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São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 2003

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Ativos dados como garantia em empréstimo não cobrem débito e, para obter outros, ações levariam anos

BNDES terá canseira para processar a AES

JOSÉ ALAN DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

Um longo emaranhado jurídico espera o BNDES se decidir executar a dívida de US$ 1,2 bilhão assumida pela AES Corporation, controladora da Eletropaulo. De antemão, especialistas apontam uma evidência: o banco não pode reivindicar, de imediato na Justiça, o controle de outros ativos da AES no Brasil porque a única garantia incluída no contrato foram ações da própria Eletropaulo.
Dia 31 de janeiro passado, a Eletropaulo entrou em ""default técnico" ao não pagar parcela de US$ 85 milhões, que se remete a um contrato de financiamento feito pelo BNDES para que os norte-americanos adquirissem ações ordinárias da Eletropaulo. O acordo prevê que, no caso de alguma parcela da dívida de US$ 1,2 bilhão não ser paga, o BNDES pode reivindicar o direito sobre todos os papéis que a AES detém na Eletropaulo -70% do capital.
O que deveria ser uma enorme garantia para o banco mostra-se hoje o contrário: na privatização em 1998, a compradora da Eletropaulo -a Light, que tinha como controladores os franceses da EDF e os americanos da AES- pagou R$ 2,026 bilhões, equivalente, na época a US$ 1,776 bilhão.
Decorridos quase cinco anos, o valor de mercado da Eletropaulo não ultrapassa, segundo o analista Sérgio Tamashiro, do Unibanco, R$ 939 milhões (US$ 260 milhões). E nessa avaliação estão denominadas todas as ações da empresa -não só o capital da AES.
Assim, mesmo que execute a dívida e assuma a Eletropaulo, se fizesse um leilão dessas ações o BNDES não arrecadaria um quinto daquilo que a AES lhe deve.
Para tomar o controle da Eletropaulo, em tese há dois caminhos que o banco poderia seguir: executar a dívida de forma administrativa ou por via judicial. No primeiro, mais brando, o banco notifica o credor da existência da dívida e exige seu pagamento. Este a reconhece, admite que não tem como pagar e entrega o objeto de garantia -as ações.
Na segunda hipótese, o banco teria que recorrer à Justiça Federal (uma vez que o BNDES, credor, pertence à União). Provada, com o contrato, a existência da dívida, o juiz citaria a empresa a pagá-la em 24 horas. Não feito o pagamento, o juiz concederia liminar transferindo as ações para o credor. O devedor poderia recorrer, contestando a decisão ou mesmo exigir revisão de cálculos, como do valor corrigido da dívida.
No caso do BNDES, a ação de execução deveria ser movida contra a AES Elpa e a Transgás, empresas constituídas no Brasil para controlar a Eletropaulo. Esse é o primeiro ponto do emaranhado.
A AES Elpa tem 88,2% de seu capital em poder de braços da AES Corp com sedes em paraísos fiscais no Caribe (Ilhas Cayman e Ilhas Virgens). A AES Elpa não detém nenhum outro ativo ou participação no Brasil -exceto os 31% do capital da Eletropaulo.
De sua parte, a Transgás é controlada pela Transgas 1 Ltd. e a Transgas 2 Ltd., ambas com sede nas Ilhas Cayman -essas, por sua vez, são submetidas a holdings ligadas à AES Corporation. Pelo organograma da Eletropaulo, a Transgás também tem não mais ativos no Brasil, exceto 39% da distribuidora. ""O que a AES fez foi montar uma estrutura para proteger os ativos da matriz", comenta Darley Ferreira Oliveira, sócio do escritório de advocacia Araújo, Fontes e Szymonowicz.
Após executar AES Elpa e Transgás, que, lembre-se, controlam somente a Eletropaulo, -que não cobre a dívida-, o BNDES teria que executar os controladores dessas empresas. Ou seja, mover ações na Justiça dos paraísos fiscais. A sequência de ações e processos se prolongaria até chegar à matriz. ""É um processo que pode se arrastar por anos. Por isso que a melhor saída é a negociada", completa Oliveira.
Segundo advogados, o BNDES não poderia exigir de forma direta outros ativos da AES no Brasil, como a AES Tietê, o único empreendimento dos americanos no país em boa situação financeira.
""Se a AES Tietê não tem relação direta no contrato de financiamento, o BNDES nada pode fazer. Terá que seguir toda a escala de controladores de forma vertical", explica Luiz Venturi, do escritório Begoiey e Venturi Associados, que participou do processo de auditoria da Eletropaulo a serviço da Enron -uma das concorrentes.
Para piorar, segundo analistas de mercado, ao reestruturar sua dívida de US$ 2,1 bilhões com um grupo de bancos americanos, a matriz ofereceu entre as garantias a AES Tietê. ""O BNDES não terá prioridade. Quando fizeram a reestruturação, os bancos sabiam que a Eletropaulo tinha sido dada como garantia de empréstimo e exigiram outra. O BNDES poderia, quando o processo chegasse aos EUA, abrir uma ação de quebra da AES. Se a falência fosse decretada, a partir da massa falida disputaria sua parte, junto com os outros credores", diz Venturi.



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