|
Texto Anterior | Índice
ARTIGO
Falta ativismo, mas homossexuais já estão prontos para gastar onde são bem tratados
ANDRÉ FISCHER
COLUNISTA DA REVISTA DA FOLHA
Após séculos de invisibilidade e confinamento em
guetos, os homossexuais passaram a ser disputados na última
década por grandes empresas como IBM, American Airlines, Perrier e Yves Saint-Laurent, que
descobriram o potencial do nicho
e investem pesado em veículos e
eventos direcionados ao segmento.
Por enquanto, isso só acontece
de maneira consistente nos Estados Unidos, Austrália e Europa.
Até agora, a maior visibilidade
conquistada nos principais centros brasileiros nos anos 90 levou
a um maior investimento em negócios "tradicionais" como casas
noturnas, bares e saunas.
Só em São Paulo, já são mais de
70 estabelecimentos onde a bandeira do arco-íris é elemento incorporado à paisagem.
Mas, se na sexualidade somos
menos conservadores que os norte-americanos, quais seriam os
motivos para o atraso do Brasil no
desenvolvimento desse setor?
A primeira explicação seria o
menor grau de mobilização política do povo. Por extensão, não há
um ativismo representativo e organizado para construir uma
identidade de comunidade.
Para um norte-americano, assumir-se gay significa exercer sua
sexualidade. Não só na cama, mas
em tudo. Inclui, até, comprar em
estabelecimentos gays.
Em segundo lugar, há por aqui
uma interpretação equivocada
por parte dos empresários do fenômeno observado nos EUA.
Iniciativas bem intencionadas
naufragaram ao copiar o modelo
norte-americano e acabam erroneamente culpando pelo insucesso a desarticulação do segmento.
É como o célebre caso da importação de um lote de patins para
gelo na época do Império: alguns
modelos de investimento no segmento GLS foram importados
dos EUA sem levar em consideração as características da comunidade brasileira.
Os primeiros a dar com os burros n'água foram as agências de
turismo gay. Houve grande alarde
na imprensa quando a Get Together surgiu, vendendo pacotes exclusivos para grupos GLS. Mas
aqui é difícil formar grupos, por
uma indisposição do consumidor
homossexual a ser identificado
como tal. Agências que ainda trabalham o segmento oferecem como diferencial a cumplicidade.
A revista Sui Generis, que seguiu o padrão de jornalismo "gay
sério" da pioneira Advocate, resistiu bravamente por 55 edições
até sucumbir ao mercado, que
consome os quase 100 mil exemplares mensais da G Magazine e
seus peladões famosos. Hoje, os
editores da Sui Generis têm como
principal fonte de renda a revista
Homens, de nus masculinos.
A Internet, mídia ideal para um
grupo cujos indivíduos na maioria dos casos preza o anonimato,
também teve seu boom de investimentos voltados para o setor gay
brasileiro. Mas, enquanto nos
EUA empresas que investem nesse mercado usam o selo "orgulhosamente apóia", aqui ainda são
raros os anunciantes que "ousam" vincular suas marcas ao segmento GLS.
Contando com esses anunciantes, a Zip.net investiu esse ano no
Supersite cerca de US$ 500 mil para cobrir gastos em mídia e pessoal do portal GLS. Mas os anunciantes não apareceram e o site
demitiu quase toda equipe e reduziu as inversões em publicidade.
Quem pensa em investir no nicho GLS não deve desistir, só estudar as particularidades desse
mercado. Em geral, é preciso envolvimento pessoal com a causa
para superar as dificuldades.
Se nos anos negros da clandestinidade os pontos de encontro
eram lugares marginais, mal cuidados por heterossexuais interessados no lucro fácil, hoje é impensável abrir um negócio sem oferecer serviços superiores à média.
Os homossexuais estão desenvolvendo sua auto-estima e estão
prontos para gastar onde são bem
tratados.
Texto Anterior: Público gay é mistério para anunciantes Índice
|