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ARTIGO
Economia fechada e o fardo da dívida latino-americana
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
Ao longo dos últimos cinco
anos, o financiamento para
os mercados emergentes morreu.
Os únicos influxos líquidos de capital tomaram a forma de investimento estrangeiro direto. Essa é a
segunda vez, desde a Segunda
Guerra Mundial, que os empréstimos secaram, a primeira tendo
surgido depois da moratória mexicana de 1982. Uma vez mais, a
mania de empréstimos deixou
muitos destroços para trás.
No começo dos anos 90, as instituições de crédito privadas caíram sobre as economias de mercado emergente como os israelenses um dia o fizeram na terra prometida. A história está bem descrita no mais recente relatório sobre influxos de capital para as economias de mercado emergente do
Instituto de Finanças Internacionais, de Washington. Por volta de
1996, o influxo líquido de empréstimos chegou a US$ 207 bilhões,
enquanto o influxo líquido total
de capitais foi de US$ 335 bilhões,
incluindo US$ 92 bilhões em investimento estrangeiro direto.
Foram os dias dourados. Depois
vieram as crises asiática, russa e
brasileira, entre junho de 1997 e
janeiro de 1999. As taxas de juros
dispararam, e os influxos despencaram. Os empréstimos líquidos
estão próximos do zero desde
1998. Os bancos comerciais vêm
removendo seu dinheiro, ano
após ano. Os empréstimos não
bancários eram ainda de US$ 36
bilhões em 1999 e US$ 40 bilhões
em 2000, mas esse total diminuiu
para US$ 8 bilhões em 2001 e uma
estimativa de US$ 15 bilhões em
2002. O investimento estrangeiro
direto se manteve robusto, embora ele também tivesse caído de um
pico de US$ 149 bilhões em 1999
para uma estimativa de US$ 107
bilhões no ano passado.
Os fluxos de capital continuam
sujeitos a ciclos de euforia e pânico, com os excessos dos primeiros
preparando o terreno para o sofrimento dos segundos. Mas nem
todas as economias estão tão bem
preparadas para enfrentá-los.
Uma vez mais, a Coréia do Sul demonstrou sua flexibilidade. A Argentina está no extremo oposto
da curva de distribuição.
Causas para a crise
Uma explicação esclarecedora
das dificuldades argentinas e, por
extensão, de muitos países da
América Latina pode ser encontrada em um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
O estudo atribui os problemas
dos países que analisa a três características: economias fechadas ou
com baixo volume de importações como proporção do Produto
Interno Bruto (PIB), fator conhecido como C; altos níveis de dívida, especialmente pública (D); e
desequilíbrios cambiais (M). Os
países CDM, diz o estudo, estão à
beira de um acidente o tempo todo. As dificuldades são exacerbadas pelo uso de uma taxa de câmbio fixa para estabilizar a inflação,
como ocorreu na Argentina.
Os influxos de capital para a
América Latina atingiram um pico de cerca de 5% do PIB da região no segundo trimestre de
1998. Despencaram no ano seguinte para cerca de 1% do PIB,
valor em que estão desde então. A
contração do déficit em conta
corrente latino-americano entre o
terceiro trimestre de 1998 e o final
de 2000 foi de 5% do PIB, o equivalente a uma redução de US$ 500
bilhões no déficit dos EUA em
apenas dois anos. Não surpreende em nada, portanto, que o processo tenha sido tão doloroso.
Uma contração tão forte no déficit exige grande redução nos
gastos com bens comerciáveis internacionalmente. Mas, com uma
taxa real de câmbio fixa, a redução nos gastos com produtos não
comerciáveis internacionalmente
precisa ser proporcional à dos comerciáveis. Então surge uma profunda recessão. Quanto mais fechada for a economia, maior precisará ser a desvalorização real
adotada como compensação.
Eis um exemplo simples. Presumam que as importações de bens
e de todos os serviços respondam
por 15% do PIB de um país, enquanto as exportações são de 10%
do PIB, o que gera um déficit em
conta corrente de 5% do PIB. Presumam igualmente, a bem da
simplicidade, que as exportações
fiquem estáticas a curto prazo. As
importações teriam de cair um
terço para que o déficit em conta
corrente desaparecesse. Sem depreciação real, os gastos na economia como um todo precisariam cair em igual proporção.
Agora imaginem outra economia, cuja parcela de importações
nos gastos seja de 40% do PIB,
mas com déficit em conta corrente semelhante. Os gastos dessa
economia com as importações, e
portanto sua atividade econômica, precisam cair apenas um oitavo. Assim, a recessão necessária
para eliminar um déficit em uma
economia aberta (como a da Coréia do Sul) é bem menor do que a
necessária em uma economia fechada (como a da Argentina).
Desvalorização na AL
Se as mudanças relativas de preços, por meio de uma depreciação
real da taxa de câmbio, transferirem gastos das importações para
a produção doméstica a fim de
compensar a recessão, a depreciação deve ser muito maior, caso as
demais variáveis se mantenham,
no caso da Argentina do que no
caso da Coréia do Sul. O papel do
BID indica que a depreciação real
necessária na Argentina, Brasil e
México para eliminar os déficits
em conta corrente era de cerca de
50% em cada caso, em 1998.
Mesmo que a taxa real de câmbio da Argentina, sob sua âncora
cambial, estivesse equilibrada antes de 1998, ela se tornou desesperadamente supervalorizada depois dessa data. A depreciação
real, por meio de uma inflação relativamente baixa, foi apenas um
terço da que era necessária. A longa recessão era inevitável. E o
mesmo se aplicava ao desmantelamento da âncora cambial.
Essa peça tem um segundo ato.
Se um país requer grande depreciação em sua taxa de câmbio e
possui um estoque elevado de papéis de dívida em moeda estrangeira, seus problemas se tornam
gravíssimos. Na América Latina,
histórias prolongadas de finanças
públicas débeis tornaram as pessoas avessas a ativos em moeda
nacional. De modo que os governos terminaram por tomar empréstimos em moeda estrangeira.
Uma depreciação real de 50% tem
efeito considerável sobre a relação
entre a dívida pública e o PIB. E
torna necessário um aperto fiscal,
em meio a uma recessão.
Consequências
E aí começa o terceiro ato.
Quando desabam os influxos de
capital privado, o setor oficial cobre a deficiência, com um influxo
líquido de US$ 22 bilhões para a
região em 2001 e uma estimativa
de US$ 14 bilhões em 2002. Os
credores esperavam que isso reanimasse a confiança. Mas não foi
o que aconteceu. Na semana passada, enfrentamos uma das consequências: o refinanciamento da
dívida da Argentina junto ao Fundo Monetário Internacional. Mas
o grande desafio de reestruturação do excesso de dívidas pendentes ainda não foi encarado.
Por ora, os mercados estrangeiros de capital estão fechados. Isso
eliminou novas tentações, mas
deixa o sofrimento causado pelas
tentações do passado. E a tentação sempre voltará. A verdade,
porém, é que empréstimos em
moeda estrangeira por economias fechadas são muito perigosos. Se os países não podem contrair dívidas em sua moeda, deveriam limitar seu endividamento
severamente. Isso é ainda mais
importante caso só possam tomar
empréstimos sob classificações de
crédito desfavoráveis, com grande ágio quanto aos ativos seguros.
Os devedores sensatos deveriam sempre encarar as instituições financeiras estrangeiras da
maneira como os troianos foram
um dia aconselhados a encarar os
gregos que trouxessem presentes.
Porque esses gregos levarão seus
presentes embora na pior hora e
da pior maneira. Que os países
devedores (e os credores responsáveis) se acautelem.
Tradução de Paulo Migliacci
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