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ARTIGO
Crescimento mundial surpreende em 2005
MARTIN WOLF
Permitam-me começar com
um elogio: as previsões estavam certas. Em dezembro de
2004, um relatório da Consensus
Forecast estimou o crescimento
mundial para 2005 em 3,1%. A
mais recente estimativa é de 3,2%.
Os analistas estavam certos
também quanto à inflação: a expectativa média divulgada no final do ano passado era de alta de
2,4% nos preços ao consumidor
em 2005. Agora, a projeção é de
2,7%.
Entre os países de alta renda, os
EUA ocupam posição de destaque. Seu desempenho seguiu à
risca as expectativas: o crescimento deste ano é projetado em 3,6%,
hoje, ante a previsão de 3,5% divulgada em dezembro de 2004.
O Japão se saiu melhor do que
era previsto: as estimativas atuais
falam em crescimento anual de
2,4%, ante projeções da ordem de
1,5% no ano passado.
A zona do euro decepcionou,
mas isso não é surpresa. Dessa
vez, o déficit é pequeno: o crescimento previsto era de 1,7% e o
efetivo foi estimado em 1,4%.
O Reino Unido também decepcionou, com crescimento efetivo
der 1,7%, ante projeção de 2,5%
no final do ano passado.
A expectativa é que a América
Latina cresça em 4,2% neste ano,
pouco acima dos 3,9% previstos
no final de 2004.
A liderança mundial em termos
de crescimento, porém, cabe uma
vez mais aos gigantes emergentes
da Ásia. A projeção é que a China
cresça em 9,3% neste ano, ante os
8% previstos no final de 2004, enquanto o crescimento indiano deve ficar em 7,5% no ano fiscal de
2005 (que se encerra em 31 de
março de 2006), ante projeção de
6,6% em dezembro de 2004.
Esse crescimento econômico
sustentado e de base ampla é um
prazer. E também representa certa surpresa, que se deve em parte
aos acontecimentos do ano e em
parte ao que não aconteceu.
Houve alta acentuada do petróleo, mas não surgiram problemas
gerados pelos muito debatidos
"desequilíbrios" entre as economias. Por trás desse desfecho feliz,
temos, sem dúvida, a credibilidade da política monetária em quase
todas as economias, a flexibilidade econômica e o dinamismo gerado pela globalização e pela ascensão dos gigantes asiáticos.
A situação do petróleo é notável. Um ano atrás, o preço já havia
atingido os US$ 40 por barril.
Neste ano, o preço esbarrou nos
US$ 70, logo depois do furacão
Katrina. Em termos reais, os preços do petróleo atingiram níveis
registrados pela última vez durante o segundo choque do petróleo,
entre 1979 e 1981. No entanto, o
impacto desse grande choque sobre a economia mundial parece
ter sido praticamente nulo.
Há quatro explicações que justificam esse resultado: primeiro, os
preços foram impulsionados pela
forte demanda, e não por cortes
no suprimento; segundo, a competição cada vez mais forte erodiu
a capacidade dos trabalhadores
de resistir a aumentos no custo de
vida; terceiro, os bancos centrais
não estão demonstrando séria
preocupação quanto aos efeitos
colaterais dos preços elevados da
energia sobre a taxa básica de inflação; e, quarto, a alta acelerada
nos superávits em conta corrente
dos países exportadores foi absorvida não por países em desenvolvimentos indignos de crédito, como aconteceu nos anos 70 e no
começo dos anos 80, mas pelo
país credor com posição de crédito mais sólida no mundo, os EUA.
A aparente capacidade da economia mundial de ignorar o impacto de aumentos nos preços do
petróleo é impressionante. Trata-se de um poderoso indicador
quanto aos benefícios de políticas
monetárias cujo objetivo é a estabilidade e prova de que a flexibilidade macroeconômica efetivamente cresceu em todo o mundo.
Mas, se não desejamos que essa
capacidade seja submetida a repetidos testes nos próximos anos,
serão necessários um aumento
firme na oferta de petróleo e, acima de tudo, fortes reduções na intensidade de consumo de energia.
Se as altas dos últimos 12 meses
nos preços do petróleo aconteceram sem serem esperadas, uma
forte queda do dólar era esperada
por quase todos, mas não aconteceu. Em 2005, o déficit norte-americano em conta corrente deve superar os US$ 790 bilhões, ou
pouco mais de 6% do PIB (Produto Interno Bruto).
Mas o dólar terminou subindo
cerca de 2% nos últimos 12 meses,
em termos de cotação ponderada
com base no comércio, ainda que
as intervenções oficiais estrangeiras em defesa do dólar tenham sido conduzidas em escala relativamente modesta.
Nos três primeiros trimestres
do ano, o déficit norte-americano
em conta corrente atingiu os
US$ 592 bilhões. Mas as aquisições estrangeiras de passivos norte-americanos foram de "apenas"
US$ 146 bilhões, ante US$ 300 bilhões no período em 2004.
Em termos líquidos, o influxo
privado de capital para os EUA
cresceu de US$ 179 bilhões para
US$ 446 bilhões, sem dúvida sob
estímulo dos juros mais elevados.
O déficit em conta corrente dos
EUA também continua a ser a
contrapartida necessária de dois
outros "desequilíbrios", um interno e um estrangeiro.
No mercado nacional norte-americano, o déficit financeiro
dos domicílios atingiu a marca de
7,2% do PIB, enquanto o déficit financeiro do governo está perto
dos 4% do PIB. Esses dois imensos déficits absorvem os superávits do setor empresarial, que no
momento atingem cerca de 5%
do PIB, e a entrada líquida de capitais estrangeiros, que contrabalança o déficit em conta corrente.
Enquanto isso, no exterior, a
disponibilidade de capital deriva
dos altos índices de poupança
asiáticos e, mais recentemente,
dos exportadores de petróleo.
Assim, vivemos em um mundo
de forte crescimento. No entanto,
vivemos também em um mundo
de alta lucratividade, mas de investimento fraco; de crescimento
rápido, mas de fortes déficits fiscais e baixas taxas de juros; e de
países pobres que vêm crescendo
rapidamente enquanto financiam
o consumo dos moradores das
nações ricas. Trata-se também, e
não por coincidência, de um
mundo de globalização, inflação
baixa e bancos centrais confiáveis.
Herbert Stein era famoso pela
frase de que aquilo que não pode
durar para sempre, não dura. Os
EUA não serão os consumidores e
captadores preferenciais para
sempre. Mas quando deixarão de
sê-lo? É uma pergunta que terá
que ser respondida em 2006.
Martin Wolf é colunista do "Financial Times"
Tradução de Paulo Migliacci
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