São Paulo, domingo, 22 de outubro de 2000

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NEGÓCIOS
Empresários do setor mantêm discrição por acreditar que exposição ameaça sucesso de empreendimentos
Mercado GLS resiste a sair do armário e investe em sigilo

LUIZA PASTOR
EDITORA-ASSISTENTE DE DINHEIRO

"O amor que não ousa dizer o nome", eufemismo vitoriano para o homossexualismo, levou o escritor irlandês Oscar Wilde para a cadeia em 1895. Mas até hoje o mercado GLS -sigla que engloba gays, lésbicas e simpatizantes -vive sob a máxima de que "sair do armário", como prega a doutrina politicamente correta do movimento, pode até aliviar a alma. Mas também pode ser uma ameaça para os negócios.
Um bom exemplo dessa regra é o lançamento de um empreendimento definido como "o primeiro hotel de lazer de classe internacional voltado para o público GLS na região da Grande São Paulo".
O projeto foi desenvolvido pela empresa THR/Turis Internacional, braço nacional da multinacional espanhola THR, especializada no desenvolvimento de resorts.
A rigor, é até difícil falar em lançamento, uma vez que os três sócios-investidores que capitalizaram o projeto não se mostram nem autorizam a divulgação do endereço do lugar.
O diretor técnico da THR/Turis, Luiz Renato Ignarra, responsável pela elaboração do projeto, está autorizado apenas a dizer que a área, de 40 alqueires, fica em uma região de mata atlântica, a aproximadamente 70 quilômetros da capital, que já era propriedade dos sócios. O retorno do investimento, segundo Ignarra, está previsto para, no máximo, quatro anos a partir da inauguração, marcada para meados do próximo ano.

Investimento escondido
"É um mercado complicado, mesmo, temos de preservar nossas imagens de empresários para não prejudicar nossos outros negócios", conta o sócio Álvaro, 43. Ele só aceitou conversar com a Folha por telefone e sob a condição de que a reportagem não revelasse seu sobrenome ou a atividade empresarial. Atividade, por sinal, na qual são clientes alguns dos nomes mais estrelados do PIB nacional e do primeiro escalão do governo federal.
Pode soar incoerente um empresário investir R$ 8 milhões em um hotel de lazer e se sentir inseguro a ponto de não querer mostrar a cara, só porque o investimento se dirige ao mercado GLS.
Principalmente considerando-se que, segundo pesquisas feitas na região pela THR/Turis, o universo potencial de consumidores para o empreendimento é de, pelo menos 90 mil pessoas, da população de 15 milhões abrangida em um raio de 150 quilômetros em torno do hotel.
Esse número, segundo as mesmas pesquisas, representaria o total da população da região, que, além de incluir-se no universo GLS, tem uma renda superior a 40 salários mínimos mensais e que viaja pelo menos dois finais de semana por mês. Gente que, pode-se prever, não vai demorar a espalhar a novidade.
"Mas é assim que a coisa funciona, pois, se precisarmos captar dinheiro no mercado, por qualquer eventualidade ou para ampliação do projeto, temos de manter intocada a imagem do empreendimento", argumenta Álvaro.

Estatísticas vagas
Recolher informações precisas e nomes de empresas e empresários que atendem às demandas desse universo de consumidores cada vez mais cobiçado pelos países desenvolvidos, no Brasil, é um trabalho inglório.
Primeiro, porque ninguém sabe ao certo quantos são e por qual renda respondem os membros desse mercado. Apesar dos protestos da comunidade homossexual, o IBGE não se convenceu a incluir a opção sexual no formulário do Censo. Nem a Universidade de São Paulo, que abriga um centro dedicado a estudos do homoerotismo, tem pesquisa sobre o assunto.

Média internacional
O que existe como referência para todos os trabalhos é um índice de 10%, que é adotado pela comunidade GLS a partir de projeções feitas com base em pesquisas realizadas em outros países. À falta de levantamentos locais, aceita-se a média internacional.
Essa média indica, no caso brasileiro, um universo acima dos 17 milhões de habitantes. Pessoas cujas decisões de consumo são tomadas individualmente ou, no máximo, a dois.
Apesar desse aparente potencial e de exemplos de experiências bem-sucedidas internacionalmente, os investidores nacionais ainda não acreditam que aplicar recursos de olho nessa fatia do mercado seja um bom negócio.
Os poucos projetos empresariais que invocam, no Brasil, a bandeira do arco-íris, símbolo mundial do movimento GLS, oscilam entre dois extremos. De um lado, estão os pequenos estabelecimentos, ligados à moda ou à diversão noturna. Esses, em geral, são frequentados pela fatia mais jovem do segmento.
No extremo oposto, um punhado de empreendimentos quase secretos, como o futuro hotel paulista, para um pequeno e selecionado grupo de eleitos bem-informados, que divulgam as novidades na base do boca-a-boca -esse, na prática, o marketing preferido da economia GLS.

Sem mala direta
Mesmo negócios já consolidados evitam o excesso de exposição. A agência de turismo Nicetur, por exemplo, é especializada em turismo GLS e foi criada há dois anos como uma divisão da já existente Terrazul, que há seis anos opera com ecoturismo e viagens de aventura.
Iolanda Cardoso de Oliveira, 51, dona da agência, conta que resolveu criar a Nicetur ao constatar que homossexuais eram uma parcela considerável dos grupos de turistas que organizava.
"Mas eles não se sentiam à vontade, havia certo constrangimento no ar, e tivemos a idéia de oferecer-lhes pacotes específicos, nos quais não precisassem se inibir."
Nestes dois anos e com apenas dois eventos promovidos mensalmente (uma viagem e uma festa), a Nicetur já responde por 10% do faturamento global da agência-mãe.
"E a procura continua aumentando, com agências de outros Estados nos consultando para representar nossos produtos", explica ela.
Mas o sucesso, garante ela, depende em partes iguais da discrição e da satisfação de quem já experimentou seus serviços.
"Precisamos trabalhar com cautela. Não podemos fazer uma mala direta, por exemplo. No máximo, distribuir folhetos e cartões em locais sabidamente frequentados por GLS ou contar com a divulgação boca-a-boca", conta.


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