São Paulo, quinta-feira, 22 de maio de 2008

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Fundo Soberano do Brasil


A explicação mais plausível para a reação ao fundo é que sua criação redistribuirá poder e atribuições no governo

HOJE, QUERO falar um pouco sobre o fundo soberano que será criado pelo governo. Como o projeto completo ainda não veio a público, é cedo para uma avaliação definitiva. Isso não impediu, entretanto, que muitos economistas e jornalistas fizessem críticas severas e às vezes raivosas. Até um certo Napoleão de hospício, ex-presidente do Banco Central, que andava bastante recolhido, escapou do asilo para reviver as glórias de Austerlitz. E atracou-se furiosamente com o "cofrinho" do ministro da Fazenda.
Esse é um problema recorrente do debate econômico brasileiro: a adjetivação, não raro pesada, substitui a análise e a argumentação. Pode ser mais divertido, mas não acrescenta grande coisa.
Repare, leitor, a origem das críticas ao fundo soberano. Elas vêm quase sempre do mercado, isto é, de economistas de banco, financistas, ex-diretores do Banco Central e jornalistas ligados a esse meio. É a turma da bufunfa, em suma.
O leitor talvez conheça a minha implicância com essa turma. São os donos não só do dinheiro mas da Verdade, com v maiúsculo mesmo. Estão representados em todos os cantos: nos governos, nas empresas, nas universidades, nas famílias e nos lares mais recônditos. É dose.
Os assuntos mais delicados e controvertidos são tratados de forma dogmática e unilateral. Qualquer objeção é descartada liminarmente como "populismo" ou "desconhecimento das leis da economia".
O fundo soberano está sendo vitimado por esse tipo de abordagem. Longe de mim desprezar todas as preocupações levantadas por críticos do projeto. Diversas são válidas e devem ser consideradas no desenho final do Fundo. Mas a carga de preconceito é evidente.
Por que o preconceito? Uma possível razão, provavelmente secundária: o adjetivo "soberano". A turma da bufunfa tem ojeriza à noção de soberania nacional. Marx e Engels escreveram, no Manifesto do Partido Comunista de 1848, que "os trabalhadores não têm pátria". Mas os trabalhadores até que têm pátria. A história posterior parece ter desmentido a suposição do Manifesto. Quem não tem pátria é o dinheiro. Os bufunfeiros são essencialmente cosmopolitas, no pior sentido do termo.
Mas estou perdendo um pouco o fio da meada. A explicação mais plausível para a reação ao fundo soberano é outra: a sua criação redistribuirá poder e atribuições dentro do governo. Ocorrerá um certo esvaziamento do Banco Central em benefício do Ministério da Fazenda e do BNDES. O fundo será administrado pelo Tesouro Nacional, uma secretaria do Ministério da Fazenda. Na prática, o Tesouro passará a compartilhar a autoridade cambial com o Banco Central.
A julgar pelas informações publicadas, o fundo tem como um dos seus objetivos contribuir para a absorção do excedente de moeda estrangeira. Evidentemente, a atuação do Tesouro no mercado cambial terá que ser coordenada com o BC. Esse tipo de arranjo é perfeitamente possível e existe em outros países. Nos EUA, por exemplo, o Federal Reserve e a Secretaria do Tesouro compartilham a autoridade cambial e trabalham de forma coordenada. Uma forma de facilitar e institucionalizar essa coordenação seria incluir no Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) um representante do Ministério da Fazenda e designar para o conselho do fundo soberano um representante do Banco Central. Um dos secretários da Fazenda e um dos diretores do Banco Central poderiam exercer essas funções "ex officio".
A turma da bufunfa daria "arrancos triunfais de cachorro atropelado".


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 53, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

pnbjr@attglobal.net


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