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ROBERTO RODRIGUES
Um outro ano
A mesmice da sala de trabalho
impede o cidadão urbano de
compreender o produtor rural,
à espera das "ordens" climáticas
CERTA VEZ, uma amiga que havia sido professora de economia na universidade me fez
uma confissão interessante. Disse
que, depois de muitos anos lecionando, havia feito uma viagem pelo
interior do país para conhecer alguns projetos agropecuários. E que
tinha recebido uma verdadeira "revelação": que os agricultores são
obrigados a executar seus trabalhos
em função das determinações da natureza. Assim, disse-me ela, não
adianta plantar nenhuma semente
se não houver umidade suficiente
no solo para que o milagre da preservação da vida se manifeste, por meio
da fisiologia vegetal. Também não
adianta adubar com a terra seca,
porque os nutrientes não se solubilizam para que a planta os aproveite.
E que não é bom um período de seca
durante o ciclo anual da cultura,
principalmente se isso acontecer na
época da florada: as flores caem e
não há produção.
Foi então elencando os fatores climáticos que afetam as diferentes fases do desenvolvimento das plantas,
chegando mesmo a teorizar sobre o
efeito benéfico de um frio mais intenso sobre plantas permanentes,
como fruteiras ou até mesmo o café:
a árvore "tira férias" e, depois do frio,
volta com tudo para a nova estação.
Claro que a geada é tão aterrorizante
quanto uma seca inclemente.
Finalmente, comparou esse "determinismo" ao trabalho urbano.
Enquanto na cidade, nos escritórios
e nas salas de aula a luz é sempre a
mesma, sempre com a mesma intensidade artificial, no campo cada
estação tem sua própria luminosidade, acompanhada das cores diferentes com que se veste a natureza.
Também é assim a temperatura,
porque nas áreas urbanas de trabalho o ar condicionado impõe um ritmo único. No campo, no mesmo dia
se sente frio e calor, dependendo da
hora.
Tudo isso, dizia ela, essa mesmice
das salas de trabalho, impede o cidadão urbano de compreender a posição quase fatalista do produtor rural, sempre à espera das "ordens"
climáticas para então agir. E sempre
pronto para isso, apoiado, no Brasil
atual, nas mais modernas tecnologias, para ser competitivo num
mundo em que a concorrência cresce todo dia.
Essa conversa antiga me veio à
lembrança em razão das festas de
fim de ano e da celebração do Ano
Novo.
Porque o Natal é um momento em
que, sob a determinação da folhinha,
homens e mulheres de todos os quadrantes celebram o nascimento de
Jesus e, estranhamente, todos se irmanam em votos universais de fraternidade e de boa vontade. Mais
ainda, na virada do ano, o universo
fica impregnado pela esperança coletiva de que tudo vai melhorar. Vestir-se de branco, pular sete ondas,
emocionar-se em abraçar aos amigos e familiares, tudo porque está
acabando um ano!
Isso é fantástico! A simples mudança do dígito final da folhinha
anunciando um Ano Novo traz uma
enorme certeza de que tudo vai melhorar, e essa convicção invade a humanidade. Por que é assim? Na verdade, nada mudou, os sentimentos
são os mesmos, a saúde é a mesma, a
economia é a mesma, as instituições
são as mesmas, a renda é a mesma,
mas a esperança, genuína, agiganta-se. Como se explica isso se apenas a
folhinha mudou?
Talvez porque aí também, como
na agricultura, haja um determinismo. Só que, nesse caso, no nível espiritual, na emoção das pessoas.
O primeiro dia do ano pode ser
comparado às primeiras chuvas de
verão. Celebra-se a renovação da vida: uma maravilha!
Feliz Natal e ótimo 2008!
ROBERTO RODRIGUES, 65, coordenador do Centro de
Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do
Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura. Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.
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