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ENTREVISTA
Para professor da Universidade da Califórnia, novos desembolsos depois de dezembro teriam pouco efeito imediato
FMI não irá liberar recursos, diz economista
MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Para o economista e cientista
político norte-americano Barry
Eichengreen, é improvável que o
FMI (Fundo Monetário Internacional) libere recursos para ajudar
a conter o contágio da crise argentina nos demais países emergentes, como o Brasil.
Eichengreen, hoje professor da
Universidade da Califórnia, já foi
consultor-sênior do Fundo e faz
pesquisas sobre temas relacionados ao sistema financeiro internacional desde a década de 70. Um
dos mais respeitados pesquisadores na área, escreveu "A globalização do capital", livro de história
que se tornou obrigatório para
quem quer entender como funcionava e como funciona o sistema monetário internacional.
Para o professor da Universidade da Califórnia, o maior problema da Argentina é a incapacidade
do país de retomar o crescimento
econômico. Taxas de crescimento
mais elevadas afastariam o receio
dos investidores de que a economia argentina não seria capaz de
lidar com seus déficits fiscais.
Eichengreen diz que o impacto
de uma moratória no país vizinho
no Brasil dependerá muito de como os políticos argentinos encararão a crise. Se dela surgirem
propostas políticas para fazer reformas que levem ao crescimento,
o Brasil sofrerá menos.
Mesmo sem acreditar que o
Brasil escape do contágio causado
pela crise argentina, Eichengreen
diz que os impactos não seriam
tão fortes no Brasil e no México,
países que os investidores conhecem com mais detalhes e que têm
políticas mais sólidas e estáveis,
segundo o economista, que outros mercados emergentes.
Os investidores, diz o professor,
ainda têm o hábito de "colocar todos os países emergentes no mesmo saco", mas hoje isso acontece
menos frequentemente do que há
quatro anos, quando ocorreu a
crise asiática.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista que o professor
Barry Eichengreen concedeu à
Folha na semana passada:
Folha - O economista Paul Krugman escreveu recentemente que os
fundamentos da economia argentina não são diferentes dos fundamentos da economia dos Estados
Unidos no governo George Bush
(pai do atual presidente). Por que
os investidores são mais severos
com a Argentina?
Barry Eichengreen - O problema
básico da Argentina é sua incapacidade de crescer. Quando o professor Krugman disse que os fundamentos da economia argentina
não eram piores -e eles talvez
fossem até melhores do que os do
EUA durante a administração de
"Bush 1"- ele estava se referindo
aos fundamentos fiscais. O déficit
argentino não é grande se comparado com aquele herdado pela administração Clinton. Ele é, inclusive, substancialmente menor.
Então, por que os investidores
deveriam chorar pela Argentina?
Porque mesmo um débito modesto pode ser insustentável se a
economia não consegue crescer. É
importante olhar, nesse caso, a relação entre a taxa de juros e a taxa
de crescimento. No caso da Argentina, a primeira é muito alta e a
segunda muito pequena.
A Argentina praticamente não
cresceu nos últimos quatro anos.
Isso significa que os custos do serviço da dívida não estão declinando com o tempo. Os EUA tiveram
grandes déficits orçamentários e
um considerável volume de débitos no início dos anos 90, mas a
economia norte-americana também mostrou uma admirável capacidade para crescer, como nós
descobrimos nos anos da "nova
economia". Esse crescimento
ameniza os problemas fiscais. Na
Argentina é diferente e, por essa
razão, os mercados estão certos
em se preocupar com a situação
do país.
Folha - Que tipo de contágio os
problemas argentinos poderão
causar?
Eichengreen - O contágio já está
ocorrendo. Ele já está sendo sentido por toda América Latina, não
apenas no Brasil. Eventos como
os que têm ocorrido na Turquia e
na Argentina têm reforçado a visão que norte-americanos e europeus têm de que os títulos de mercados emergentes ainda não são
de primeira linha. Eu acredito que
essa visão é muito incondicional.
Alguns países como o México e o
Brasil obtiveram progressos substanciais e deveriam ser mais atrativos para os investidores.
Mas os mercados parecem incapazes de enxergar essas finas distinções. Eles continuam colocando os mercados emergentes no
mesmo saco.
Folha - Que países seriam mais
afetados no caso de uma moratória
da dívida argentina?
Eichengreen - Nenhum país como o Brasil, eu acredito. Os investidores já sabem que a Argentina
tem problemas sérios. Se eles chegarem à conclusão de que o governo argentino não vai conseguir arcar com seus compromissos externos, não existe razão para que isso tenha um efeito adicional no crédito para o Brasil. Eu
acredito que países como a Turquia, que são dependentes da assistência do FMI para resolver
suas crises, irão ser mais profundamente afetados se a Argentina
permitir uma moratória.
Uma moratória na Argentina
seria um sinal de que o FMI da era
de Horst Köhler e George W.
Bush realmente é menos propenso a emprestar para países em crise. Os investidores irão então descobrir que a comunidade internacional ficou mais relutante em
ajudar esses países.
Folha - Mas qual seria a gravidade de um calote argentino para o
Brasil?
Eichengreen - Isso irá depender
muito do que a Argentina fará depois. Se a moratória for outra desculpa para recriminações mútuas
entre os políticos, com todos procurando culpar um ao outro pela
incapacidade de impedir a última
tragédia, então o Brasil irá sofrer
por ter em sua vizinhança um país
com essas disfunções políticas.
Mas os argentinos podem encarar essa crise como uma oportunidade para finalmente apoiar as
reformas políticas para reestruturar o setor público, tornar o clima
para o investimento mais atrativo
e criar um mercado de trabalho
mais flexível. Essas reformas ajudariam o país a voltar a crescer.
Em outras palavras, se a Argentina conseguir tirar lições construtivas da crise, esse cenário poderia ter um impacto positivo para o Brasil. Mas eu não apostaria
meu dinheiro nesse cenário positivo, pelo menos não ainda.
Os políticos argentinos continuam mostrando uma surpreendente incapacidade para trabalhar juntos, mesmo que seja por
eles mesmos.
Folha - Para o sistema financeiro
internacional uma moratória na
Argentina poderia causar uma crise tão grave quanto a crise dos países asiáticos?
Eichengreen - Eu duvido que nós
veremos um processo de contágio
como aquele que afetou a Ásia em
1997. As políticas econômicas são
mais fortes hoje em países como o
México do que eram em países
como a Coréia em 1997, quando
ela foi afetada pela "gripe asiática"
que acabou infectando toda a
Ásia. A transparência também foi
aprimorada. A comunicação entre governos e os mercados financeiros melhorou: investidores sabem, como resultado da contínua
comunicação entre os governos
mexicano e brasileiro, o que eles
têm em mente. Os investidores
não confundirão esses países com
a Argentina da mesma maneira
que o fizeram com os países asiáticos durante a crise de 1997-98.
O sistema financeiro internacional é menos vulnerável hoje do
que naquela época. Os empréstimos internacionais dos bancos
são menores. Os fundos de "hedge" estão menos expostos. Mais
taxas de câmbio estão flutuando
-existem poucos regimes de
câmbio fixo frágeis e insustentáveis. O contágio ainda é algo sobre
o qual nós precisamos nos preocupar, mas as mudanças que
ocorreram desde 1998 têm feito o
sistema internacional pelo menos
marginalmente mais estável.
Folha - No Brasil, alguns economistas já falam de um novo acordo
com o FMI. O Fundo poderá ajudar
o Brasil a lidar com uma derrocada
da Argentina?
Eichengreen - Estas são precisamente as circunstâncias em que o
FMI poderia prover mais assistência para ajudar economias
comprovadamente mais sólidas,
como o Brasil e o México. Mas eu
ainda acredito que o FMI poderá
fazer pouco por esses países sob
os atuais arranjos institucionais.
Existe um programa com o Brasil
que vai até dezembro, e este horizonte de curto prazo deixa pouco
espaço para conseguir mais desembolsos do FMI. Aumentar o
pacote já existente seria difícil e levaria tempo. Prometer novos desembolsos depois de dezembro
tem pouco efeito imediato.
Existe uma Linha de Crédito de
Contingência (LCC), que foi desenhada para prover fundos adicionais para países com bons fundamentos e políticas fortes. Mas nenhum país se arriscaria a ser o primeiro a sujeitar-se a uma LCC por
causa do medo de que os mercados interpretem isso como um
mau sinal. Fazer isso só iria causar
uma corrida nos mercados.
Infelizmente, tempos de turbulência como estes são os piores
possíveis para que um país tente
uma LCC. Eu espero que o Fundo
esteja trabalhando nos bastidores
para que um grupo de países peça
a linha ao mesmo tempo. Dessa
maneira, nenhum ficaria estigmatizado. Isso é o que deveria estar
sendo feito. Talvez os EUA pudessem solicitar uma LCC.
Folha - Muitos analistas norte-americanos, entre eles Allan Meltzer, que é conselheiro do presidente Bush, acreditam que o FMI não
deve socorrer países em crise e que
deveria deixar os credores lidarem
com seus prejuízos...
Eichengreen - Eu me preocupo
com esse tipo de posição porque
eu continuo achando que as repercussões de uma moratória podem ser mais severas do que o
professor Meltzer e a administração Bush prevêem. Mas eu acho
que essa crise pode ser a ocasião
em que nós veremos essa nova
política ser posta em prática. Nas
últimas semanas, membros do
governo norte-americano afirmaram que o problema de contágio
pode estar sendo exagerado. Isso
é um sinal claro de que o Fundo e
o governo dos EUA estão relutantes em prover mais assistência financeira para a Argentina.
Portanto, eu acredito que existe
a possibilidade de o FMI e o governo norte-americano usarem a
Argentina para fazer um teste:
eles irão ficar longe e deixar que as
coisas tomem seu curso.
Folha - Os fluxos de capital para
os países emergentes nos últimos
dois anos foram menores do que os
registrados em 1996. Os países enfrentam também a grande volatilidade desses fluxos. Como eles podem lidar com essa tendência?
Eichengreen - No curto prazo, eu
não acredito que os países emergentes possam fazer algo que já
não esteja sendo feito: seguir políticas econômicas sólidas e estáveis e tentar sobreviver às crises.
Soluções radicais como a dolarização e os controles de capitais
não atraem a maioria dos países.
E por boas razões.
O melhor meio de superar essas
crises é construir instituições sólidas. Isso significa que um país deve ter instituições políticas capazes de fazer escolhas difíceis
quando choques ocorrem. Significa também que ele deve ter instituições que permitam controlar
os orçamentos e bancos centrais
verdadeiramente independentes.
Infelizmente, construir essas
instituições leva tempo. O problema dos países da América Latina
é que eles se movem de crise em
crise tentando resolver os problemas imediatos. Isso deixa pouco
tempo para investir na criação
dessas instituições. Mas eu acredito que nós finalmente começamos a ter progressos nesse front
nos últimos anos.
Folha - Em um de seus livros, o sr.
diz que os investidores estavam
um pouco nervosos no início do governo Kennedy, em 1961. O mesmo
aconteceu antes do início do governo socialista francês nos anos 30,
quando ocorreram ataques especulativos na França. O sr. acredita
que o Brasil pode escapar desse tipo de turbulência se a oposição ganhar as eleições de 2002?
Eichengreen - O tema daquele livro é que a incerteza política, que
é inevitável em uma democracia,
torna mais difícil adotar uma política de defesa de câmbio fixo.
Quando um evento político não
esperado ocorre, os mercados podem se assustar, forçando o Banco Central a apostar todas as suas
reservas contra o mercado. Se o
BC perde esta aposta, o colapso
do câmbio e a dramática queda
do valor da moeda são um choque desestabilizador. É por isso
que nós sempre vemos eleições
associadas a crises monetárias e
recessões pós-eleitorais.
Não existe maneira de o Brasil
evitar nervosismo nos mercados
no cenário que você descreve. O
grau do nervosismo irá depender,
claro, do quanto o novo governo
for radical e favorável a políticas
inflacionárias. Mas, comparado
com os casos que você menciona,
o Brasil tem a vantagem de já ter o
câmbio flutuante.
Se a probabilidade de um partido de esquerda ganhar cresce, a
moeda irá se ajustar antes das
eleições se as pessoas avaliarem
que políticas inflacionárias serão
adotadas. Isso também significa
que não existe razão para que a
moeda tenha quedas bruscas repentinamente quando os resultados da eleição forem divulgados.
Como o câmbio é flexível, o BC
não terá que gastar todos os seus
recursos numa tentativa fútil de
defender a moeda. Uma vitória da
esquerda pode significar uma
moeda mais fraca, mas isso não
necessariamente criará uma crise.
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