São Paulo, sábado, 22 de dezembro de 2007

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ROBERTO RODRIGUES

Um outro ano

A mesmice da sala de trabalho impede o cidadão urbano de compreender o produtor rural, à espera das "ordens" climáticas

CERTA VEZ, uma amiga que havia sido professora de economia na universidade me fez uma confissão interessante. Disse que, depois de muitos anos lecionando, havia feito uma viagem pelo interior do país para conhecer alguns projetos agropecuários. E que tinha recebido uma verdadeira "revelação": que os agricultores são obrigados a executar seus trabalhos em função das determinações da natureza. Assim, disse-me ela, não adianta plantar nenhuma semente se não houver umidade suficiente no solo para que o milagre da preservação da vida se manifeste, por meio da fisiologia vegetal. Também não adianta adubar com a terra seca, porque os nutrientes não se solubilizam para que a planta os aproveite.
E que não é bom um período de seca durante o ciclo anual da cultura, principalmente se isso acontecer na época da florada: as flores caem e não há produção.
Foi então elencando os fatores climáticos que afetam as diferentes fases do desenvolvimento das plantas, chegando mesmo a teorizar sobre o efeito benéfico de um frio mais intenso sobre plantas permanentes, como fruteiras ou até mesmo o café: a árvore "tira férias" e, depois do frio, volta com tudo para a nova estação. Claro que a geada é tão aterrorizante quanto uma seca inclemente.
Finalmente, comparou esse "determinismo" ao trabalho urbano. Enquanto na cidade, nos escritórios e nas salas de aula a luz é sempre a mesma, sempre com a mesma intensidade artificial, no campo cada estação tem sua própria luminosidade, acompanhada das cores diferentes com que se veste a natureza.
Também é assim a temperatura, porque nas áreas urbanas de trabalho o ar condicionado impõe um ritmo único. No campo, no mesmo dia se sente frio e calor, dependendo da hora.
Tudo isso, dizia ela, essa mesmice das salas de trabalho, impede o cidadão urbano de compreender a posição quase fatalista do produtor rural, sempre à espera das "ordens" climáticas para então agir. E sempre pronto para isso, apoiado, no Brasil atual, nas mais modernas tecnologias, para ser competitivo num mundo em que a concorrência cresce todo dia.
Essa conversa antiga me veio à lembrança em razão das festas de fim de ano e da celebração do Ano Novo.
Porque o Natal é um momento em que, sob a determinação da folhinha, homens e mulheres de todos os quadrantes celebram o nascimento de Jesus e, estranhamente, todos se irmanam em votos universais de fraternidade e de boa vontade. Mais ainda, na virada do ano, o universo fica impregnado pela esperança coletiva de que tudo vai melhorar. Vestir-se de branco, pular sete ondas, emocionar-se em abraçar aos amigos e familiares, tudo porque está acabando um ano!
Isso é fantástico! A simples mudança do dígito final da folhinha anunciando um Ano Novo traz uma enorme certeza de que tudo vai melhorar, e essa convicção invade a humanidade. Por que é assim? Na verdade, nada mudou, os sentimentos são os mesmos, a saúde é a mesma, a economia é a mesma, as instituições são as mesmas, a renda é a mesma, mas a esperança, genuína, agiganta-se. Como se explica isso se apenas a folhinha mudou?
Talvez porque aí também, como na agricultura, haja um determinismo. Só que, nesse caso, no nível espiritual, na emoção das pessoas.
O primeiro dia do ano pode ser comparado às primeiras chuvas de verão. Celebra-se a renovação da vida: uma maravilha!
Feliz Natal e ótimo 2008!


ROBERTO RODRIGUES, 65, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura. Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.


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