São Paulo, quinta-feira, 22 de setembro de 2005

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MEMÓRIA

Advogado, morto aos 88, modernizou o exercício da profissão no país e montou um dos maiores escritórios brasileiros

Morre Pinheiro Neto, pioneiro da advocacia

Marisa Cauduro - 3.out.02/Valor
Pinheiro Neto, formado na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco em 1938, em foto de 2002


BRUNO LIMA
FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Sinônimo de escritório de advocacia, José Martins Pinheiro Neto, que fundou em 1942 o Pinheiro Neto Advogados, morreu ontem às 7h em São Paulo aos 88 anos, vítima de broncopneumonia e insuficiência em múltiplos órgãos.
Ele estava internado desde 15 de julho no hospital Sírio-Libanês. O corpo foi velado no próprio hospital e, no final da tarde, cremado no cemitério de Vila Alpina.
Conhecido pelo padrão exigente, Pinheiro Neto construiu um escritório que se transformou no item mais desejado para o currículo de um advogado no país.
Com Pinheiro Neto, o escritório de advocacia se transformou em empresa. Foi ele quem introduziu no Brasil os padrões das sociedades de advogados norte-americanas, com foco na satisfação do cliente. Os meios para alcançar esse objetivo eram a disciplina e a formação de boas equipes.
Depois de trabalhar no escritório do pai nos anos 1930, montou aos 25 anos seu próprio escritório. Além dele, eram apenas um colega, uma secretária e um office-boy. Hoje, 63 anos depois, atuando em mais de 20 mil processos na Justiça, o time tem 1.100 colaboradores -entre eles, 62 sócios, 238 advogados, 191 estagiários e 144 paralegais (dedicados a serviços complementares).
Pioneiro, o advogado inovou nas práticas de atendimento e na formação da clientela: criou a cobrança de honorários por hora. Já nos anos 1940, inverteu os padrões na relação advogado-cliente, e os clientes é que passaram a procurar o escritório, substituindo o atendimento paroquial. E os advogados é que decidiriam como seria a defesa das causas.
"Pinheiro Neto era um exemplo, um padrão, um paradigma. Ele deu, pela sua visão e capacidade de trabalho, uma nova dimensão ao conceito de escritório de advocacia, com um trabalho de cooperação e parceria, antecipando, em muitas décadas, as necessidades de um mundo globalizado", disse o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos.
"A advocacia brasileira está enlutada, morreu um de seus ícones", afirmou, em nota, o presidente da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), Luiz Flávio D'Urso. Para ele, Pinheiro Neto deixou um legado a ser seguido por todo advogado brasileiro.
"Sempre competimos de forma leal e honesta, embora tivéssemos atuado muitas vezes de lados opostos. Isso só fez crescer nossa admiração por ele", declarou Rogério Lessa, diretor-geral do escritório Demarest e Almeida Advogados, que divide com o Pinheiro Neto os rankings de maior escritório de advocacia do país.
"Podem surgir escritórios muito maiores do que o Pinheiro Neto, mas não importa. Assim como o Empire State Building será para sempre o símbolo dos arranha-céus, o escritório dele será o símbolo permanente da modernização da advocacia brasileira", disse o advogado Sergio Bermudes.
"Antes os advogados trabalhavam em casa, não era uma coisa organizada", lembrou José Diogo Bastos Neto, presidente da Associação dos Advogados de São Paulo. "Muitos dos grandes escritórios foram criados por profissionais vindos daquela banca."
A Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, da USP (Universidade de São Paulo), divulgou nota lamentando a morte do ex-aluno, graduado em 1938.
"Pinheiro é uma referência, um símbolo. Era um homem previdente e racional, planejou sua sucessão há dez anos", contou o sócio Celso Cintra Mori, 60, no escritório desde 1972.
Acostumado a acordar às 3h, Pinheiro Neto chegava ao trabalho às 5h. Há cerca de cinco anos deixou de ir ao escritório.
Antes de atuar como advogado, fugiu de casa e foi ser comentarista da rádio BBC em Londres. Presidiu por 22 anos a Cultura Inglesa no Brasil e tornou-se Cavaleiro da Ordem do Império Britânico.
Pai de três filhos (dois deles advogados, que não trabalham no escritório), viúvo, casou-se com Rosa Helena, que foi sua secretária por mais de 20 anos.
Segundo o escritor Ignácio de Loyola Brandão, que em 2002 escreveu livro sobre o escritório e seu fundador, Pinheiro Neto era "ousado" e "rígido". Ele cita a "lenda" de que Pinheiro Neto passava algodão no rosto dos advogados. "Se ficasse um pelinho, ele mandava fazer a barba."


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