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OPINIÃO ECONÔMICA
De volta ao "mainstream"
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
O sucesso do Plano Real na
estabilização de nossa economia permitiu, em 1996, o início
de um debate mais profundo sobre as alternativas para recolocar
a economia brasileira em uma rota de crescimento econômico sustentado. Anteriormente a 1995,
era praticamente impossível pensar sobre o futuro do país, à medida que a hiperinflação institucionalizada, que nos atingia desde
1985, drenava toda a energia das
pessoas que procuravam discutir
os caminhos alternativos para o
país.
A existência de várias moedas
indexadas à inflação mascarava
os dados econômicos e não permitia uma visualização clara dos
principais gargalos, que impediam nossa economia de crescer
de forma continuada. Visualizar
os valores reais dos principais
agregados da economia era um
exercício praticamente impossível, mesmo para o analista mais
cuidadoso. Um exemplo marcante desse período foi o Orçamento
fiscal, transformado em peça de
ficção econômica pela inflação
imprevisível e que permitia mágicas incríveis pelos governos de
plantão e pelo Legislativo.
Nossa volta a um cenário econômico de normalidade, com
uma moeda estável como indicador de poder de compra e confiável como unidade de valor das
transações econômicas, mostrou
a todos o quadro caótico em que
vivíamos. O rei ficou nu, e todos
puderam sentir o ridículo dessa
nudez despudorada. Mas o passado foi logo esquecido e o debate
econômico voltou a seu leito normal. Reapareceram com traços
mais nítidos os cortes ideológicos
das várias escolas de pensamento
econômico, e a sociedade pode
participar desse processo de identificação dos rumos futuros do
país.
No campo do governo apareceram, a partir de 1996, duas agendas de trabalho. A primeira defendia um modelo de economia
do país baseado na existência de
um Estado minimalista, sem interferência direta no jogo econômico, que seria comandado pelas
forças livres de mercado e com
sua ação centrada na gestão de
um Orçamento fiscal equilibrado.
Por outro lado, defendia a liberalização total de nosso comércio
exterior, com uma abertura radical da economia, e a liberalização
dos fluxos financeiros do país com
o exterior. "Last but not least",
defendia um regime de câmbio fixo, para impor ao sistema produtivo nacional um choque sistêmico de competitividade; com isso
teríamos que acompanhar o ritmo dos países centrais a fim de
não ficarmos para trás.
Para viabilizar esse regime
cambial, o Banco Central usaria
os mecanismos monetários tradicionais, principalmente a taxa de
juros, tornando a entrada de recursos financeiros do exterior a
variável de ajuste da economia. O
controle da inflação seria, portanto, um subproduto da política
cambial do governo.
A segunda agenda, que posteriormente ganhou da imprensa o
apelido de desenvolvimentista,
diferia da primeira principalmente pela proposta de um período de transição para a abertura
da economia. Esse intervalo era
necessário para permitir que dois
fenômenos ocorressem antes de
chegarmos a uma abertura plena:
o ajustamento em nosso aparelho
produtivo e a modernização de
nossa institucionalidade microeconômica -o sistema tributário,
a legislação trabalhista e o mercado de crédito e de capitais, entre
outros-, que ainda refletia de
forma marcante o modelo anterior de uma economia fechada e,
portanto, sem concorrência das
importações.
Uma terceira causa, menos visível que as anteriores, indicava
também a necessidade de um período transitório de defesa do
mercado interno. Nos anos 90, o
mundo estava passando por uma
revolução tecnológica notável no
campo da microeletrônica, com o
aparecimento de uma nova geração de bens de capital e de consumo com um alto valor agregado
desses componentes. Uma abertura radical iria sucatear uma parte
importante da estrutura produtiva existente e aumentar de forma
significativa o coeficiente de importação de nossa economia. Nesse sentido, a política de um real
forte e sobrevalorizado iria agravar esse processo, aumentando
nossa dependência aos voláteis
fluxos de capitais para países do
mundo emergente.
Fora do governo, o aparecimento desse debate levou a oposição,
liderada pelo PT, a defender o
modelo anterior de economia fechada e a fazer um violento contraponto às duas agendas do governo FHC. Todas as propostas de
modernização e abertura da economia eram catalogadas como de
inspiração neoliberal e satanizadas no slogan "Fora FHC". Durante os oito anos de Fernando
Henrique Cardoso, o PT boicotou
sistematicamente as propostas de
reformas do governo e radicalizou suas propostas de fechamento
da economia e do fortalecimento
das empresas públicas no processo econômico.
Chegamos ao fim da era FHC
com os três cortes ideológicos sobre nosso modelo econômico convergindo para as propostas dos
desenvolvimentistas. Vários economistas ortodoxos reconhecem
hoje a importância da chamada
fragilidade externa e seu caráter
desagregador, via flutuação disparatada da taxa de câmbio, sobre o equilíbrio macroeconômico
do país. Eles defendem com clareza a necessidade de reduzirmos
nosso déficit em conta corrente,
principalmente via aumento de
nossas exportações, mas já admitem a necessidade de uma ação
do governo com o objetivo de reduzir o coeficiente de importações.
Já o PT, recém-convertido à ortodoxia macroeconômica, também trabalha com o modelo de
abertura progressiva e a necessidade de redução de nossa vulnerabilidade externa. Nesse ponto,
aproximam-se também dos desenvolvimentistas ao defender a
necessidade de uma política industrial que reduza nosso coeficiente de importação.
Em nome de meus companheiros desenvolvimentistas, dou
boas-vindas a todos!
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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