|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Chega de frustação
LUCIANO COUTINHO
A exposição das mazelas do
sistema político brasileiro não
produziu até o momento nenhuma reforma significativa. Não seria sensato esperar por uma reforma profunda -sob o impacto da
crise e de paixões momentâneas-
que modificasse, por exemplo, o
sistema de representação federativa, mas que, ao menos, fossem introduzidas mudanças moralizadoras óbvias, tais como: a) proibição
da troca de partido; b) redução dos
custos e do formato das campanhas eleitorais; c) reforço das regras de fidelidade partidária; d) regras de escala mínima para a
emergência e manutenção de partidos políticos.
Essa ausência de iniciativa de reforma reitera, lamentavelmente, a
percepção de incapacidade de auto-regeneração do sistema político-partidário. Arrisca-se, assim, a diminuir a adesão da sociedade aos
valores republicanos e democráticos.
O povo brasileiro vem sendo, infelizmente, vítima reiterada de
graves frustrações desde a derrota
histórica da campanha das "diretas já". Naquele episódio, em vez
de uma ruptura saudável que poderia ter refundado a democracia
em bases mais radicais, prevaleceu
um pacto conservador por meio do
qual a velha estrutura política capturou a transição democrática. A
crise econômica dos 80 (caracterizada por penúria cambial, debilitação do Estado e descontrole da
inflação) que havia moído o suporte ao regime autoritário deixou seqüelas onerosas. Novas frustrações
se sucederam: o fracasso do Cruzado (e do governo Sarney); o embuste protagonizado pelo presidente
Collor; o desastre de resultados do
longo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e, afinal,
o desencanto com a promessa representada pelo presidente Lula.
No que toca aos dois últimos, é
especialmente acachapante a decepção em termos de auto-estima.
O legado do governo de uma das
maiores expressões internacionais
da intelectualidade brasileira foi
uma profunda vulnerabilização
cambial da economia, combinada
com uma gravíssima debilitação
financeira e fiscal do Estado, depois de oito anos de pífio desempenho econômico. No plano político,
observou-se a reiteração dos vícios
do velho sistema, exacerbados pela
sua cooptação ao projeto de reeleição. Já o registro do governo do
mais emblemático líder operário
do país, até o momento, revela
apenas ortodoxia econômica sem
projeto e sem criatividade (os
avanços na área cambial resultantes, principalmente, de cenário internacional excepcionalmente favorável). No campo político, infelizmente, assiste-se a um triste espetáculo de supuração de abcessos.
Poderiam -FHC e Lula- ter sido
gigantes em liderar avanço político
e formulação consistente de um
projeto de desenvolvimento. Infelizmente, não o conseguiram.
Em 2006, a sociedade brasileira
precisa expressar vivamente a sua
inconformidade com essas frustrações. Se não vier de baixo para cima uma chacoalhada renovadora
que exija probidade, Estado eficiente e projeto de desenvolvimento, correremos o risco de persistir
na mediocridade infame.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular
do Instituto de Economia da Unicamp.
Foi secretário-geral do Ministério da
Ciência e Tecnologia (1985-88).
Texto Anterior: Opinião econômica - Rubens Ricupero: Uma história esquecida Próximo Texto: Tele virtual: Teles já perdem receita na longa distância Índice
|