São Paulo, sábado, 22 de abril de 2006

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CRISE NO AR

Banco diz que pode ajudar investidor interessado na empresa aérea, mas sempre agindo com critérios técnicos

BNDES admite financiar compra da Varig

JANAINA LAGE
DA SUCURSAL DO RIO

O novo presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Demian Fiocca, 37, afirma que a imagem de "hospital de empresas" do banco ficou no passado. O banco é apontado como uma das principais alternativas para capitalizar e salvar a Varig. O ministro da Defesa, Waldir Pires, havia afirmado anteontem que existe a possibilidade de o governo injetar dinheiro público para amenizar a crise financeira da Varig. Sem apresentar detalhes, citou apenas o BNDES como opção.
Segundo Fiocca, o banco adotará decisão técnica em relação à empresa, mas pode vir a financiar um eventual investidor interessado na compra da empresa.
O banco pretende priorizar neste ano investimentos em inovação e infra-estrutura. Em junho, o BNDES vai apresentar um estudo sobre os setores estratégicos para o crescimento do país. Veja trechos de sua entrevista à Folha:

Folha - Qual foi o resultado dos encontros do BNDES com os interessados na Varig?
Demian Fiocca -
Temos tido contatos em nível técnico, recebi também uma comitiva de trabalhadores, mas não há nada decidido. O BNDES não lidera essa questão nem do ponto de vista do governo -porque existe a agência regulatória do setor de aviação- nem do ponto de vista financeiro.

Folha - O BNDES já teve contato com a situação da Varig ao financiar a compra das ex-subsidiárias VEM e Varig Log.
Fiocca -
O BNDES viabilizou um aporte de recursos de R$ 150 milhões em novembro do ano passado ajudando no processo de venda da VEM e da Varig Log, mas o fez emprestando ao comprador, não à Varig. Efetivamente o comprador até nos pagou antecipadamente. Nossa posição é tratar o assunto de maneira técnica, dentro da prudência bancária.

Folha - O banco está disposto a financiar um investidor interessado?
Fiocca -
Isso é algo que pode ocorrer. Não há nenhum ônus a que o BNDES empreste para um investidor que esteja apto do ponto de vista da qualidade de crédito a receber recursos do banco. Efetivamente já fizemos isso antes.

Folha - O BNDES ainda traz a imagem de salvador de empresas?
Fiocca -
Houve em décadas passadas algum uso de bancos públicos. "A empresa está mal? Manda no banco público e não paga." Pode ser que tenha ficado essa visão, como ficou de algumas agências públicas. A gente tem um histórico de atuação nesse sentido, mas não vejo como algo recente. Mesmo na gestão Carlos Lessa [primeira metade do governo Lula], mais associada à idéia de hospital, não houve nenhum socorro irresponsável para empresas.
Nesse governo, a linha é combinar boa técnica bancária com apoio ao desenvolvimento. Não é ser um banco comercial, que quer lucro máximo e risco mínimo, mas é um banco também prudente nos seus empréstimos. A carteira de empréstimos do BNDES tem classificações de risco que na soma são melhores do que a carteira média do setor privado.

Folha - Que exemplo o sr. daria dessa nova atitude do banco?
Fiocca -
O apoio ao setor de distribuição de energia, que ficou fragilizado depois da crise de 2001. O anúncio de que o BNDES criaria um programa específico e a recuperação da economia fizeram com que, de uma dezena de empresas, só uma tenha recorrido ao programa, a Light. É um sinal que ajuda a desmistificar a idéia de que o BNDES vai salvar a empresa. Quando ele entra, é exigente. As outras empresas preferiram não recorrer porque, se fizéssemos uma debênture, seríamos duros na negociação.

Folha - E como isso poderia ser feito no caso da Varig?
Fiocca -
O caso da Varig não é igual ao da distribuição, que foi um programa para todas as empresas de um setor em crise. A operação de financiamento para VEM e Varig Log foi mais específica. O setor de aviação não está mal, a Varig está. Agimos muito rápido e evitamos o arresto de 20 a 40 aviões. Uma empresa que está voando com 60 teria dificuldade para se recuperar. Para a Varig, não dava para emprestar, mas tinha a TAP, que queria comprar e apresentou garantias. O risco do Tesouro português é menor do que o risco Brasil.

Folha - Quais serão as áreas prioritárias do banco na sua gestão?
Fiocca -
Inovação e infra-estrutura. A inovação é prioridade ao longo de toda a cadeia, desde pesquisa e desenvolvimento até a produção e a venda de máquinas mais produtivas.

Folha - Quanto o BNDES espera desembolsar neste ano?
Fiocca -
Nossa expectativa é de crescimento de 20%. O orçamento autorizado é de R$ 60 bilhões, trabalhamos com a perspectiva de desembolsar R$ 55 bilhões.

Folha - O banco identifica um novo movimento de modernização da indústria, mas os desembolsos no primeiro trimestre caíram 28%.
Fiocca -
Estamos diante de um processo virtuoso de modernização da economia. Vejo o desembolso agregado do primeiro trimestre como um ponto fora da curva porque não há nada que permita falar em desaceleração.
As variáveis macroeconômicas também indicam uma retomada. Os juros já caíram quatro pontos percentuais, e, em termos nominais, estamos no patamar mais baixo desde o início do Real. A TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) entrou em trajetória de redução, de 9,75% para 8,15%, uma redução significativa. O ambiente internacional continua positivo. As turbulências políticas não afetaram a confiança no país, o risco Brasil e o dólar continuam baixos.

Folha - O banco criou um comitê de assuntos estratégicos. Qual é o objetivo?
Fiocca -
O BNDES pode contribuir mais para a renovação da visão sobre o posicionamento estratégico do Brasil. Como o país se posiciona depois de sair de uma situação de 30 a 40 anos de fragilidade da balança de pagamentos, dos quais 20 foram de crises com balança de pagamento, para uma situação de uma certa abundância de divisas? Esse é um contexto novo. Vamos divulgar os dados completos desse estudo e os demais setores no aniversário do banco, em junho.


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