dólar terá de cair ainda mais para gerar pressão inflacionária suficiente para forçar o Federal Reserve a aumentar as taxas de juros. Na origem do declínio do dólar está a opinião de que o déficit de conta corrente dos Estados Unidos é insustentável. Os estrangeiros, portanto, vão continuar vendendo dólares até que ele estreite. Isso, por sua vez, significa que o dólar continuará caindo até que a inflação nos Estados Unidos se aqueça a ponto de o Fed realmente ter de aumentar as taxas de juros. A implicação de que a economia americana vai desacelerar ou, mais provavelmente, sucumbir à recessão é inevitável.
A pergunta é se alguém vai suportar a desaceleração. Para que a economia mundial evite um sério revés, a diminuição do consumo e dos investimentos nos Estados Unidos terá de ser contrabalançada por mais consumo e investimento em outros lugares. Mas onde? A Europa está estagnada e o Banco Central Europeu não demonstra consciência da necessidade de estímulo monetário. A China está esfriando e vai esfriar ainda mais ao permitir que sua moeda se reforce. A modesta recuperação do Japão vai decepcionar, agora que ele tem de aumentar os impostos para controlar sua própria dívida em espiral. Os países fora do Grupo dos Quatro (EUA, Reino Unido, Japão e Alemanha) são simplesmente pequenos demais para fazer diferença.
A implicação é que a correção do déficit de conta corrente dos Estados Unidos que está sendo empreendida agora significará uma recessão não apenas para os Estados Unidos mas também para o resto do mundo.
Os otimistas que estão aplaudindo a queda do dólar deveriam pensar melhor.


O autor é professor de economia e ciência política na Universidade da Califórnia, em Berkeley.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves


Texto Anterior: Dólar cai a R$ 2,677, menor valor desde 2002
Próximo Texto: Real forte: Câmbio traz dúvidas para 2005, diz Furlan
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.