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São Paulo, domingo, 22 de junho de 2003

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ARTIGO

Emergentes e falsos otimistas

DESMOND LACHMAN
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

Quando comecei a trabalhar para o Salomon Brothers como estrategista-chefe para mercados emergentes, em 1996, recebi um conselho bastante útil de um dos veteranos, se bem que cínicos, operadores do mercado de títulos. Ele me disse que, quando o vento é forte, até perus voam.
O conselho se provou sempre valioso, enquanto testemunhava de perto diversas ocasiões em que os ventos eram fortes demais para os papéis dos emergentes, todas aquelas altas induzidas pela liquidez chegando a um final infeliz devido a mudanças nas condições mundiais.
A alta atual e notavelmente forte do mercado de papéis emergentes não parece ser exceção. No entanto, o momento preciso da inevitável reversão continua a ser tema de debate, já que está intimamente relacionado ao ciclo mundial da liquidez.
Os preços dos papéis da dívida emergente passaram por dramática ascensão nos últimos seis meses. De seu ponto mais baixo, um ágio de 7,3% com relação aos bônus do Tesouro norte-americano em outubro passado, antes da eleição presidencial brasileira, o ágio sobre os títulos da dívida emergente caiu para cerca de 4,3%. Trata-se de um nível visto pela última vez no começo de 1998, poucos meses antes do colapso russo.
A notável redução aconteceu a despeito de os fundamentos dos principais mercados emergentes se terem mantido tão instáveis quanto de costume. O Brasil continua sobrecarregado com uma dívida insustentável, e sua economia não mostra sinais reais de crescimento. As economias centro-européias continuam a depender demais da debilitada economia alemã. O esforço de reforma da Turquia parece estar estagnado.
Paradoxalmente, o que vem alimentando a recuperação nos preços dos papéis da dívida emergente, pelo menos em curto prazo, é o agravamento do ambiente econômico mundial. Esse agravamento permite que as taxas mundiais de juros declinem e faz com que o dinheiro fuja aos fundos de ações e de renda fixa. Em um ambiente como esse, os administradores dos fundos de renda fixa procuram sequiosamente por rendimentos elevados, e começam a alocar montantes cada vez mais elevadas às categorias de ativos de rendimento mais alto, como os papéis de dívida emergente.
Isso coloca em movimento um ciclo de alta nos preços dos papéis de dívida emergente, que se reforça até atrair mesmo aqueles que poderiam estar céticos quanto aos fundamentos de crédito de longo prazo.
De um ponto de vista mais longo, o agravamento do ambiente econômico mundial é uma má notícia incontestável para os emergentes. A razão mais importante para isso talvez seja o fato de que um crescimento mais lento está associado a preços mais baixos para as commodities em geral.
O crescimento global mais baixo também está associado a oportunidades reduzidas de exportação dos mercados emergentes. Outra consequência negativa é que o influxo de investimento direto se estanca. Trata-se de uma tendência lastimável, porque esse tipo de investimento oferece aos mercados emergentes um fluxo mais estável de fundos do que o financiamento de curto prazo, mais efêmero.
Determinar o momento preciso da inevitável correção dos papéis da dívida emergente é um exercício complicado. Envolve ou determinar quando o ciclo de liquidez global vai partir para a contração ou descobrir quando os danos de longo prazo que a desaceleração mundial causa aos mercados emergentes superam os ganhos de curto prazo.
Mas, qualquer que venha a ser a causa, a bolha do mercado emergente certamente vai estourar. O vento decerto enfraquecerá em breve, e os perus despencarão para a terra.


Desmond Lachman é pesquisador do American Enterprise Institute


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