São Paulo, domingo, 22 de outubro de 2006

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É mínimo o espaço para corte de gastos

Cerca de 89% das despesas do governo são "blindadas" por leis e pela Constituição; os 11% restantes já estão espremidos

Do gasto passível de corte, investimento encolheu 57%, e custeio, 54%; despesas com salário, Previdência e benefícios crescem rápido

FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O espaço para cortar despesas não-financeiras no governo federal hoje é mínimo e equivale a 11% de tudo o que é gasto para tocar a máquina pública.
Para atingir uma economia desse tamanho, o governo teria de parar de pagar todas as suas contas, da luz elétrica e do material de escritório a programas como a merenda escolar, e eliminar qualquer novo investimento -o que é impossível.
Apesar da discussão na campanha eleitoral sobre enxugar o Estado, 89% das despesas federais estão protegidas por leis e pela Constituição.
Pior: são gastos que crescem rápido, diminuindo ano a ano o espaço para economizar. Há 18 anos, as despesas obrigatórias eram 46% do gasto, cerca da metade dos atuais 89%.
A margem para economizar qualquer valor representativo dentro dos 11% passíveis de corte é pequena.
Segundo especialistas ouvidos pela Folha, se não houver mudança na tendência dos últimos 18 anos, o Brasil continuará condenado a crescer pouco e com crises fiscais sempre à espreita.
Em 2005, o governo federal gastou R$ 357,4 bilhões para se manter. Quase 75% do valor foi consumido com quatro despesas obrigatórias e crescentes:
1) Pessoal ativo: o gasto aumentou 85% acima da inflação entre 1987 e 2005, para R$ 50 bilhões/ano;
2) Previdência com pagamento de benefícios acima de um salário mínimo: mais 342%, para R$ 96 bilhões;
3) Inativos e pensionistas: 310%, para R$ 43 bilhões;
4) Benefícios assistenciais e subsidiados: alta de 1.362%, para R$ 76 bilhões.
Os 14% restantes do gasto obrigatório (que completam os 89% da despesa "blindada") vão para Saúde e outros -como transferências da Lei Kandir, gastos dos demais Poderes (exceto Executivo) e subsídios.
Os 11% passíveis de cortes são destinados ao custeio da máquina (a conta de luz, por exemplo) e a investimentos em infra-estrutura.
Os cálculos são do especialista em contas públicas Raul Velloso, feitos com base nas receitas e gastos do governo federal.
É consenso que o investimento já não suporta mais cortes. Em 1987, ele representava 15,4% do total do gasto. Hoje, são apenas 3,1%. As despesas com manutenção e outros programas do governo já caíram de 38% do total do gasto para 8,3% no período.
Manter a máquina e alguns programas custou R$ 29,6 bilhões em 2005. Mesmo que o governo consiga cortar 20% disso, a economia não chegará a R$ 6 bilhões/ano -1,7% dos R$ 357,4 gastos em 2005.

Tendência de alta
"Na atual configuração do gasto público, o espaço para cortes de despesas é muito limitado", diz Fábio Giambiagi, economista do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), ligado ao Ministério do Planejamento.
Para José Roberto Afonso, especialista na área, a tendência predominante, ao contrário, é de aumento dos gastos. "Podemos ter uma crise fiscal monumental dentro de algum tempo", afirma.
Nos últimos anos, toda a elevação do gasto no governo federal foi financiada pelo aumento da carga tributária.
Com os impostos consumindo agora quase 40% de tudo o que se produz no país, novas elevações são consideradas impraticáveis -daí a discussão sobre os cortes.
Para Velloso, o problema é maior pelo fato de o Brasil estar "operando nos últimos anos dentro de um modelo de crescimento impulsionado pelo gasto público".
A alternativa à redução de gastos ou a novos aumentos de impostos é o país crescer mais, relativizando suas despesas como proporção do PIB.
O problema é que o gasto e os impostos altos são considerados hoje justamente os maiores inimigos do crescimento.


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