São Paulo, domingo, 22 de outubro de 2000

Texto Anterior | Índice

ARTIGO
Falta ativismo, mas homossexuais já estão prontos para gastar onde são bem tratados

ANDRÉ FISCHER
COLUNISTA DA REVISTA DA FOLHA

Após séculos de invisibilidade e confinamento em guetos, os homossexuais passaram a ser disputados na última década por grandes empresas como IBM, American Airlines, Perrier e Yves Saint-Laurent, que descobriram o potencial do nicho e investem pesado em veículos e eventos direcionados ao segmento.
Por enquanto, isso só acontece de maneira consistente nos Estados Unidos, Austrália e Europa. Até agora, a maior visibilidade conquistada nos principais centros brasileiros nos anos 90 levou a um maior investimento em negócios "tradicionais" como casas noturnas, bares e saunas.
Só em São Paulo, já são mais de 70 estabelecimentos onde a bandeira do arco-íris é elemento incorporado à paisagem.
Mas, se na sexualidade somos menos conservadores que os norte-americanos, quais seriam os motivos para o atraso do Brasil no desenvolvimento desse setor?
A primeira explicação seria o menor grau de mobilização política do povo. Por extensão, não há um ativismo representativo e organizado para construir uma identidade de comunidade.
Para um norte-americano, assumir-se gay significa exercer sua sexualidade. Não só na cama, mas em tudo. Inclui, até, comprar em estabelecimentos gays.
Em segundo lugar, há por aqui uma interpretação equivocada por parte dos empresários do fenômeno observado nos EUA.
Iniciativas bem intencionadas naufragaram ao copiar o modelo norte-americano e acabam erroneamente culpando pelo insucesso a desarticulação do segmento. É como o célebre caso da importação de um lote de patins para gelo na época do Império: alguns modelos de investimento no segmento GLS foram importados dos EUA sem levar em consideração as características da comunidade brasileira.
Os primeiros a dar com os burros n'água foram as agências de turismo gay. Houve grande alarde na imprensa quando a Get Together surgiu, vendendo pacotes exclusivos para grupos GLS. Mas aqui é difícil formar grupos, por uma indisposição do consumidor homossexual a ser identificado como tal. Agências que ainda trabalham o segmento oferecem como diferencial a cumplicidade.
A revista Sui Generis, que seguiu o padrão de jornalismo "gay sério" da pioneira Advocate, resistiu bravamente por 55 edições até sucumbir ao mercado, que consome os quase 100 mil exemplares mensais da G Magazine e seus peladões famosos. Hoje, os editores da Sui Generis têm como principal fonte de renda a revista Homens, de nus masculinos.
A Internet, mídia ideal para um grupo cujos indivíduos na maioria dos casos preza o anonimato, também teve seu boom de investimentos voltados para o setor gay brasileiro. Mas, enquanto nos EUA empresas que investem nesse mercado usam o selo "orgulhosamente apóia", aqui ainda são raros os anunciantes que "ousam" vincular suas marcas ao segmento GLS.
Contando com esses anunciantes, a Zip.net investiu esse ano no Supersite cerca de US$ 500 mil para cobrir gastos em mídia e pessoal do portal GLS. Mas os anunciantes não apareceram e o site demitiu quase toda equipe e reduziu as inversões em publicidade.
Quem pensa em investir no nicho GLS não deve desistir, só estudar as particularidades desse mercado. Em geral, é preciso envolvimento pessoal com a causa para superar as dificuldades.
Se nos anos negros da clandestinidade os pontos de encontro eram lugares marginais, mal cuidados por heterossexuais interessados no lucro fácil, hoje é impensável abrir um negócio sem oferecer serviços superiores à média. Os homossexuais estão desenvolvendo sua auto-estima e estão prontos para gastar onde são bem tratados.


Texto Anterior: Público gay é mistério para anunciantes
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.