|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
É mínimo o espaço para corte de gastos
Cerca de 89% das despesas do governo são "blindadas" por leis e pela Constituição; os 11% restantes já estão espremidos
Do gasto passível de corte,
investimento encolheu 57%,
e custeio, 54%; despesas
com salário, Previdência e
benefícios crescem rápido
FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL
O espaço para cortar despesas não-financeiras no governo
federal hoje é mínimo e equivale a 11% de tudo o que é gasto
para tocar a máquina pública.
Para atingir uma economia
desse tamanho, o governo teria
de parar de pagar todas as suas
contas, da luz elétrica e do material de escritório a programas
como a merenda escolar, e eliminar qualquer novo investimento -o que é impossível.
Apesar da discussão na campanha eleitoral sobre enxugar o
Estado, 89% das despesas federais estão protegidas por leis e
pela Constituição.
Pior: são gastos que crescem
rápido, diminuindo ano a ano o
espaço para economizar. Há 18
anos, as despesas obrigatórias
eram 46% do gasto, cerca da
metade dos atuais 89%.
A margem para economizar
qualquer valor representativo
dentro dos 11% passíveis de
corte é pequena.
Segundo especialistas ouvidos pela Folha, se não houver
mudança na tendência dos últimos 18 anos, o Brasil continuará condenado a crescer
pouco e com crises fiscais sempre à espreita.
Em 2005, o governo federal
gastou R$ 357,4 bilhões para se
manter. Quase 75% do valor foi
consumido com quatro despesas obrigatórias e crescentes:
1) Pessoal ativo: o gasto aumentou 85% acima da inflação
entre 1987 e 2005, para R$ 50
bilhões/ano;
2) Previdência com pagamento de benefícios acima de
um salário mínimo: mais
342%, para R$ 96 bilhões;
3) Inativos e pensionistas:
310%, para R$ 43 bilhões;
4) Benefícios assistenciais e
subsidiados: alta de 1.362%, para R$ 76 bilhões.
Os 14% restantes do gasto
obrigatório (que completam os
89% da despesa "blindada")
vão para Saúde e outros -como transferências da Lei Kandir, gastos dos demais Poderes
(exceto Executivo) e subsídios.
Os 11% passíveis de cortes
são destinados ao custeio da
máquina (a conta de luz, por
exemplo) e a investimentos em
infra-estrutura.
Os cálculos são do especialista em contas públicas Raul Velloso, feitos com base nas receitas e gastos do governo federal.
É consenso que o investimento já não suporta mais cortes. Em 1987, ele representava
15,4% do total do gasto. Hoje,
são apenas 3,1%. As despesas
com manutenção e outros programas do governo já caíram de
38% do total do gasto para
8,3% no período.
Manter a máquina e alguns
programas custou R$ 29,6 bilhões em 2005. Mesmo que o
governo consiga cortar 20%
disso, a economia não chegará
a R$ 6 bilhões/ano -1,7% dos
R$ 357,4 gastos em 2005.
Tendência de alta
"Na atual configuração do
gasto público, o espaço para
cortes de despesas é muito limitado", diz Fábio Giambiagi,
economista do Ipea (Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada), ligado ao Ministério do
Planejamento.
Para José Roberto Afonso,
especialista na área, a tendência predominante, ao contrário,
é de aumento dos gastos. "Podemos ter uma crise fiscal monumental dentro de algum
tempo", afirma.
Nos últimos anos, toda a elevação do gasto no governo federal foi financiada pelo aumento
da carga tributária.
Com os impostos consumindo agora quase 40% de tudo o
que se produz no país, novas
elevações são consideradas impraticáveis -daí a discussão sobre os cortes.
Para Velloso, o problema é
maior pelo fato de o Brasil estar
"operando nos últimos anos
dentro de um modelo de crescimento impulsionado pelo gasto
público".
A alternativa à redução de
gastos ou a novos aumentos de
impostos é o país crescer mais,
relativizando suas despesas como proporção do PIB.
O problema é que o gasto e os
impostos altos são considerados hoje justamente os maiores
inimigos do crescimento.
Texto Anterior: Mercado Aberto Próximo Texto: José Alexandre Scheinkman: Lula e o companheiro Bush Índice
|