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Troca virtual tornou-se profissional, diz estudioso
DA REDAÇÃO
Um mundo virtual em que você
pode ser quem quiser, desde uma
maga poderosa até um anão curandeiro, e forjar uma nova identidade do zero. Esse mundo existe
e está on-line. São os chamados
MMORPGs, games que milhares
de pessoas jogam ao mesmo tempo, formando alianças, famílias
ou simplesmente matando umas
às outras.
Esses mundos virtuais também
têm uma economia, que é estudada por acadêmicos como Edward
Castronova, economista da Universidade de Indiana, nos Estados
Unidos. Muitas pessoas usam dinheiro de verdade para comprar
esses objetos e até mesmo personagens prontos.
"Sempre foi comum que as pessoas trocassem itens dentro dos
mundos de fantasia por dinheiro
de verdade. Mas o que aconteceu
é que isso se tornou profissional",
diz Castronova. "As pessoas que
facilitam essa compra e venda se
tornaram corporações."
Leia a seguir entrevista que o
economista concedeu à Folha por
telefone.
Folha - Qual é a importância econômica dos mundos virtuais hoje?
Ela vai crescer nos próximos anos?
Castronova - O impacto econômico hoje em dia é medido pelo
número de assinantes [dos jogos].
Hoje, temos de 10 milhões a 20
milhões de pessoas jogando esse
tipo de jogo, e esse número está
crescendo rapidamente.
Os jogos on-line são uma parte
pequena de um setor pequeno,
um setor que gira US$ 10 bilhões
nos Estados Unidos, mas o importante é que essa parte do setor
[jogos on-line] está crescendo
muito, muito rapidamente. Eu
acho que vai haver cada vez mais
atividade [nesse segmento].
Folha - E a venda de itens relacionados aos jogos?
Castronova - Sim, isso também
está crescendo bastante. Essa atividade sempre foi uma parte dos
jogos, sempre foi comum que as
pessoas trocassem itens dentro
dos mundos de fantasia por dinheiro de verdade.
Mas o que ocorreu é que isso se
tornou profissional, em dois sentidos. Primeiro, as pessoas que facilitam a compra e a venda se tornaram corporações. São empresas profissionais que compram
ouro [do jogo] e vendem ouro para outras pessoas. E isso se tornou
um negócio legítimo.
E a outra coisa que aconteceu foi
que há mais e mais pessoas que
vêem a obtenção de ouro como
um trabalho. Eles obtêm ouro nos
mundos virtuais e vendem para
essas corporações.
Folha - Como você acha que os
governos deveriam tratar esses jogos? Os lucros com a compra e venda de itens deveriam taxados?
Castronova - Em termos de teoria econômica, tudo que acontece
em um mundo sintético deveria
ser taxado do mesmo modo que o
é no mundo real. Em termos econômicos, simplesmente não há
diferença. É compra e venda de
itens de valor.
Mas eu acho que seria ultrajante
se o governo impusesse impostos,
e a razão não tem nada a ver com
economia, mas com o status especial dessa tecnologia. Não deve ser
como a vida real; na verdade, todo
o valor do jogo é que ele não é como a vida real.
Então, se nós tratarmos o jogo
como se fosse a vida real e a economia real, e deixarmos o governo recolher impostos e regulamentar, perderemos o valor desse
local [o mundo virtual].
Por exemplo, pegue um jogo como o futebol. Você pode bater nas
pessoas, pode dar rasteira nelas, e
tudo o que acontece é que você leva um cartão amarelo. Mas, se
fosse o mundo real, poderia haver
um processo, multas, você poderia ser preso por lesão corporal...
Nós não deixamos isso acontecer durante um jogo de futebol. E,
se deixássemos, destruiria o jogo.
Então a mesma analogia se aplica.
Mas a sociedade responde de modo distinto às duas circunstâncias.
Com os mundos virtuais, a sociedade ainda não chegou a este
entendimento; que o que acontece dentro dos mundos virtuais é
igual ao que acontece fora, mas
que, por ser virtual, deveria ser
tratado de forma diferente.
Folha - Em um de seus trabalhos,
você diz que alguns jogos fazem
mais sucesso porque os recursos
são limitados, como no mundo
real. Por que isso é importante?
Castronova - Bom, eu acho que
todos nós acreditamos que seríamos mais felizes se tivéssemos
mais coisas. Se alguém nos desse
mais três carros, mais 16 casas,
nós diríamos: "Uau, eu sou bem
mais feliz". Então você poderia
concluir, a partir disso, que, se
possível, todas as pessoas deveriam ter mais coisas. Isso faria
com que todos fossem mais felizes. Essa poderia ser sua política.
E, como você sabe, nós nos focamos muito, na política econômica
e governamental, em aumentar a
riqueza material das pessoas. Mas
acontece que, quando montamos
um mundo virtual, se você fizer
tudo ser grátis, não tem graça.
Simplesmente não tem graça.
Então aprendemos que um dos
principais elementos da felicidade
não é a riqueza material, e sim como resolver o quebra-cabeça de
conseguir as coisas materiais. Essa é a parte divertida. E esses
mundos virtuais perceberam isso.
Então eles fazem com que as coisas sejam escassas, mas liberam
os itens de um modo divertido.
Isso é importante porque nos
faz repensar qual deveria ser o objetivo da política pública. Quer dizer, é realmente nos fazer mais ricos? Ou é fazer com que tenhamos mais diversão?
Imagine como seria um governo baseado na diversão. É uma
idéia chocante, mas é isso que são
esses mundos. É uma questão interessante de política pública.
Folha - Você acha que esses mundos podem ser usados para fazer
estudos econômicos ou sociais?
Castronova - Sim, eu acho que
essa é uma das aplicações mais interessantes, a longo prazo, dessa
tecnologia. Agora, quando temos
uma idéia nova sobre a sociedade,
só temos três meios de testá-la.
Um é historicamente, ou seja, tentar achar um país que já fez algo
assim e estudá-lo. Ou nós podemos fazer teoria pura. Ou podemos simplesmente mergulhar na
sociedade hoje e tentar estudar
pela imersão profunda.
Você pode ver que há problemas em cada um dos métodos. E
eu acredito que o que os mundos
sintéticos nos permitirão fazer é
criar sociedades paralelas, que são
exatamente iguais, exceto pela
coisa sobre a qual estamos pensando, e nós a colocamos aqui, e
não a colocamos aqui. E aí vemos
o que acontece.
Eu acho que essa é uma possibilidade, conforme nos deparamos
com problemas na tecnológica.
Lidar com a gripe do frango, por
exemplo. É um problema global.
Se a Bolívia decidir que vai implantar uma política para a gripe
do frango, como o Brasil poderia
decidir se vai adotar o modelo boliviano? Que método você poderia
usar para decidir isso racionalmente? Talvez os bolivianos sejam loucos. Bem, talvez eles estejam totalmente certos.
Essa seria uma oportunidade,
você poderia ter pequenas sociedades e soltar a gripe em uma e
não na outra, e pode ser que a política de vacinas da Bolívia seja a
melhor de longe. E poderia descobrir isso antes de a gripe atacar.
Esse é o tipo de coisa que poderia salvar centenas de milhares de
vidas, não só com relação à gripe
do frango. Há vários perigos tecnológicos chegando neste século,
desde aquecimento global até nanorrobôs. E isso nos permitiria
entender essas coisas um pouco
melhor antes de o desastre acontecer.
(PL)
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