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São Paulo, domingo, 22 de junho de 2003

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LUÍS NASSIF

O cantor das mil vozes

No multishow , assisto a um show de Edson Cordeiro, de 1995, parece que em Paris. Canta um repertório amplo, que vai de músicas líricas a Janis Joplin, de Belmonte a Assis Valente.
Nem sei por onde anda, se fazendo carreira internacional ou perdido por aí. Em sua carreira, enfrentou série de preconceitos. Dizia-se que fazia firulas demais na voz privilegiada; escolhia repertórios apelativos, rebolava demais, sei-lá-o-que-mais se dizia do artista.
Não ouvi seu último CD, mas dizem que é dance de qualidade duvidosa. Passo o que ouvi, sem assinar em baixo porque ousaria dizer, sem medo de forçar a barra, que é dos maiores intérpretes da história.
Nem se fale de sua voz, ou, melhor, de suas diversas vozes, da voz de criança à voz de ogro, da voz infantil à voz de baixo. Aí se trata de um fenômeno sem paralelo, mas que poderia se constituir apenas em objeto de curiosidade, transformando-o em um imitador, ou mero personagem do "show bizz", não houvesse por trás da voz o intérprete.
O talento a que me refiro é o do intérprete, a capacidade de incorporar qualquer música em seu repertório e o tratamento dado, a interpretação, a pulsação da voz, o crescendo que faz o corpo frágil tomar conta do palco e a voz se transmutar ao longo da música. E a presença de palco, o corpo miúdo que vai se contorcendo com os pés presos ao chão e depois se projeta sobre o público, montado exclusivamente em cima da voz, carisma que só havia testemunhado em Elis Regina.
Anos atrás assisti-o em um show em São Paulo com canções de um CD em que interpretava do samba-enredo "Bidu Sayão e o Canto de Cristal" a Jackson do Pandeiro. Sou fã incondicional de Jackson, dos maiores cantores de sincopado da história. Mas, quando coloquei o CD no aparelho e se chegou à faixa de Jackson, a do "toureiro", o balanço imprimido por Edson suplantava a própria gravação original. No palco, o sincopado era garantido apenas pela pulsação da voz, uma maneira de vibrar a garganta que transformava as frases no fole de uma sanfona.
Agora, na TV, o "Saudades da Minha Terra", de Belmonte, começa com o rasqueado convencional. A voz vai crescendo e conduzindo o ritmo dos músicos que o acompanham, todos de qualidade irrepreensível, terminando em um crescendo em que a voz, de início delicada, termina como se no palco houvesse um tenor de 120 quilos. Depois, envereda por um rock de Janis Joplin, mesclando a voz de criança com a voz metálica de Janis.
Edson nasceu em Santo André, em 1967. Filho de mecânico e de bordadeira, começou a carreira cantando em coro de igreja evangélica. Depois, passou a cantar na rua, na mesma Barão de Itapetininga que, anos depois, revelaria um gênio que não se realizou, o menino Charles da Flauta.
Fez musical, teatro, e de 1993 a 1996 lançou três CDs pela Sony, entre os quais o clássico em que interpretava o samba-enredo da Beija-Flor em homenagem a Bidu Sayão, "Ave Maria" (Vicente Paiva e Jaime Redondo), homenageando Dalva de Oliveira, e a música de Jackson do Pandeiro. Passou algum tempo fora, em turnês por países da Europa. Nesse tempo todo, a qualidade impecável dos arranjos foi garantida por uma parceria com o maestro Miguel Briamonte.
A qualidade musical dos arranjos e do intérprete autorizou-o a mesclar uma enorme gama de estilos, da música lírica ao xaxado, do rock à música sertaneja, imprimindo sempre a mesma qualidade de voz e interpretação.
Por não se ater a movimentos, a grupos, ao que se convencionou chamar de bom-tom musical, é possível que leve tempo para o devido reconhecimento. Desde que o assisti naquele palco do Tom Brasil, Edson Cordeiro entrou no meu universo sonoro como um dos maiores intérpretes que jamais ouvi.
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