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OPINIÃO ECONÔMICA
Fim de mandato?
PAULO RABELLO DE CASTRO
Para muita gente boa, é o fim
mesmo. Oposicionistas "responsáveis" querem preservar o governo Lula do excesso de desgaste,
prevenindo-lhe uma ruptura antes
da eleição de 2006. Outros jogam o
destino do governo nos braços do
PMDB, embora chamando o amplexo do parceiro inconstante como "abraço de urso".
Mas, por causa disso mesmo, estou otimista. O cálculo do risco de
o país desandar é bem distinto,
quando se trata da gangorra entre
economia e política no Brasil. É
um pouco como nossas seleções de
futebol costumam reagir ao tomar
o primeiro gol numa partida decisiva: isso acende uma reação nos
jogadores, como se desculpados estivessem da carga emocional exagerada e da exigência de perfeição
posta sob seus ombros. Humanizados e piorados, nivelados pelo gol
do adversário, os craques crescem
em campo e conseguem virar o jogo. Para toda regra há exceção:
tem o abúlico time de Parreira como contra-exemplo.
Mas o governo Lula ainda tem time para correr o resto do jogo. Não
me refiro a nomes, mas a novas
idéias e ao momento político. A crise é grande o suficiente para embalar no governante reação construtiva. Lula sabe, ou ao menos desconfia, que seu governo, com marca própria, ainda nem começou.
Nestes dois anos, muito contrariando suas bases petistas, o Lula
da economia privilegiou o rentismo (como é chamada a renda dos
altos juros pagos aos aplicadores financeiros) à custa da produção e
do investimento. Lula adotou o
modelo financista do governo anterior e agravou-o, sob o aplauso
suspeito do mercado financeiro e
parte da mídia, que costuma confundir a política neoconservadora
como uma fórmula ortodoxa e sem
defeitos. Os juros altos vêm derrubando a economia produtiva.
Aliás, desde muito antes da atual
crise política.
A reversão do ritmo do investimento para o território negativo já
era um fato anterior a qualquer
crise dos Correios ou de "mensalão". A estagnação da agricultura e
da atividade urbana doméstica,
notadamente da construção civil,
já aponta, há bastante tempo, uma
barreira ao crescimento, incubada
em decorrência da mistura inadequada das atuais políticas monetária, fiscal e cambial. Prova disso
é a recente edição da "MP do
Bem", um pequeno conjunto de
providências para induzir o empresário a recomprar a idéia de investir, cujo custo permanece por
demais elevado no nosso país. A
MP já estava pronta no espocar da
crise política. Apenas acelerou-se o
seu anúncio.
Por enquanto, o governo parece
estar correndo atrás do prejuízo.
Mas não deveria agir por culpa, e
sim por inteligência. Lula ainda
tem capital político suficiente para
anunciar uma efetiva "Agenda de
Transformação". Deveria tê-lo feito desde o primeiro dia; mas preferiu seguir um caminho de anúncios pontuais, como o Fome Zero, o
Primeiro Emprego e o próprio "Espetáculo do Crescimento".
Cumpre agora mostrar que existe, ou passou a existir, um plano de
ação, uma agenda articulada, contendo metas e meios, e confrontar
sua base de apoio, dentro e fora do
próprio PT, com tal conjunto de
providências que, sendo "palatável
aos mercados", tire a economia da
rota de desaceleração e estancamento, aperfeiçoe o regime monetário do real (um padrão, de fato,
de estabilidade) e comprometa o
Congresso com um Orçamento
verdadeiramente equilibrado, mediante a fixação de uma meta para
o déficit fiscal nominal, há longo
tempo defendida nesta coluna.
Estaria o PMDB simpático ou refratário a uma "Agenda de Transformação"? Diante do seu anúncio
pelo presidente -de modo incisivo, verossímil, corajoso- , muito
arriscado seria para os partidos da
base saltar ao mar. O que há de novo nessa proposição? Seria o resgate da ética na economia, tanto
quanto o eleitor espera que se resgate um pouco da ética nas práticas políticas. Ética na economia
não é apenas cortar gastos supérfluos, mas adotar um compromisso
com a renda e o emprego, com os
que trabalham e empreendem diariamente. O que existe de diferente
entre o Brasil e a China, onde, nesta última, a elevação do nível de
investimento em 2005 tem sido de
26% sobre o ano anterior, empurrando a máquina chinesa ao nível
de superpotência? A diferença é
que o chinês trabalha pelo pleno
emprego dos seus fatores de produção, enquanto aqui adotamos as
metas (implausíveis) de inflação
como alvo e rumo exclusivo da
nossa política econômica.
No longo prazo, o desvio na ética
econômica pode ser mais deletério
a Lula do que algum deslize, mesmo sério e relevante, de alguém
próximo a si, no campo político.
O fim do mandato de Lula só ele
mesmo pode decretar. A aferição
do seu efetivo desempenho está
apenas começando. O segundo
tempo de um jogo é sempre o decisivo. Nele é que se conhecerão melhor os recursos táticos e físicos do
time do governo.
Paulo Rabello de Castro, 56, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também o conselho da consultoria GRC Visão. Escreve
às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail -
rabellodecastro@uol.com.br
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