São Paulo, terça-feira, 22 de março de 2005

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OPINIÃO ECONÔMICA

Malucos teimosos

BENJAMIN STEINBRUCH

A proposta de ampliação do número de integrantes do Conselho Monetário Nacional precisa ser discutida com serenidade, sem radicalismos de parte a parte. Feita em conjunto por Fiesp, CUT e CNI, a proposta abriu o debate sobre as atribuições e a importância do CMN.
Não é a primeira vez nem será a última que abordo esse tema. Há exatamente um ano, nesta página, propus a ampliação do conselho, sob o argumento de que seria útil ao país voltar a uma experiência do passado, que deu bons resultados.
Depois que as entidades formalizaram a proposta, na semana passada, vieram a público opiniões contrárias à medida, nem sempre em tom construtivo. Alguns sustentam que a ampliação poderia colocar em risco a credibilidade da gestão monetária do conselho, porque as decisões ficariam sujeitas a influências e interesses externos. Outros disseram que a proposta atende a interesses corporativos de parcelas privilegiadas da sociedade, como empresários e trabalhadores. Outros, ainda, disseram tratar-se de velhas idéias ultrapassadas, porque o CMN ampliado em nada teria ajudado, no passado, a controlar a inflação.
Respeito as críticas, mas entendo que elas pecam pelo radicalismo. É interessante relembrar os objetivos originais que inspiraram a criação do CMN, pela lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964. No artigo 2º da lei, está escrito que a finalidade do conselho é "formular a política da moeda e do crédito, objetivando o progresso econômico e social do país".
A lei não poderia ser mais explícita: o conselho deve pautar suas decisões monetárias com vistas ao desenvolvimento econômico e social. Cabe então uma pergunta: da forma como vem se comportando nos últimos anos, o CMN tem se pautado por esse objetivo? Aí está uma boa discussão, mas que, infelizmente, não pode se dar no próprio conselho, porque é formado por apenas três membros (os ministros da Fazenda e do Planejamento e o presidente do Banco Central) que pouco divergem entre si.
Eis, portanto, onde se encaixa a proposta da Fiesp-CUT-CNI. Com ministros mais ligados ao setor real da economia e com representantes de trabalhadores, de empresários e do meio acadêmico, certamente estaria aberto um espaço para que as discussões no conselho fugissem do foco unicamente financista. Haveria, então, maior sensibilidade para a questão do crescimento da produção e do emprego.
Não procede a crítica aos interesses corporativos desses novos membros, nem a de que eles poriam em risco a credibilidade da gestão monetária. Primeiro porque o presidente da República, a quem caberia indicá-los, obviamente teria sensibilidade para escolher brasileiros ilibados e ilustres. Segundo porque, mesmo com a ampliação, o governo manteria maioria de votos dentro do conselho.
Também não procede a observação de que o conselho ampliado do passado nunca ajudou no controle da inflação. Os anos 70, quando o CMN tinha maior representatividade, foram um período de inflação baixa, com uma vantagem: o crescimento econômico vigoroso.
Os novos membros, portanto, poderiam arejar as discussões em momentos que antecedem decisões importantes para a atividade econômica. Até o fim do mês, por exemplo, o CMN vai decidir a nova TJLP, taxa de juros aplicada nos financiamentos do BNDES, que vai valer para o segundo trimestre. Essa taxa, vital para estimular investimentos que vão sustentar o crescimento econômico, não precisa ser tão alta -atualmente, está em 9,75%. Sem ouvir opiniões de pessoas mais ligadas ao setor produtivo, é possível que o CMN venha até a aumentar essa taxa, o que seria um absurdo.
Outra atribuição do CMN é fixar a meta de inflação a ser perseguida pelo Banco Central. Para este ano, a meta é de 4,5%, embora o BC já trabalhe para atingir 5,1%. Tendo em vista o cenário externo (preços do petróleo) e o inevitável efeito inflacionário dos reajustes de preços administrados indexados ao IGP, seria sensato alterar essa meta para um nível um pouco mais realista, que permitisse manter a taxa de crescimento econômico do ano passado.
Visões puramente monetárias têm confundido baixos índices de preços com estabilidade. Esse equívoco foi apontado na semana passada por altos funcionários da ONU, em seminário, em Brasília. A busca da estabilidade exige o estabelecimento de metas também para o emprego e para o crescimento do PIB, por exemplo. Essa visão mais flexível, na linha dos objetivos definidos na lei que criou o conselho, poderia advir do novo quórum ampliado e mais representativo das diversidades da sociedade brasileira.
Esse é o objetivo central da proposta das entidades de empresários e trabalhadores. Não se pretende violentar o CMN, mas apenas introduzir nele alguma sensibilidade para os problemas reais do país, que só se resolvem com crescimento econômico continuado e a criação sistemática de empregos.
Não custa lembrar que, por trás de toda essa discussão, está uma constatação elementar: com juros reais de 13% ao ano, só malucos teimosos, entre os quais sempre me incluí, resistem à tentação de deixar recursos aplicados no mercado financeiro para se arriscar em investimentos produtivos que geram empregos.


Benjamin Steinbruch, 51, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
E-mail - bvictoria@psi.com.br


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