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São Paulo, quarta-feira, 22 de janeiro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

A Presidência de um e de todos

PAULO RABELLO DE CASTRO

O discurso de posse do presidente Lula deixou claro o objetivo de uma reforma previdenciária no seu governo. Depois veio o seu ministro da pasta, Ricardo Berzoini, ressaltando a necessidade de unificar o sistema previdenciário como medida central emergente da filosofia do seu partido. Mas, diferentemente do "Fome Zero -repto que comove e mobiliza sem causar polêmica-, a Previdência unificada foi capaz de despertar manifestações apaixonadas nas mais diversas direções. Cada um quer a reforma da Previdência a seu gosto, o que é muito natural, mas a soma desses interesses não converge para um consenso. É necessário que o governo, como agente mobilizador da sociedade, se defina.
Por isso, a próxima etapa no atual debate sobre a Previdência que queremos é perguntar qual o sistema que comporta as efetivas restrições e condições da economia, dentro de um marco de efetiva equidade, num país que segue sendo extremamente desigual.
Cada um quer a sua Previdência, mas a única Previdência pública que interessa é uma que seja para todos. O conceito, simples como é, hoje não é seguido no Brasil. Sua inobservância é a fonte das grandes distorções geradoras dos déficits atuais de caixa previdenciário, bem como das evasões de contribuição, das fraudes e, no limite, de uma eventual falência do sistema, anos à frente.
O panorama previdenciário precisa mudar, e rápido. Não só pelos déficits, que são responsáveis pelos juros altos e pelo crescimento baixo do Brasil nos últimos anos, trazendo estagnação do mercado de trabalho. Mas também -e essa seria a principal razão de uma mudança urgente e profunda- por causa do fracasso do atual sistema como mobilizador de vontades individuais e coletivas na sociedade brasileira. Ou seja, o atual sistema bicéfalo, dotado de um regime geral e outro especial, povoado de interesses dispersos, produz o contrário das vontades sociais que emergiriam de uma solução equitativa. Um pacto social deve juntar, não dispersar. E a atual Previdência dispersa as vontades no arquipélago de interesses encastelados e fechados de cada grupo. A Previdência precisa ser -esse seria o primeiro conceito central- um continente para todos os interesses, mesmo abrigando as diferenças contributivas e as peculiaridades profissionais e missionárias de cada qual.
Está certo, portanto, o ministro Ricardo Berzoini na sua insistência. Mas como chegar ao ponto de destino? Primeiro, conhecendo melhor a realidade previdenciária, que é muito mal divulgada aos brasileiros. Depois, começando a propor regras simples, de entendimento geral, que percorram o intelecto coletivo. Por exemplo: a noção de uma conta individual previdenciária, consistente de um cartão e de um número identificador de cada contribuinte. O conceito está longe de ser uma novidade -aliás, já existe um número de PIS para cada um-, mas não é ainda um sistema organizado para valorizar e respeitar a contribuição de cada um para a sua própria futura aposentadoria. A idéia da integração do sistema parte dessa identificação universal, e não da suposta nivelação de situações desiguais. Pelo contrário: é a identificação que permitirá 1) a visualização de direitos, adquiridos ou em via de aquisição 2) a maior regularidade dos pagamentos ou recebimentos 3) o incentivo à contribuição máxima possível (maior arrecadação) 4) a equidade na concessão dos benefícios (uma regra boa para todos).
Um sistema que seja unido na base e plural nas suas camadas superiores será capaz de atingir um excelente nível de eficiência arrecadatória com equidade distributiva e confiabilidade projetada no futuro, características essenciais ao qual precisamos daqui para a frente.
Estar unido na base significa estabelecer uma regra universal de contribuição, para qualquer brasileiro em idade de trabalhar (faixa a ser discutida, para homem e mulher) até um teto previamente estabelecido. E ser plural nas camadas de cima significa permitir que, acima da faixa geral de contribuição pública, surjam as mais diversas opções de previdências complementares onde estarão abrigados desde planos de contribuição estritamente pessoal (seguros, anuidades, fundos instituídos etc.) até planos "de carreira" cuja seguridade será prevista em lei e bancada pelo empregador governo, aí incluídos militares, magistrados, magistério e demais servidores públicos.
Organizar a transição da atual situação para o novo esquema estabelecido é a terceira etapa, a mais espinhosa, porque requer tanto o reconhecimento dos créditos acumulados, o seu método de cálculo, como as alternativas de seu repasse aos beneficiários. A transição, do ponto de vista financeiro, como logo será percebido, exige uma espécie de "contribuição solidária" da sociedade, sob a forma de tributo, existente ou a ser instituído, com finalidade específica de permitir que cada aposentado ou pensionista atual não tenha risco de ficar sem seu benefício por falta de recursos.
Por último, o quarto passo é uma lei previdenciária, anual, que garanta a saúde do novo sistema, promovendo o ajuste periódico nas taxas e alíquotas que são as válvulas de compensação de um sistema vivo, que evolui com a demografia, a geografia política do país e da região, as tábuas de mortalidade e fertilidade, as condições sociais por sexo etc. Esse conjunto de condições e comportamentos do poder público e da sociedade definirá o que chamamos de "responsabilidade previdenciária", emprestando qualidade ao nosso futuro em razão da seriedade e da transparência da nova Previdência integrada.
Afinal, a melhor Previdência de cada um é aquela que seja razoável e equitativa para todos.


Paulo Rabello de Castro, 54, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

E-mail - paulo@rcconsultores.com.br


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