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OPINIÃO ECONÔMICA
O bolo e a Previdência
BENJAMIN STEINBRUCH
Há tempos, ninguém fala da
"teoria do bolo". Para quem
não se lembra, era a idéia difundida nos anos 70, segundo a qual
não se podia dividir o bolo da
renda brasileira antes que ele
crescesse o bastante. Ou seja, primeiro o país precisaria promover
um amplo crescimento econômico para depois pensar em repartir
melhor as fatias desse produto.
Naquela época, a discussão sobre a "teoria do bolo" foi surrealista. A esquerda a atribuía aos
economistas do governo e estes,
por sua vez, negavam enfaticamente a sua autoria. O curioso é
que, passados quase 30 anos, ao
olharmos para trás, fica claro que
a distribuição das fatias da renda
nacional não foi alterada, tenha o
bolo crescido ou não na forma
preconizada pela teoria apócrifa.
Na semana passada, o Ministério da Fazenda pôs em seu site
(www.fazenda.gov.br) um robusto trabalho, de mais de 90 páginas, sob o título "Política Econômica e Reformas Estruturais". Na
página 37, há um gráfico quase
inacreditável sobre a evolução da
porcentagem da renda apropriada pelos diversos segmentos sociais nas décadas de 80 e 90. Digo
inacreditável porque as linhas do
gráfico são tão horizontalmente
retas que quase poderiam ser traçadas com uma régua.
Isso significa que, em 20 anos,
não houve nenhuma alteração no
tamanho das fatias do bolo da
renda nacional atribuídas aos vários estratos sociais. Os 50% mais
pobres tinham apenas 10% da
renda em 1980 e permaneceram
com essa fatia durante as duas
décadas seguintes. Da mesma forma, os 10% mais ricos continuaram por todo esse tempo abocanhando cerca de 45% da renda.
Para os 45% restantes da população, da faixa intermediária, a situação ficou igualmente inalterada, cabendo a eles outros 45% do
bolo.
As linhas do gráfico indicam
que o grau de desigualdade da
economia brasileira permaneceu
essencialmente o mesmo durante
todos esses 20 anos, com pequenas
oscilações para melhor em anos
de baixa inflação e para pior nos
de alta inflação.
Entre as causas dessa estratificação, cita-se a desigualdade do
grau de escolaridade, uma vez
que, pela oferta igualitária de
educação, seria possível elevar
substancialmente a renda das populações mais pobres. Outro fator
importante, porém, é a pouca efetividade das políticas sociais implantadas no país. Não se trata,
portanto, da falta de recursos para a área social, mas de sua alocação de forma equivocada. Os gastos com previdência social, por
exemplo, podem ser um fator determinante na melhoria da distribuição de renda. No ano passado,
o governo destinou à previdência
R$ 133,7 bilhões, ou 41% dos gastos totais na área social. Educação e cultura ficaram com R$ 27
bilhões, saúde levou R$ 30 bilhões
e habitação, apenas R$ 431 milhões.
Se essa montanha de recursos
fosse destinada à Previdência de
forma eficiente, certamente o
quadro das desigualdades sociais
já seria bem diferente no país. É
fácil entender a razão da ineficiência. As receitas da Previdência, tanto a do setor privado
(INSS) como a do setor público,
não são suficientes para pagar
aposentadorias e pensões a 22,2
milhões de beneficiários. Por isso
o governo tem de utilizar recursos
de impostos recolhidos por toda a
população para complementar o
pagamento desses benefícios. Só
que a distribuição desse complemento, que podemos chamar de
subsídio, é muito desigual entre
os beneficiários do setor público e
os do setor privado. Para pagar
3,2 milhões de servidores públicos
aposentados e pensionistas, foram destinados R$ 39 bilhões no
ano passado. Enquanto isso, os 19
milhões de aposentados e pensionistas do setor privado foram
agraciados com apenas R$ 17 bilhões. Uma conta mais simples:
para cada servidor público aposentado ou pensionista, o governo
teve de desembolsar subsídios de
R$ 932 por mês, ao passo que, para cada beneficiário do INSS, destinou apenas R$ 69 por mês.
Quando se pretende promover a
reforma da Previdência, portanto, está-se tratando não apenas
de uma questão orçamentária
mas também de uma questão social. É claro que o problema da
distribuição da renda no país tem
inúmeras causas, ligadas principalmente à educação. Mas as diferenças existentes entre os dois
sistemas de previdência tendem a
agravar as desigualdades da sociedade. Se a reforma reduzir essas diferenças, certamente ajudará a melhorar a distribuição da
renda, independentemente do
crescimento do bolo.
Benjamin Steinbruch, 49, empresário,
é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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