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OPINIÃO ECONÔMICA
Crash global?
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Meus amigos, como é denso,
como é espesso, quase impenetrável, o véu de lendas, mistificações e exageros interposto
entre a indefesa opinião pública brasileira e a realidade internacional. O que temos, em
geral, é um festival de fantasias
para consumo do cidadão-eleitor desavisado. Quando muito,
servem-nos meias verdades. E,
como dizia Tennyson, a meia
verdade é mais perigosa do que
a mentira pura e simples.
Por mais que se esforce para
entender o que acontece, o brasileiro médio dificilmente escapa da condição de vítima deplorável das mais insidiosas
manipulações. A mais recente é
a do "crash global". Autoridades governamentais e mídia
esmeram-se em propagar a
versão de que o planeta está
sendo engolfado por uma crise
de proporções mundiais, da
qual ninguém consegue escapar.
Juntou a fome com a vontade
de comer. O jornalismo escrito,
falado e televisado vive, como
se sabe, dos seus escândalos e
das suas catástrofes reais ou
imaginárias. Já o governo vive
da ofuscação da opinião pública. Acrescente-se a isso a contribuição (marginal) dos remanescentes do marxismo, alguns
dos quais não abandonaram
as suas inclinações apocalípticas, e temos o ambiente ideal
para a difusão de toda a sorte
de exageros sobre o quadro
mundial.
A onda em torno do "crash
global" se deve, em grande
medida, às conveniências governamentais, que sempre encontram farta acolhida nos
meios de comunicação de massa. O que se deseja é passar a
idéia enganosa de que o governo brasileiro é vítima de uma
crise que atinge o mundo inteiro.
Vítima, porém não indefesa.
Ao contrário, temos um governo exemplar, disposto a enfrentar com coragem, determinação e medidas impopulares
os choques externos que interromperam a "exitosa" trajetória da sua política econômica.
Durma-se com um barulho
desses. Primeiro (e desculpem
se estou dizendo o óbvio), com
as medidas adotadas no final
do ano passado, o governo brasileiro está apenas tentando
salvar a própria pele. Como sabe qualquer analfabeto em
economia política brasileira (a
essa altura, até certos economistas do PT), se o Plano Real
for por água abaixo, o governo
vai junto. Defender o Real,
ainda que com juros estratosféricos, aumentos de impostos,
desemprego etc., é uma simples
medida de autopreservação de
um governo que, por causa dos
seus descuidos e suas leviandades, tem hoje margem muito
reduzida de manobra.
Segundo, e mais importante,
não há "crash global". Pelo
menos por enquanto, a crise
econômico-financeira não tem
um alcance que justifique o uso
de expressões como essa. Até o
momento, a crise de 1997/98 é
muito menos internacional do
que, por exemplo, a que foi desencadeada pelo primeiro choque do petróleo, em 1973/74.
Ou do que a recessão mundial
deflagrada pelo segundo choque do petróleo e pela alta dos
juros nos EUA em 1979/82.
É verdade que os problemas
atuais são mais graves do que
os decorrentes do "efeito tequila" de 1994/95. Não há dúvida de que as economias do
Japão e de algumas nações importantes do leste da Ásia atravessam dificuldades profundas. E quando uma economia
do peso da japonesa ameaça
afundar, sempre há o risco de
que a sua crise possa converter-se em uma recessão mundial, comparável a ou até mais
severa do que as experimentadas pelo capitalismo no período posterior à Segunda Guerra.
Mas o fato é que, até agora, a
incidência dos problemas recentes variou enormemente de
região para região e de país
para país. Em algumas áreas
centrais da economia internacional, as dificuldades ficaram
circunscritas às Bolsas de Valores ou aos setores da economia que se relacionam mais
intensamente com o leste da
Ásia.
Nos EUA, por exemplo, o desempenho macroeconômico
continua, de maneira geral,
bastante bom: crescimento significativo, desemprego baixo,
inflação sob controle. Na Europa, excetuadas algumas economias do antigo bloco soviético
(principalmente a própria Rússia), o quadro é de melhora das
condições macroeconômicas. É
verdade que a crise no leste da
Ásia irá reduzir a taxa de crescimento na América do Norte e
na Europa, mas não há por enquanto uma expectativa de recessão nessas regiões em 1998.
Nos EUA, a desaceleração do
crescimento é, até certo ponto,
bem-vinda e tende a tornar
desnecessários os aumentos de
juros por parte do Federal Reserve no curto prazo, tendência
que ajuda países pendurados
como o Brasil.
Mesmo na região mais atingida, a crise não é geral. Até
agora, economias como a da
China e de Taiwan, por exemplo, foram relativamente pouco afetadas, apesar de estarem
muito próximas do epicentro
do suposto "crash global".
Fora do Leste Asiático a turbulência financeira recente
atingiu, sobretudo, países periféricos que, por obra e graça de
suas políticas nacionais, se encontravam em posição vulnerável, de dependência excessiva em relação a fluxos financeiros externos. Aqui aparecem
com destaque países como o
Brasil, a Rússia e outros pingentes da fase de liquidez internacional abundante.
Este é o traço de união na
experiência recente da maioria
dos países periféricos "submergentes": ter confiado demais na disponibilidade de capitais internacionais, grande
parte dos quais voláteis ou de
curto prazo.
Bem. Fiar-se na estabilidade
dos mercados financeiros é
quase tão absurdo como presumir virgindade em uma prostituta. Na semana passada, o
ministro da Fazenda, Pedro
Malan, resumiu o problema
com inegável clareza e espírito
de síntese: "Vivemos em um
mundo perigoso. A velocidade
das transações financeiras internacionais, aliada ao seu
baixo custo, tornou o mercado
muito mais arriscado para países em desenvolvimento."
Francamente! Será que era
preciso acontecer a crise asiática para que se chegasse a essa
conclusão elementar?
O nosso problema mais urgente não é o "crash global"
de que tanto se fala, mas a
ameaça de um "crash" nacional, provocado pela gritante irresponsabilidade da política
econômica brasileira dos últimos anos.
Paulo Nogueira Batista Jr., 42, professor da
Fundação Getúlio Vargas e pesquisador-visitante do Instituto de Estudos Avançados da
Universidade de São Paulo, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net
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