São Paulo, terça-feira, 22 de abril de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VINICIUS TORRES FREIRE

Crise: com ou sem emoção?


Mercado festeja dados menos horríveis que o esperado e demissões. Mas desemprego é a fase lenta e longa da crise

AS PERDAS dos bancos americanos devidas à desvalorização de instrumentos financeiros complicados deixaram de ser sensacionais, embora ainda enormes. Mas continuam a aparecer nos balanços os sinais de deterioração da "vida real": pequenas empresas e indivíduos deixam de pagar dívidas.
Ontem, o Bank of America anunciou que três quartos de suas perdas com crédito foram devidas à inadimplência de cidadãos que tomaram empréstimos contra o valor de suas casas, de pequenas empresas e de empreiteiras de imóveis. O outro quarto deveu-se a baixas contábeis, o registro da desvalorização de ativos como derivativos de crédito imobiliário enrolados e empréstimos para fusões e aquisições.
Decerto o Bank of America, o segundo maior em valor e o maior do varejo nos EUA, não é um banco especializado em finanças agressivas ou bucaneiras. É conservador e apenas recentemente, no final da festa, resolveu entrar com os dois pés em negócios de banco de investimentos. É um banco mais próximo da "vida real". A pancada da inadimplência em seus livros indica a lenta deterioração da "economia real".
Prejuízos desastrosos, como o do Citigroup, mas menores que o mercado esperava, animaram as Bolsas. Não foi dado muito destaque às notícias das dezenas de milhares de demissões nos bancos. Corte de gente de certo modo anima os investidores: tapa rombo e é corte de custo, que pode ser lucro mais adiante. Emissão de ações tapa buracos também, mas dilui a participação acionária e, assim, o lucro por ação. Demissões, porém, aleijam a galinha dos ovos de ouro da economia toda.
A melhor notícia da crise americana é que as grandes empresas não chegaram ao ciclo de baixa com excesso de capacidade produtiva, com empregados demais ou endividadas. Excesso havia na construção e no financiamento imobiliários, em ruína crescente, e, claro, nos bancos. Que o mundo "emergente" esteja crescendo muito também sustenta os balanços das empresas americanas.
Mas o fato de o vírus da crise ter surgido longe das empresas não quer dizer que estas estejam imunes. Que o Fed e, agora, o Banco da Inglaterra preguem esparadrapos de centenas de bilhões de dólares no sistema financeiro não significa que os bancos estejam prontos para outra, para começar a emprestar -significa que os bancos centrais evitam uma catástrofe. Mas os bancos ainda precisam limpar a sujeira do tsunami que provocaram: livrar-se de empréstimos ruins, cortar custos, aumentar capital, vender ativos, encontrar novos negócios lucrativos.
Agora, é ver como essa epidemia lenta de crédito mais escasso e de desemprego vai se difundir. É ver qual será, se algum, o efeito do brutal corte de juros e do pacote de corte de impostos nos EUA, que talvez apareça a partir de meados do ano.
Apesar de divergências ainda enormes de diagnóstico, na visão de economistas mais sensatos e prudentes a crise entra num estágio que não seria tão sensacional e midiático como o dos mergulhos das Bolsas (que não estão descartados, aliás), mas de taxas de emprego mais altas mês a mês, de consumo e investimento progressivamente menores.
Pode ser o estágio mais perigoso para os "emergentes". Nós inclusive.

vinit@uol.com.br


Texto Anterior: Emergente bate EUA em consumo de petróleo
Próximo Texto: Movimentos sociais também criticam álcool
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.