São Paulo, quarta-feira, 21 de dezembro de 2005

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ARTIGO

Crescimento mundial surpreende em 2005

MARTIN WOLF

Permitam-me começar com um elogio: as previsões estavam certas. Em dezembro de 2004, um relatório da Consensus Forecast estimou o crescimento mundial para 2005 em 3,1%. A mais recente estimativa é de 3,2%.
Os analistas estavam certos também quanto à inflação: a expectativa média divulgada no final do ano passado era de alta de 2,4% nos preços ao consumidor em 2005. Agora, a projeção é de 2,7%.
Entre os países de alta renda, os EUA ocupam posição de destaque. Seu desempenho seguiu à risca as expectativas: o crescimento deste ano é projetado em 3,6%, hoje, ante a previsão de 3,5% divulgada em dezembro de 2004.
O Japão se saiu melhor do que era previsto: as estimativas atuais falam em crescimento anual de 2,4%, ante projeções da ordem de 1,5% no ano passado.
A zona do euro decepcionou, mas isso não é surpresa. Dessa vez, o déficit é pequeno: o crescimento previsto era de 1,7% e o efetivo foi estimado em 1,4%.
O Reino Unido também decepcionou, com crescimento efetivo der 1,7%, ante projeção de 2,5% no final do ano passado.
A expectativa é que a América Latina cresça em 4,2% neste ano, pouco acima dos 3,9% previstos no final de 2004.
A liderança mundial em termos de crescimento, porém, cabe uma vez mais aos gigantes emergentes da Ásia. A projeção é que a China cresça em 9,3% neste ano, ante os 8% previstos no final de 2004, enquanto o crescimento indiano deve ficar em 7,5% no ano fiscal de 2005 (que se encerra em 31 de março de 2006), ante projeção de 6,6% em dezembro de 2004.
Esse crescimento econômico sustentado e de base ampla é um prazer. E também representa certa surpresa, que se deve em parte aos acontecimentos do ano e em parte ao que não aconteceu.
Houve alta acentuada do petróleo, mas não surgiram problemas gerados pelos muito debatidos "desequilíbrios" entre as economias. Por trás desse desfecho feliz, temos, sem dúvida, a credibilidade da política monetária em quase todas as economias, a flexibilidade econômica e o dinamismo gerado pela globalização e pela ascensão dos gigantes asiáticos.
A situação do petróleo é notável. Um ano atrás, o preço já havia atingido os US$ 40 por barril. Neste ano, o preço esbarrou nos US$ 70, logo depois do furacão Katrina. Em termos reais, os preços do petróleo atingiram níveis registrados pela última vez durante o segundo choque do petróleo, entre 1979 e 1981. No entanto, o impacto desse grande choque sobre a economia mundial parece ter sido praticamente nulo.
Há quatro explicações que justificam esse resultado: primeiro, os preços foram impulsionados pela forte demanda, e não por cortes no suprimento; segundo, a competição cada vez mais forte erodiu a capacidade dos trabalhadores de resistir a aumentos no custo de vida; terceiro, os bancos centrais não estão demonstrando séria preocupação quanto aos efeitos colaterais dos preços elevados da energia sobre a taxa básica de inflação; e, quarto, a alta acelerada nos superávits em conta corrente dos países exportadores foi absorvida não por países em desenvolvimentos indignos de crédito, como aconteceu nos anos 70 e no começo dos anos 80, mas pelo país credor com posição de crédito mais sólida no mundo, os EUA.
A aparente capacidade da economia mundial de ignorar o impacto de aumentos nos preços do petróleo é impressionante. Trata-se de um poderoso indicador quanto aos benefícios de políticas monetárias cujo objetivo é a estabilidade e prova de que a flexibilidade macroeconômica efetivamente cresceu em todo o mundo.
Mas, se não desejamos que essa capacidade seja submetida a repetidos testes nos próximos anos, serão necessários um aumento firme na oferta de petróleo e, acima de tudo, fortes reduções na intensidade de consumo de energia.
Se as altas dos últimos 12 meses nos preços do petróleo aconteceram sem serem esperadas, uma forte queda do dólar era esperada por quase todos, mas não aconteceu. Em 2005, o déficit norte-americano em conta corrente deve superar os US$ 790 bilhões, ou pouco mais de 6% do PIB (Produto Interno Bruto).
Mas o dólar terminou subindo cerca de 2% nos últimos 12 meses, em termos de cotação ponderada com base no comércio, ainda que as intervenções oficiais estrangeiras em defesa do dólar tenham sido conduzidas em escala relativamente modesta.
Nos três primeiros trimestres do ano, o déficit norte-americano em conta corrente atingiu os US$ 592 bilhões. Mas as aquisições estrangeiras de passivos norte-americanos foram de "apenas" US$ 146 bilhões, ante US$ 300 bilhões no período em 2004.
Em termos líquidos, o influxo privado de capital para os EUA cresceu de US$ 179 bilhões para US$ 446 bilhões, sem dúvida sob estímulo dos juros mais elevados.

O déficit em conta corrente dos EUA também continua a ser a contrapartida necessária de dois outros "desequilíbrios", um interno e um estrangeiro.
No mercado nacional norte-americano, o déficit financeiro dos domicílios atingiu a marca de 7,2% do PIB, enquanto o déficit financeiro do governo está perto dos 4% do PIB. Esses dois imensos déficits absorvem os superávits do setor empresarial, que no momento atingem cerca de 5% do PIB, e a entrada líquida de capitais estrangeiros, que contrabalança o déficit em conta corrente.
Enquanto isso, no exterior, a disponibilidade de capital deriva dos altos índices de poupança asiáticos e, mais recentemente, dos exportadores de petróleo.
Assim, vivemos em um mundo de forte crescimento. No entanto, vivemos também em um mundo de alta lucratividade, mas de investimento fraco; de crescimento rápido, mas de fortes déficits fiscais e baixas taxas de juros; e de países pobres que vêm crescendo rapidamente enquanto financiam o consumo dos moradores das nações ricas. Trata-se também, e não por coincidência, de um mundo de globalização, inflação baixa e bancos centrais confiáveis.
Herbert Stein era famoso pela frase de que aquilo que não pode durar para sempre, não dura. Os EUA não serão os consumidores e captadores preferenciais para sempre. Mas quando deixarão de sê-lo? É uma pergunta que terá que ser respondida em 2006.


Martin Wolf é colunista do "Financial Times"

Tradução de Paulo Migliacci


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