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São Paulo, sábado, 22 de novembro de 2003

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LUÍS NASSIF

BC e pensamento burocrático

O cartesianismo alemão do Banco Central brasileiro não tem limites. Na penúltima reunião, o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) baixou a taxa Selic em um ponto percentual. Chamado ao Palácio do Planalto para explicar por que não 1,5 ponto, o presidente do BC, Henrique Meirelles, alegou que um ponto de queda seria aprovado por unanimidade pelo Copom; 1,5, não, e a falta de unanimidade poderia provocar tensão nesse modelo de sensibilidade virginal chamado de mercado. Aqui mesmo se apontou o ridículo da argumentação.
Desta vez, a taxa caiu 1,5 ponto, e não foi por unanimidade: sete votaram a favor e dois contra. E o risco-país caiu. Aí, Meirelles apressou-se a ir à imprensa declarar que não faz parte da lógica do Copom a unanimidade.
Ótimo! E antes? Dois membros do Copom controlavam o ritmo de queda dos juros, simplesmente recusando-se a garantir a unanimidade da decisão.
O que leva Meirelles, um dia, a afirmar a necessidade da unanimidade na votação -segundo reportagem de "O Globo"- e depois a sustentar a não-necessidade? O despreparo para enfrentar as armadilhas burocrático-técnicas de sua diretoria.
Não é da índole do burocrata correr risco. Derrubar as taxas de juros é condição imperiosa para o país sair da armadilha da dívida, é o grande desafio para a retomada da economia. Mas implica riscos na transição, enfrentar a transferência de parte da liquidez da economia para outros centros -por meio de compra e consequente pressão sobre o câmbio. É tarefa difícil, mas incontornável, e, quanto mais demorar, maior o preço a ser pago.
O burocrata, por definição, é avesso a riscos. Inventa perigos, argumentos técnicos para justificar o imobilismo e transferir o desafio da solução para seus sucessores -ainda mais em órgão em que os titulares não são responsabilizados pelos desastres que cometem sequer com o mínimo: a perda da reputação.
O grande desafio das corporações tem sido estimular o empreendedorismo corporativo contra a visão imobilizante burocrática. Para tal, a empresa tem que dispor de CEO arrojado -e, por tal, se entenda o sujeito com conhecimento técnico suficiente para ser arrojado sem ser temerário.
A questão da taxa de juros de equilíbrio é outro tema que tem permitido jóias de cartesianismo. Primeiro tiram da cartola a tal taxa de equilíbrio. Depois vão procurar as relações de causalidade.
Para alguns, os formadores de preços da economia comparam as taxas de juros de longo prazo com a inflação esperada; se ficar abaixo, aumentam preços. Para um segundo grupo, a questão é que o risco Brasil estaria em 10% ao ano. Com a taxa interna caindo abaixo do risco, os investidores adquiririam dólares e transfeririam sua liquidez para outras praças.
Ontem, um desses técnicos -que defende a segunda hipótese- apresentou um primor de raciocínio "cabeça de planilha": a taxa de juros de equilíbrio é de 10% ao ano, porque é aquela compatível com um superávit primário de 4,25%. Ou seja, a taxa de equilíbrio é a máxima taxa que esfola, mas não mata.

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