|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
Por que não se deve aplaudir a queda do dólar
BARRY EICHENGREEN
DO "FINANCIAL TIMES"
Os otimistas congênitos vêem a
queda do dólar como parte de um
reequilíbrio necessário da economia mundial. Sem uma mudança
nas taxas de câmbio, o déficit de
conta corrente dos EUA está numa trajetória explosiva. Ele poderá passar dos atuais 5% a 6% do
PIB (Produto Interno Bruto) para
8% em 2008 e 12% em 2010.
Na verdade, déficits dessa magnitude não são algo que os estrangeiros queiram financiar, especialmente quando eles refletem
déficits orçamentários crônicos, e
não altos níveis de investimento
privado. Em algum ponto os investidores estrangeiros vão puxar
o fio da tomada e o dólar e a economia americana vão despencar.
Portanto, um declínio suave e
moderado do dólar, que diminua
o déficit de conta corrente dos Estados Unidos agora, é preferível a
uma queda súbita e potencialmente catastrófica mais adiante.
A questão é se já é tarde ou não
para um ajuste suave. A conta
corrente é a diferença entre poupança e investimento. Estreitar o
déficit americano exigirá portanto certa combinação de aumento
de poupança e redução de investimento. A queda do dólar provocará isso, pois tende a aumentar
as taxas de juros. Conforme os
bancos centrais asiáticos reduzirem suas compras de títulos do
Tesouro americano e venderem
parte de suas posses atuais, haverá pressão de alta do rendimento
dos títulos do Tesouro.
Além disso, conforme o dólar
cai, haverá pressão ascendente sobre os preços das importações
americanas e maior pressão inflacionária de modo geral. Em reação a isso, o Federal Reserve terá
de elevar as taxas de juros mais
depressa do que se espera hoje.
Juros mais altos tornarão os empréstimos mais caros e reduzirão
o crescimento dos investimentos.
Eles terão um impacto negativo
sobre a avaliação de ativos, incluindo os preços de imóveis. As
famílias americanas, não mais vivendo de ganhos de capital, terão
de começar a poupar de novo.
Com o investimento em queda e a
poupança em alta, o déficit em
conta corrente vai se estreitar.
Reação do mercado
Infelizmente, essa observação
positiva não é o fim da história.
Um declínio significativo tanto do
consumo como do investimento
significará uma recessão nos Estados Unidos. Essa conclusão é tão
óbvia que a única pergunta é por
que os mercados já não estão prevendo isso.
A resposta, supostamente, é que
os investidores não acreditam que
o declínio do dólar causará um
aumento significativo da inflação.
Dados históricos dizem que uma
queda de 10% no dólar produz
três pontos percentuais adicionais de inflação, que, por sua vez,
implicam uma alta de 450 pontos
básicos na taxa de desconto.
Claramente ainda não vimos
nada parecido com isso. As margens de títulos do Tesouro com
proteção contra inflação - a diferença entre o rendimento dos títulos convencionais e os Tips-
sugerem um aumento apenas
modesto das expectativas inflacionárias. Talvez a "nova economia" tenha tornado a economia
americana mais flexível e resistente, de modo que a relação tradicional entre depreciação do dólar
e inflação deixou de valer. Talvez,
então, os temores de juros significativamente mais altos sejam exagerados.
Mesmo que essa observação esteja correta, porém, significa apenas que o dólar terá de cair ainda
mais para gerar pressão inflacionária suficiente para forçar o Federal Reserve a aumentar as taxas
de juros. Na origem do declínio
do dólar está a opinião de que o
déficit de conta corrente dos Estados Unidos é insustentável. Os estrangeiros, portanto, vão continuar vendendo dólares até que ele
estreite. Isso, por sua vez, significa
que o dólar continuará caindo até
que a inflação nos Estados Unidos
se aqueça a ponto de o Fed realmente ter de aumentar as taxas de
juros. A implicação de que a economia americana vai desacelerar
ou, mais provavelmente, sucumbir à recessão é inevitável.
A pergunta é se alguém vai suportar a desaceleração. Para que a
economia mundial evite um sério
revés, a diminuição do consumo e
dos investimentos nos Estados
Unidos terá de ser contrabalançada por mais consumo e investimento em outros lugares. Mas
onde? A Europa está estagnada e o
Banco Central Europeu não demonstra consciência da necessidade de estímulo monetário. A
China está esfriando e vai esfriar
ainda mais ao permitir que sua
moeda se reforce. A modesta recuperação do Japão vai decepcionar, agora que ele tem de aumentar os impostos para controlar sua
própria dívida em espiral. Os países fora do Grupo dos Quatro
(EUA, Reino Unido, Japão e Alemanha) são simplesmente pequenos demais para fazer diferença.
A implicação é que a correção
do déficit de conta corrente dos
Estados Unidos que está sendo
empreendida agora significará
uma recessão não apenas para os
Estados Unidos mas também para o resto do mundo.
Os otimistas que estão aplaudindo a queda do dólar deveriam
pensar melhor.
O autor é professor de economia e ciência política na Universidade da Califórnia, em Berkeley.
Tradução de Luiz Roberto Mendes
Gonçalves
Texto Anterior: Dólar cai a R$ 2,677, menor valor desde 2002 Próximo Texto: Real forte: Câmbio traz dúvidas para 2005, diz Furlan Índice
|