São Paulo, domingo, 22 de outubro de 2006

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VINICIUS TORRES FREIRE

Mercado passa batom em modelos


Economistas estimam que inflação no Brasil passa por mudanças estruturais e, sem choques, tende a baixar mais
NAS DUAS ÚLTIMAS semanas, o pessoal do mercado andou passando um batonzinho em seus modelos de previsão de inflação e juros. Alguns economistas tornaram mais ou menos públicas algumas reflexões que vêm fazendo desde pelo menos agosto, quando a inflação apareceu pálida, muito mais baixa do que o previsto.
Tais economistas acreditam que mudou o ritmo em que a inflação varia no Brasil: seria menos volátil e tenderia para baixo. E daí? Daí que o juro pode, assim, cair mais.
No começo do ano, a inflação (IPCA) prevista para 2006, na média da pesquisa feita pelo Banco Central com o pessoal do mercado, era de 4,5%. Na metade do ano, ainda era de 4%. O IPCA deve fechar o ano em torno de 3%. Até aí tudo bem. A filosofia natural da economia, digamos assim ironicamente, lida com muito mais tipos de átomos que os da tabela periódica e, para piorar, como diz Delfim Netto, os átomos pensam.
Por que importam tais expectativas? Por que, de estimativas colhidas em pesquisa a expectativas reais (expressas em preços de ativos financeiros), essas antecipações do futuro influenciam (também) juros de mercado e ações do BC.
Zeina Latif, economista-chefe para o Brasil do banco ABN-Amro, observa que o câmbio, devido a melhoria nas contas externas brasileiras (menos dívida, mais saldo comercial), será mais estável. Uma desvalorização do real tenderia a ter menos impacto no IPCA, pois a taxa de repasse da variação do câmbio para a inflação agora seria menor.
A inércia inflacionária também é menor (isto é, a inflação passada tende a influenciar menos a inflação futura): a indexação informal dos preços (como no setor de serviços) seria menor devido à credibilidade da política do BC (menos expectativas gerais de inflação). O impacto da indexação formal (preços reajustados por contratos) é menor devido ao câmbio mais comportado e à inflação geral em queda.
Inércia e expectativas menores, devido à credibilidade do BC, também são os argumentos de Leonardo Miceli e Guilherme Maia, da consultoria Tendências, para um futuro mais benigno do IPCA.
Economistas que olham mais para o dia-a-dia das empresas apontam ainda outros motivos de mudança estrutural. José Roberto Mendonça de Barros, por exemplo, observa que as empresas brasileiras mudaram muito. Não só procuram mais mercado externo como seus departamentos de compras estão ligados na variação mundial do preço de insumos: estão muito mais ágeis em comprar lá fora quando o preço aqui dentro está ruim.
Há ainda mais a investigar. Para Yoshiaki Nakano, as empresas brasileiras são muito mais capazes de aumentar a produção diante de saltos da demanda do que imaginam os economistas financeiros, sempre temerosos de um superaquecimento inflacionário da demanda.
Talvez com pelo menos mais uns dois anos de normalidade econômica (sem choques e macumbas exóticas de política), uma raridade nos últimos 30 anos no Brasil, venhamos a aprender que a inflação pode se comportar bem e que as taxas de juros de hoje são uma anomalia em desaparecimento e, em parte, devidas a exageros de expectativas.

vinit2uol.com.br


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