UOL


São Paulo, terça-feira, 22 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

O bolo e a Previdência

BENJAMIN STEINBRUCH

Há tempos, ninguém fala da "teoria do bolo". Para quem não se lembra, era a idéia difundida nos anos 70, segundo a qual não se podia dividir o bolo da renda brasileira antes que ele crescesse o bastante. Ou seja, primeiro o país precisaria promover um amplo crescimento econômico para depois pensar em repartir melhor as fatias desse produto.
Naquela época, a discussão sobre a "teoria do bolo" foi surrealista. A esquerda a atribuía aos economistas do governo e estes, por sua vez, negavam enfaticamente a sua autoria. O curioso é que, passados quase 30 anos, ao olharmos para trás, fica claro que a distribuição das fatias da renda nacional não foi alterada, tenha o bolo crescido ou não na forma preconizada pela teoria apócrifa.
Na semana passada, o Ministério da Fazenda pôs em seu site (www.fazenda.gov.br) um robusto trabalho, de mais de 90 páginas, sob o título "Política Econômica e Reformas Estruturais". Na página 37, há um gráfico quase inacreditável sobre a evolução da porcentagem da renda apropriada pelos diversos segmentos sociais nas décadas de 80 e 90. Digo inacreditável porque as linhas do gráfico são tão horizontalmente retas que quase poderiam ser traçadas com uma régua.
Isso significa que, em 20 anos, não houve nenhuma alteração no tamanho das fatias do bolo da renda nacional atribuídas aos vários estratos sociais. Os 50% mais pobres tinham apenas 10% da renda em 1980 e permaneceram com essa fatia durante as duas décadas seguintes. Da mesma forma, os 10% mais ricos continuaram por todo esse tempo abocanhando cerca de 45% da renda. Para os 45% restantes da população, da faixa intermediária, a situação ficou igualmente inalterada, cabendo a eles outros 45% do bolo.
As linhas do gráfico indicam que o grau de desigualdade da economia brasileira permaneceu essencialmente o mesmo durante todos esses 20 anos, com pequenas oscilações para melhor em anos de baixa inflação e para pior nos de alta inflação.
Entre as causas dessa estratificação, cita-se a desigualdade do grau de escolaridade, uma vez que, pela oferta igualitária de educação, seria possível elevar substancialmente a renda das populações mais pobres. Outro fator importante, porém, é a pouca efetividade das políticas sociais implantadas no país. Não se trata, portanto, da falta de recursos para a área social, mas de sua alocação de forma equivocada. Os gastos com previdência social, por exemplo, podem ser um fator determinante na melhoria da distribuição de renda. No ano passado, o governo destinou à previdência R$ 133,7 bilhões, ou 41% dos gastos totais na área social. Educação e cultura ficaram com R$ 27 bilhões, saúde levou R$ 30 bilhões e habitação, apenas R$ 431 milhões.
Se essa montanha de recursos fosse destinada à Previdência de forma eficiente, certamente o quadro das desigualdades sociais já seria bem diferente no país. É fácil entender a razão da ineficiência. As receitas da Previdência, tanto a do setor privado (INSS) como a do setor público, não são suficientes para pagar aposentadorias e pensões a 22,2 milhões de beneficiários. Por isso o governo tem de utilizar recursos de impostos recolhidos por toda a população para complementar o pagamento desses benefícios. Só que a distribuição desse complemento, que podemos chamar de subsídio, é muito desigual entre os beneficiários do setor público e os do setor privado. Para pagar 3,2 milhões de servidores públicos aposentados e pensionistas, foram destinados R$ 39 bilhões no ano passado. Enquanto isso, os 19 milhões de aposentados e pensionistas do setor privado foram agraciados com apenas R$ 17 bilhões. Uma conta mais simples: para cada servidor público aposentado ou pensionista, o governo teve de desembolsar subsídios de R$ 932 por mês, ao passo que, para cada beneficiário do INSS, destinou apenas R$ 69 por mês.
Quando se pretende promover a reforma da Previdência, portanto, está-se tratando não apenas de uma questão orçamentária mas também de uma questão social. É claro que o problema da distribuição da renda no país tem inúmeras causas, ligadas principalmente à educação. Mas as diferenças existentes entre os dois sistemas de previdência tendem a agravar as desigualdades da sociedade. Se a reforma reduzir essas diferenças, certamente ajudará a melhorar a distribuição da renda, independentemente do crescimento do bolo.


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


Texto Anterior: Para advogados, alterações podem ser feitas, desde que "sem pressa"
Próximo Texto: Imposto de renda: Saiba declarar compra por consórcio
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.