|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MEMÓRIA
Advogado, morto aos 88, modernizou o exercício da profissão no país e montou um dos maiores escritórios brasileiros
Morre Pinheiro Neto, pioneiro da advocacia
Marisa Cauduro - 3.out.02/Valor
|
Pinheiro Neto, formado na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco em 1938, em foto de 2002 |
BRUNO LIMA
FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Sinônimo de escritório de advocacia, José Martins Pinheiro Neto,
que fundou em 1942 o Pinheiro
Neto Advogados, morreu ontem
às 7h em São Paulo aos 88 anos,
vítima de broncopneumonia e insuficiência em múltiplos órgãos.
Ele estava internado desde 15 de
julho no hospital Sírio-Libanês. O
corpo foi velado no próprio hospital e, no final da tarde, cremado
no cemitério de Vila Alpina.
Conhecido pelo padrão exigente, Pinheiro Neto construiu um
escritório que se transformou no
item mais desejado para o currículo de um advogado no país.
Com Pinheiro Neto, o escritório
de advocacia se transformou em
empresa. Foi ele quem introduziu
no Brasil os padrões das sociedades de advogados norte-americanas, com foco na satisfação do
cliente. Os meios para alcançar esse objetivo eram a disciplina e a
formação de boas equipes.
Depois de trabalhar no escritório do pai nos anos 1930, montou
aos 25 anos seu próprio escritório.
Além dele, eram apenas um colega, uma secretária e um office-boy. Hoje, 63 anos depois, atuando em mais de 20 mil processos
na Justiça, o time tem 1.100 colaboradores -entre eles, 62 sócios,
238 advogados, 191 estagiários e
144 paralegais (dedicados a serviços complementares).
Pioneiro, o advogado inovou
nas práticas de atendimento e na
formação da clientela: criou a cobrança de honorários por hora. Já
nos anos 1940, inverteu os padrões na relação advogado-cliente, e os clientes é que passaram a
procurar o escritório, substituindo o atendimento paroquial. E os
advogados é que decidiriam como seria a defesa das causas.
"Pinheiro Neto era um exemplo, um padrão, um paradigma.
Ele deu, pela sua visão e capacidade de trabalho, uma nova dimensão ao conceito de escritório de
advocacia, com um trabalho de
cooperação e parceria, antecipando, em muitas décadas, as necessidades de um mundo globalizado", disse o ministro da Justiça,
Márcio Thomaz Bastos.
"A advocacia brasileira está
enlutada, morreu um de seus ícones", afirmou, em nota, o presidente da OAB-SP (Ordem dos
Advogados do Brasil), Luiz Flávio
D'Urso. Para ele, Pinheiro Neto
deixou um legado a ser seguido
por todo advogado brasileiro.
"Sempre competimos de forma
leal e honesta, embora tivéssemos
atuado muitas vezes de lados
opostos. Isso só fez crescer nossa
admiração por ele", declarou Rogério Lessa, diretor-geral do escritório Demarest e Almeida Advogados, que divide com o Pinheiro
Neto os rankings de maior escritório de advocacia do país.
"Podem surgir escritórios muito maiores do que o Pinheiro Neto, mas não importa. Assim como
o Empire State Building será para
sempre o símbolo dos arranha-céus, o escritório dele será o símbolo permanente da modernização da advocacia brasileira", disse
o advogado Sergio Bermudes.
"Antes os advogados trabalhavam em casa, não era uma coisa
organizada", lembrou José Diogo
Bastos Neto, presidente da Associação dos Advogados de São
Paulo. "Muitos dos grandes escritórios foram criados por profissionais vindos daquela banca."
A Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, da USP
(Universidade de São Paulo), divulgou nota lamentando a morte
do ex-aluno, graduado em 1938.
"Pinheiro é uma referência, um
símbolo. Era um homem previdente e racional, planejou sua sucessão há dez anos", contou o sócio Celso Cintra Mori, 60, no escritório desde 1972.
Acostumado a acordar às 3h, Pinheiro Neto chegava ao trabalho
às 5h. Há cerca de cinco anos deixou de ir ao escritório.
Antes de atuar como advogado,
fugiu de casa e foi ser comentarista da rádio BBC em Londres. Presidiu por 22 anos a Cultura Inglesa no Brasil e tornou-se Cavaleiro
da Ordem do Império Britânico.
Pai de três filhos (dois deles advogados, que não trabalham no
escritório), viúvo, casou-se com
Rosa Helena, que foi sua secretária por mais de 20 anos.
Segundo o escritor Ignácio de
Loyola Brandão, que em 2002 escreveu livro sobre o escritório e
seu fundador, Pinheiro Neto era
"ousado" e "rígido". Ele cita a
"lenda" de que Pinheiro Neto passava algodão no rosto dos advogados. "Se ficasse um pelinho, ele
mandava fazer a barba."
Texto Anterior: Álcool será reajustado em 15% nas distribuidoras, dizem produtores Próximo Texto: Artigo: Escritório era "navio-escola" Índice
|