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NEGÓCIOS
Empresários do setor mantêm discrição por acreditar que exposição ameaça sucesso de empreendimentos
Mercado GLS resiste a sair do armário e investe em sigilo
LUIZA PASTOR
EDITORA-ASSISTENTE DE DINHEIRO
"O amor que não ousa dizer o
nome", eufemismo vitoriano para o homossexualismo, levou o
escritor irlandês Oscar Wilde para
a cadeia em 1895. Mas até hoje o
mercado GLS -sigla que engloba
gays, lésbicas e simpatizantes
-vive sob a máxima de que "sair
do armário", como prega a doutrina politicamente correta do
movimento, pode até aliviar a alma. Mas também pode ser uma
ameaça para os negócios.
Um bom exemplo dessa regra é
o lançamento de um empreendimento definido como "o primeiro
hotel de lazer de classe internacional voltado para o público GLS na
região da Grande São Paulo".
O projeto foi desenvolvido pela
empresa THR/Turis Internacional, braço nacional da multinacional espanhola THR, especializada no desenvolvimento de resorts.
A rigor, é até difícil falar em lançamento, uma vez que os três sócios-investidores que capitalizaram o projeto não se mostram
nem autorizam a divulgação do
endereço do lugar.
O diretor técnico da THR/Turis,
Luiz Renato Ignarra, responsável
pela elaboração do projeto, está
autorizado apenas a dizer que a
área, de 40 alqueires, fica em uma
região de mata atlântica, a aproximadamente 70 quilômetros da
capital, que já era propriedade
dos sócios. O retorno do investimento, segundo Ignarra, está previsto para, no máximo, quatro
anos a partir da inauguração,
marcada para meados do próximo ano.
Investimento escondido
"É um mercado complicado,
mesmo, temos de preservar nossas imagens de empresários para
não prejudicar nossos outros negócios", conta o sócio Álvaro, 43.
Ele só aceitou conversar com a
Folha por telefone e sob a condição de que a reportagem não revelasse seu sobrenome ou a atividade empresarial. Atividade, por
sinal, na qual são clientes alguns
dos nomes mais estrelados do PIB
nacional e do primeiro escalão do
governo federal.
Pode soar incoerente um empresário investir R$ 8 milhões em
um hotel de lazer e se sentir inseguro a ponto de não querer mostrar a cara, só porque o investimento se dirige ao mercado GLS.
Principalmente considerando-se que, segundo pesquisas feitas
na região pela THR/Turis, o universo potencial de consumidores
para o empreendimento é de, pelo
menos 90 mil pessoas, da população de 15 milhões abrangida em
um raio de 150 quilômetros em
torno do hotel.
Esse número, segundo as mesmas pesquisas, representaria o total da população da região, que,
além de incluir-se no universo
GLS, tem uma renda superior a 40
salários mínimos mensais e que
viaja pelo menos dois finais de semana por mês. Gente que, pode-se prever, não vai demorar a espalhar a novidade.
"Mas é assim que a coisa funciona, pois, se precisarmos captar dinheiro no mercado, por qualquer
eventualidade ou para ampliação
do projeto, temos de manter intocada a imagem do empreendimento", argumenta Álvaro.
Estatísticas vagas
Recolher informações precisas e
nomes de empresas e empresários que atendem às demandas
desse universo de consumidores
cada vez mais cobiçado pelos países desenvolvidos, no Brasil, é um
trabalho inglório.
Primeiro, porque ninguém sabe
ao certo quantos são e por qual
renda respondem os membros
desse mercado. Apesar dos protestos da comunidade homossexual, o IBGE não se convenceu a
incluir a opção sexual no formulário do Censo. Nem a Universidade de São Paulo, que abriga um
centro dedicado a estudos do homoerotismo, tem pesquisa sobre
o assunto.
Média internacional
O que existe como referência
para todos os trabalhos é um índice de 10%, que é adotado pela comunidade GLS a partir de projeções feitas com base em pesquisas
realizadas em outros países. À falta de levantamentos locais, aceita-se a média internacional.
Essa média indica, no caso brasileiro, um universo acima dos 17
milhões de habitantes. Pessoas
cujas decisões de consumo são tomadas individualmente ou, no
máximo, a dois.
Apesar desse aparente potencial
e de exemplos de experiências
bem-sucedidas internacionalmente, os investidores nacionais
ainda não acreditam que aplicar
recursos de olho nessa fatia do
mercado seja um bom negócio.
Os poucos projetos empresariais que invocam, no Brasil, a
bandeira do arco-íris, símbolo
mundial do movimento GLS, oscilam entre dois extremos. De um
lado, estão os pequenos estabelecimentos, ligados à moda ou à diversão noturna. Esses, em geral,
são frequentados pela fatia mais
jovem do segmento.
No extremo oposto, um punhado de empreendimentos quase
secretos, como o futuro hotel paulista, para um pequeno e selecionado grupo de eleitos bem-informados, que divulgam as novidades na base do boca-a-boca -esse, na prática, o marketing preferido da economia GLS.
Sem mala direta
Mesmo negócios já consolidados evitam o excesso de exposição. A agência de turismo Nicetur, por exemplo, é especializada
em turismo GLS e foi criada há
dois anos como uma divisão da já
existente Terrazul, que há seis
anos opera com ecoturismo e viagens de aventura.
Iolanda Cardoso de Oliveira, 51,
dona da agência, conta que resolveu criar a Nicetur ao constatar
que homossexuais eram uma parcela considerável dos grupos de
turistas que organizava.
"Mas eles não se sentiam à vontade, havia certo constrangimento no ar, e tivemos a idéia de oferecer-lhes pacotes específicos, nos
quais não precisassem se inibir."
Nestes dois anos e com apenas
dois eventos promovidos mensalmente (uma viagem e uma festa),
a Nicetur já responde por 10% do
faturamento global da agência-mãe.
"E a procura continua aumentando, com agências de outros Estados nos consultando para representar nossos produtos", explica ela.
Mas o sucesso, garante ela, depende em partes iguais da discrição e da satisfação de quem já experimentou seus serviços.
"Precisamos trabalhar com cautela. Não podemos fazer uma mala direta, por exemplo. No máximo, distribuir folhetos e cartões
em locais sabidamente frequentados por GLS ou contar com a divulgação boca-a-boca", conta.
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