São Paulo, domingo, 22 de julho de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DINHEIRO CURTO
Crédito para emergentes escasseia diante da crise argentina, e instituições não renovam financiamentos

Estrangeiro fecha os cofres para o Brasil

LEONARDO SOUZA
JOSÉLIA AGUIAR
ADRIANA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Os investidores estrangeiros fecharam as portas para papéis de companhias e bancos brasileiros. Diante das incertezas criadas pela crise da Argentina, o crédito para os mercados emergentes praticamente se esgotou na praça internacional.
Três bancos confirmaram à Folha que vão quitar títulos que vencem nos próximos dias no lugar de renová-los. Entre essas operações está uma de US$ 250 milhões da Eletropaulo Metropolitana. "O mercado está parado por causa dos problemas na Argentina. Por isso, decidimos suspender a renovação do financiamento", disse Fábio Solferini, do Standard Bank, instituição que coordenava a operação para a companhia.
"Diante de uma crise desse tamanho, o mais indicado é esperar", completou Solferini.
A alta do dólar tem saído caro para as empresas. Estudo da Economática revela que, com a desvalorização do real, as dívidas dos grupos de capital aberto (com ações em Bolsa) no país pularam de R$ 172,1 bilhões em 31 de março, para R$ 195 bilhões hoje -um aumento de R$ 22,9 bilhões.
Em períodos de crise, o mercado internacional de títulos corporativos é o primeiro a cortar o crédito para economias emergentes. O medo dos investidores de não receber o crédito concedido aumenta. Assim, ou cobram taxas proibitivas para compensar o maior risco que acreditam haver nesse tipo de operação ou preferem não emprestar.
O banco West LB não vai renovar um empréstimo de US$ 75 milhões que vence no próximo dia 25. "O maior problema não é nem o preço mais alto. Mas sim porque o investidor não quer comprar esse tipo de papel agora. O mercado realmente fechou", afirmou Carlos Alberto Torres, diretor do West LB.
Segundo ele, uma semana atrás seria quase impossível emitir papéis no exterior. "Hoje (sexta-feira) a situação está mais calma. Mas o investidor não vai comprar títulos porque em um dia as condições estarão melhores. Quando o mercado está muito volátil, ele se retrai", disse Torres.
O BankBoston preferiu quitar um título de US$ 50 milhões que vence em agosto. "Vamos pagar porque não precisamos desse dinheiro agora", disse Sérgio Gabrielli, diretor da instituição.

Via alternativa
Alguns bancos e empresas ligados a grandes grupos têm conseguido driblar a escassez de crédito por meio dos chamados empréstimos sindicalizados. Instituições financeiras se unem -para reduzir os riscos- e emprestam diretamente para o cliente, no lugar de intermediar a transação entre o investidor e o tomador. Mesmo assim, esse tipo de operação está cada vez mais raro.
"Eu achava que a operação iria desandar porque a situação no mercado internacional está muito difícil. Mas felizmente conseguimos tomar 100% do crédito que pretendíamos", disse Milton Eggers, do banco Votorantim.
Na sexta-feira, o banco Votorantim concluiu um empréstimo sindicalizado de um ano, no valor de US$ 100 milhões.

Dívidas
Dados da Economática mostram que as 297 empresas com capital aberto no Brasil devem, a curto e longo prazos, R$ 23 bilhões a mais do que deviam no final de março. Cerca de 80% desses débitos foram contraídos no exterior, informa a Economática.
Para chegar a esse resultado, multiplicou-se o endividamento das empresas em dólar no dia 31 de março (US$ 79,6 bilhões, último número disponível no mercado) pela cotação do real na sexta-feira passada (R$ 2,45). Isso resulta numa dívida total de R$ 195,02 bilhões hoje, ou R$ 22,9 bilhões a mais do que no dia 31 de março.
O endividamento cresce se a moeda norte-americana se valoriza muito. Só neste ano, o dólar ficou 25,5% mais caro.
"Com despesas financeiras muito altas, o lucro das companhias no semestre vai evaporar", diz Fernando Exel, presidente da Economática. "O ponto positivo nisso é que os grupos só se endividaram porque precisavam investir, crescer. Até o início do Plano Real, ninguém se arriscava e o endividamento era baixíssimo", explica Einar Rivero, coordenador-técnico da Economática.
Einar lembra que o estudo foi feito com base nas dívidas em dólares no final do primeiro trimestre e, desde então, não ocorreram amortizações consideráveis, o que poderia impactar no resultado final do estudo. "Tivemos um cenário sem liquidações de dívidas", diz Angelo Vasconcelos, diretor de câmbio do Unibanco.
Na verdade, o que aconteceu foi o oposto disso. As empresas desistiram de batalhar por novos empréstimos devido às dificuldades no mercado internacional.


Texto Anterior: Il Giornale
Próximo Texto: Mercados e serviços: Agroindústria pagará mais à Previdência
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.