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OPINIÃO ECONÔMICA
A Presidência de um e de todos
PAULO RABELLO DE CASTRO
O discurso de posse do presidente Lula deixou claro o
objetivo de uma reforma previdenciária no seu governo. Depois
veio o seu ministro da pasta, Ricardo Berzoini, ressaltando a necessidade de unificar o sistema
previdenciário como medida central emergente da filosofia do seu
partido. Mas, diferentemente do
"Fome Zero -repto que comove
e mobiliza sem causar polêmica-, a Previdência unificada foi
capaz de despertar manifestações
apaixonadas nas mais diversas
direções. Cada um quer a reforma da Previdência a seu gosto, o
que é muito natural, mas a soma
desses interesses não converge para um consenso. É necessário que
o governo, como agente mobilizador da sociedade, se defina.
Por isso, a próxima etapa no
atual debate sobre a Previdência
que queremos é perguntar qual o
sistema que comporta as efetivas
restrições e condições da economia, dentro de um marco de efetiva equidade, num país que segue
sendo extremamente desigual.
Cada um quer a sua Previdência, mas a única Previdência pública que interessa é uma que seja
para todos. O conceito, simples
como é, hoje não é seguido no
Brasil. Sua inobservância é a fonte das grandes distorções geradoras dos déficits atuais de caixa
previdenciário, bem como das
evasões de contribuição, das fraudes e, no limite, de uma eventual
falência do sistema, anos à frente.
O panorama previdenciário
precisa mudar, e rápido. Não só
pelos déficits, que são responsáveis pelos juros altos e pelo crescimento baixo do Brasil nos últimos anos, trazendo estagnação
do mercado de trabalho. Mas
também -e essa seria a principal
razão de uma mudança urgente e
profunda- por causa do fracasso
do atual sistema como mobilizador de vontades individuais e coletivas na sociedade brasileira.
Ou seja, o atual sistema bicéfalo,
dotado de um regime geral e outro especial, povoado de interesses
dispersos, produz o contrário das
vontades sociais que emergiriam
de uma solução equitativa. Um
pacto social deve juntar, não dispersar. E a atual Previdência dispersa as vontades no arquipélago
de interesses encastelados e fechados de cada grupo. A Previdência
precisa ser -esse seria o primeiro
conceito central- um continente
para todos os interesses, mesmo
abrigando as diferenças contributivas e as peculiaridades profissionais e missionárias de cada qual.
Está certo, portanto, o ministro
Ricardo Berzoini na sua insistência. Mas como chegar ao ponto de
destino? Primeiro, conhecendo
melhor a realidade previdenciária, que é muito mal divulgada
aos brasileiros. Depois, começando a propor regras simples, de entendimento geral, que percorram
o intelecto coletivo. Por exemplo:
a noção de uma conta individual
previdenciária, consistente de um
cartão e de um número identificador de cada contribuinte. O
conceito está longe de ser uma novidade -aliás, já existe um número de PIS para cada um-,
mas não é ainda um sistema organizado para valorizar e respeitar a contribuição de cada um para a sua própria futura aposentadoria. A idéia da integração do
sistema parte dessa identificação
universal, e não da suposta nivelação de situações desiguais. Pelo
contrário: é a identificação que
permitirá 1) a visualização de direitos, adquiridos ou em via de
aquisição 2) a maior regularidade dos pagamentos ou recebimentos 3) o incentivo à contribuição
máxima possível (maior arrecadação) 4) a equidade na concessão dos benefícios (uma regra boa
para todos).
Um sistema que seja unido na
base e plural nas suas camadas
superiores será capaz de atingir
um excelente nível de eficiência
arrecadatória com equidade distributiva e confiabilidade projetada no futuro, características essenciais ao qual precisamos daqui para a frente.
Estar unido na base significa estabelecer uma regra universal de
contribuição, para qualquer brasileiro em idade de trabalhar (faixa a ser discutida, para homem e
mulher) até um teto previamente
estabelecido. E ser plural nas camadas de cima significa permitir
que, acima da faixa geral de contribuição pública, surjam as mais
diversas opções de previdências
complementares onde estarão
abrigados desde planos de contribuição estritamente pessoal (seguros, anuidades, fundos instituídos etc.) até planos "de carreira"
cuja seguridade será prevista em
lei e bancada pelo empregador
governo, aí incluídos militares,
magistrados, magistério e demais
servidores públicos.
Organizar a transição da atual
situação para o novo esquema estabelecido é a terceira etapa, a
mais espinhosa, porque requer
tanto o reconhecimento dos créditos acumulados, o seu método de
cálculo, como as alternativas de
seu repasse aos beneficiários. A
transição, do ponto de vista financeiro, como logo será percebido, exige uma espécie de "contribuição solidária" da sociedade,
sob a forma de tributo, existente
ou a ser instituído, com finalidade específica de permitir que cada
aposentado ou pensionista atual
não tenha risco de ficar sem seu
benefício por falta de recursos.
Por último, o quarto passo é
uma lei previdenciária, anual,
que garanta a saúde do novo sistema, promovendo o ajuste periódico nas taxas e alíquotas que são
as válvulas de compensação de
um sistema vivo, que evolui com
a demografia, a geografia política
do país e da região, as tábuas de
mortalidade e fertilidade, as condições sociais por sexo etc. Esse
conjunto de condições e comportamentos do poder público e da
sociedade definirá o que chamamos de "responsabilidade previdenciária", emprestando qualidade ao nosso futuro em razão da
seriedade e da transparência da
nova Previdência integrada.
Afinal, a melhor Previdência de
cada um é aquela que seja razoável e equitativa para todos.
Paulo Rabello de Castro, 54, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada
15 dias, nesta coluna.
E-mail -
paulo@rcconsultores.com.br
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