São Paulo, domingo, 22 de novembro de 1998

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LUÍS NASSIF
O papel de Mendonça de Barros

Apressar a queda do ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, é simples. Em vez de manchetes com os apoios recebidos -que são muitos-, basta destacar as declarações de desconfiança. De preferência, de "aliados" do governo. Não é necessário explicar que os "aliados" têm interesse direto no cargo de ministro da Produção -oferecido a Mendonça de Barros-, para não enfraquecer a campanha.
Se pulularem declarações em "off" atribuídas a gente do Palácio, melhor ainda. O ministro tem casca grossa para suportar pancadas de adversários, mas é extremamente suscetível a traições de amigos.
Antes de se prosseguir na escalada, porém, é importante que aliados e adversários se debrucem um pouco sobre o papel de Mendonça de Barros no governo e o sentido do Ministério da Produção -que caberá ou caberia a ele dirigir.
Desde sua implantação, o Plano Real consistiu em uma mera âncora cambial, escorada em taxas de juros extremamente perniciosas. Não conseguiu sequer romper com o imobilismo que se seguiu aos desacertos da política cambial, em março de 1995.
Uma política econômica depende, em parte, de conceitos. Mas muito do chamado comportamento de grupo. Juntou- se no governo um grupo heterogêneo de ministros, mais ou menos competentes, no plano individual. Mas o grupo padece de um imobilismo atroz, enquanto grupo, que acaba afetando a atuação individual de cada um e comprometendo fundamentalmente o conjunto.

O catalizador
É aí que entra o papel de Mendonça de Barros.
Nesse período, por iniciativas individuais, lentamente foram plasmados os princípios de uma nova ação de governo no plano econômico. Do lado prático, Mendonça de Barros ajudou a definir o novo estilo de atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), principalmente ao transformar o banco em instituição moderna na área de captação, utilizando sofisticados mecanismos de captação de recursos externos. Enquanto o BC trazia capital externo ruim, cabia ao BNDES trazer capital saudável.
Do lado conceitual, esse conjunto de intervenções foi organizado e ampliado por outro Mendonça de Barros, José Roberto, então secretário de Política Econômica da Fazenda, que avançou nos conceitos de adensamento da cadeia produtiva e na sistematização de experiências de desenvolvimento.
Paralelamente, FHC foi convencido da necessidade de criar uma perna nova na economia, capaz de equilibrar as ações entre o mundo virtual da Fazenda e do Banco Central.
Luiz Carlos vinha cumprindo papel fundamental nessa área, não apenas por seu conhecimento do mundo financeiro (essencial, quando se for flexibilizar a política cambial), mas pela facilidade com que se integrou com a Fazenda, BC e Casa Civil. Apesar do estilo externo truculento, internamente sempre desempenhou papel de conciliador. Nos tempos do Cruzado, era ele quem fazia o meio campo entre o grupo financeiro (do BC) e o grupo da Unicamp. Tudo devido a seu pensamento não-dogmático e a uma qualidade ressaltada pelo governador Mário Covas: lealdade.
Hoje em dia, é nele que se depositam as esperanças de rompimento da inércia do primeiro governo e de adesão de todo o segmento produtivo -até agora o mais sacrificado pela política econômica e o mais crítico ao governo- sem estabelecer a polarização e o conflito com a Fazenda.
O destino de Mendonça de Barros está nas mãos de FHC. E não se vai segurá-lo com declarações dúbias, tipo "o ministro agiu eticamente correto, mas politicamente errado".
Ou se considera que o ministro agiu corretamente do ponto de vista ético, e, portanto, deve ser amplamente prestigiado. Ou se considera que a política de privatização era ilegítima e, mesmo assim, foi aprovada previamente por FHC, governo e base aliada -era ilegítima. E trate de se preparar, nos próximos meses, para expor à suspeição todos os atos de governo.
Se o presidente permitir a fritura de seu ministro, não estará matando apenas a única expectativa de agenda positiva que conseguiu em seu governo. Mas rompendo com princípios de lealdade e solidariedade que são fundamentais para manter a coesão de sua equipe e a adesão de seu próprio partido.

O enunciado Simon
Causou viva impressão as declarações do senador Pedro Simon, de que o ministro agiu de maneira eticamente correta, mas politicamente errada. Talvez a frase seja melhor compreendida partindo- se de um exemplo prático.
Consultor-geral da República, no governo Itamar, o advogado José de Castro dá um parecer pelo desarquivamento de um processo administrativo de 1982. Refez o parecer da consultoria da época e opinou a favor do pleiteante, que exigia indenização da União. Era um escândalo, mas a oposição não tinha força para pressioná-lo, e os partidos aliados não tinham interesse no cargo.
Tinha-se o oposto do enunciado de Simon: o ato era eticamente condenável, mas politicamente defensável, porque não havia soma suficiente de interesses políticos para explorar o episódio. E nosso varão de Plutarco, Simon, se abstém de se pronunciar sobre o tema, porque seu campo de atuação é só a política.

E-mail: lnassif@uol.com.br



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