São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 2006

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Chega de frustação

LUCIANO COUTINHO

A exposição das mazelas do sistema político brasileiro não produziu até o momento nenhuma reforma significativa. Não seria sensato esperar por uma reforma profunda -sob o impacto da crise e de paixões momentâneas- que modificasse, por exemplo, o sistema de representação federativa, mas que, ao menos, fossem introduzidas mudanças moralizadoras óbvias, tais como: a) proibição da troca de partido; b) redução dos custos e do formato das campanhas eleitorais; c) reforço das regras de fidelidade partidária; d) regras de escala mínima para a emergência e manutenção de partidos políticos.
Essa ausência de iniciativa de reforma reitera, lamentavelmente, a percepção de incapacidade de auto-regeneração do sistema político-partidário. Arrisca-se, assim, a diminuir a adesão da sociedade aos valores republicanos e democráticos.
O povo brasileiro vem sendo, infelizmente, vítima reiterada de graves frustrações desde a derrota histórica da campanha das "diretas já". Naquele episódio, em vez de uma ruptura saudável que poderia ter refundado a democracia em bases mais radicais, prevaleceu um pacto conservador por meio do qual a velha estrutura política capturou a transição democrática. A crise econômica dos 80 (caracterizada por penúria cambial, debilitação do Estado e descontrole da inflação) que havia moído o suporte ao regime autoritário deixou seqüelas onerosas. Novas frustrações se sucederam: o fracasso do Cruzado (e do governo Sarney); o embuste protagonizado pelo presidente Collor; o desastre de resultados do longo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e, afinal, o desencanto com a promessa representada pelo presidente Lula.
No que toca aos dois últimos, é especialmente acachapante a decepção em termos de auto-estima. O legado do governo de uma das maiores expressões internacionais da intelectualidade brasileira foi uma profunda vulnerabilização cambial da economia, combinada com uma gravíssima debilitação financeira e fiscal do Estado, depois de oito anos de pífio desempenho econômico. No plano político, observou-se a reiteração dos vícios do velho sistema, exacerbados pela sua cooptação ao projeto de reeleição. Já o registro do governo do mais emblemático líder operário do país, até o momento, revela apenas ortodoxia econômica sem projeto e sem criatividade (os avanços na área cambial resultantes, principalmente, de cenário internacional excepcionalmente favorável). No campo político, infelizmente, assiste-se a um triste espetáculo de supuração de abcessos. Poderiam -FHC e Lula- ter sido gigantes em liderar avanço político e formulação consistente de um projeto de desenvolvimento. Infelizmente, não o conseguiram.
Em 2006, a sociedade brasileira precisa expressar vivamente a sua inconformidade com essas frustrações. Se não vier de baixo para cima uma chacoalhada renovadora que exija probidade, Estado eficiente e projeto de desenvolvimento, correremos o risco de persistir na mediocridade infame.


Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).


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