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LUÍS NASSIF
O cantor das mil vozes
No multishow , assisto a
um show de Edson Cordeiro,
de 1995, parece que em Paris.
Canta um repertório amplo, que
vai de músicas líricas a Janis Joplin, de Belmonte a Assis Valente.
Nem sei por onde anda, se fazendo carreira internacional ou
perdido por aí. Em sua carreira,
enfrentou série de preconceitos.
Dizia-se que fazia firulas demais
na voz privilegiada; escolhia repertórios apelativos, rebolava demais, sei-lá-o-que-mais se dizia
do artista.
Não ouvi seu último CD, mas
dizem que é dance de qualidade
duvidosa. Passo o que ouvi, sem
assinar em baixo porque ousaria
dizer, sem medo de forçar a barra,
que é dos maiores intérpretes da
história.
Nem se fale de sua voz, ou, melhor, de suas diversas vozes, da
voz de criança à voz de ogro, da
voz infantil à voz de baixo. Aí se
trata de um fenômeno sem paralelo, mas que poderia se constituir
apenas em objeto de curiosidade,
transformando-o em um imitador, ou mero personagem do
"show bizz", não houvesse por
trás da voz o intérprete.
O talento a que me refiro é o do
intérprete, a capacidade de incorporar qualquer música em seu repertório e o tratamento dado, a
interpretação, a pulsação da voz,
o crescendo que faz o corpo frágil
tomar conta do palco e a voz se
transmutar ao longo da música. E
a presença de palco, o corpo miúdo que vai se contorcendo com os
pés presos ao chão e depois se projeta sobre o público, montado exclusivamente em cima da voz, carisma que só havia testemunhado
em Elis Regina.
Anos atrás assisti-o em um
show em São Paulo com canções
de um CD em que interpretava do
samba-enredo "Bidu Sayão e o
Canto de Cristal" a Jackson do
Pandeiro. Sou fã incondicional de
Jackson, dos maiores cantores de
sincopado da história. Mas,
quando coloquei o CD no aparelho e se chegou à faixa de Jackson,
a do "toureiro", o balanço imprimido por Edson suplantava a
própria gravação original. No
palco, o sincopado era garantido
apenas pela pulsação da voz, uma
maneira de vibrar a garganta que
transformava as frases no fole de
uma sanfona.
Agora, na TV, o "Saudades da
Minha Terra", de Belmonte, começa com o rasqueado convencional. A voz vai crescendo e conduzindo o ritmo dos músicos que
o acompanham, todos de qualidade irrepreensível, terminando
em um crescendo em que a voz,
de início delicada, termina como
se no palco houvesse um tenor de
120 quilos. Depois, envereda por
um rock de Janis Joplin, mesclando a voz de criança com a voz metálica de Janis.
Edson nasceu em Santo André,
em 1967. Filho de mecânico e de
bordadeira, começou a carreira
cantando em coro de igreja evangélica. Depois, passou a cantar na
rua, na mesma Barão de Itapetininga que, anos depois, revelaria
um gênio que não se realizou, o
menino Charles da Flauta.
Fez musical, teatro, e de 1993 a
1996 lançou três CDs pela Sony,
entre os quais o clássico em que
interpretava o samba-enredo da
Beija-Flor em homenagem a Bidu
Sayão, "Ave Maria" (Vicente Paiva e Jaime Redondo), homenageando Dalva de Oliveira, e a
música de Jackson do Pandeiro.
Passou algum tempo fora, em turnês por países da Europa. Nesse
tempo todo, a qualidade impecável dos arranjos foi garantida por
uma parceria com o maestro Miguel Briamonte.
A qualidade musical dos arranjos e do intérprete autorizou-o a
mesclar uma enorme gama de estilos, da música lírica ao xaxado,
do rock à música sertaneja, imprimindo sempre a mesma qualidade de voz e interpretação.
Por não se ater a movimentos, a
grupos, ao que se convencionou
chamar de bom-tom musical, é
possível que leve tempo para o devido reconhecimento. Desde que
o assisti naquele palco do Tom
Brasil, Edson Cordeiro entrou no
meu universo sonoro como um
dos maiores intérpretes que jamais ouvi.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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