São Paulo, sexta-feira, 22 de novembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

De volta ao "mainstream"

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

O sucesso do Plano Real na estabilização de nossa economia permitiu, em 1996, o início de um debate mais profundo sobre as alternativas para recolocar a economia brasileira em uma rota de crescimento econômico sustentado. Anteriormente a 1995, era praticamente impossível pensar sobre o futuro do país, à medida que a hiperinflação institucionalizada, que nos atingia desde 1985, drenava toda a energia das pessoas que procuravam discutir os caminhos alternativos para o país.
A existência de várias moedas indexadas à inflação mascarava os dados econômicos e não permitia uma visualização clara dos principais gargalos, que impediam nossa economia de crescer de forma continuada. Visualizar os valores reais dos principais agregados da economia era um exercício praticamente impossível, mesmo para o analista mais cuidadoso. Um exemplo marcante desse período foi o Orçamento fiscal, transformado em peça de ficção econômica pela inflação imprevisível e que permitia mágicas incríveis pelos governos de plantão e pelo Legislativo.
Nossa volta a um cenário econômico de normalidade, com uma moeda estável como indicador de poder de compra e confiável como unidade de valor das transações econômicas, mostrou a todos o quadro caótico em que vivíamos. O rei ficou nu, e todos puderam sentir o ridículo dessa nudez despudorada. Mas o passado foi logo esquecido e o debate econômico voltou a seu leito normal. Reapareceram com traços mais nítidos os cortes ideológicos das várias escolas de pensamento econômico, e a sociedade pode participar desse processo de identificação dos rumos futuros do país.
No campo do governo apareceram, a partir de 1996, duas agendas de trabalho. A primeira defendia um modelo de economia do país baseado na existência de um Estado minimalista, sem interferência direta no jogo econômico, que seria comandado pelas forças livres de mercado e com sua ação centrada na gestão de um Orçamento fiscal equilibrado. Por outro lado, defendia a liberalização total de nosso comércio exterior, com uma abertura radical da economia, e a liberalização dos fluxos financeiros do país com o exterior. "Last but not least", defendia um regime de câmbio fixo, para impor ao sistema produtivo nacional um choque sistêmico de competitividade; com isso teríamos que acompanhar o ritmo dos países centrais a fim de não ficarmos para trás.
Para viabilizar esse regime cambial, o Banco Central usaria os mecanismos monetários tradicionais, principalmente a taxa de juros, tornando a entrada de recursos financeiros do exterior a variável de ajuste da economia. O controle da inflação seria, portanto, um subproduto da política cambial do governo.
A segunda agenda, que posteriormente ganhou da imprensa o apelido de desenvolvimentista, diferia da primeira principalmente pela proposta de um período de transição para a abertura da economia. Esse intervalo era necessário para permitir que dois fenômenos ocorressem antes de chegarmos a uma abertura plena: o ajustamento em nosso aparelho produtivo e a modernização de nossa institucionalidade microeconômica -o sistema tributário, a legislação trabalhista e o mercado de crédito e de capitais, entre outros-, que ainda refletia de forma marcante o modelo anterior de uma economia fechada e, portanto, sem concorrência das importações.
Uma terceira causa, menos visível que as anteriores, indicava também a necessidade de um período transitório de defesa do mercado interno. Nos anos 90, o mundo estava passando por uma revolução tecnológica notável no campo da microeletrônica, com o aparecimento de uma nova geração de bens de capital e de consumo com um alto valor agregado desses componentes. Uma abertura radical iria sucatear uma parte importante da estrutura produtiva existente e aumentar de forma significativa o coeficiente de importação de nossa economia. Nesse sentido, a política de um real forte e sobrevalorizado iria agravar esse processo, aumentando nossa dependência aos voláteis fluxos de capitais para países do mundo emergente.
Fora do governo, o aparecimento desse debate levou a oposição, liderada pelo PT, a defender o modelo anterior de economia fechada e a fazer um violento contraponto às duas agendas do governo FHC. Todas as propostas de modernização e abertura da economia eram catalogadas como de inspiração neoliberal e satanizadas no slogan "Fora FHC". Durante os oito anos de Fernando Henrique Cardoso, o PT boicotou sistematicamente as propostas de reformas do governo e radicalizou suas propostas de fechamento da economia e do fortalecimento das empresas públicas no processo econômico.
Chegamos ao fim da era FHC com os três cortes ideológicos sobre nosso modelo econômico convergindo para as propostas dos desenvolvimentistas. Vários economistas ortodoxos reconhecem hoje a importância da chamada fragilidade externa e seu caráter desagregador, via flutuação disparatada da taxa de câmbio, sobre o equilíbrio macroeconômico do país. Eles defendem com clareza a necessidade de reduzirmos nosso déficit em conta corrente, principalmente via aumento de nossas exportações, mas já admitem a necessidade de uma ação do governo com o objetivo de reduzir o coeficiente de importações.
Já o PT, recém-convertido à ortodoxia macroeconômica, também trabalha com o modelo de abertura progressiva e a necessidade de redução de nossa vulnerabilidade externa. Nesse ponto, aproximam-se também dos desenvolvimentistas ao defender a necessidade de uma política industrial que reduza nosso coeficiente de importação.
Em nome de meus companheiros desenvolvimentistas, dou boas-vindas a todos!


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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