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São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 2003

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

A opção pelo desenvolvimento

LUCIANO COUTINHO

A subida da taxa de juros e o aperto do crédito promovidos pelo Banco Central nesta semana, sob a pressão das tensões inflacionárias em curso e da expectativa de dificuldades adicionais em decorrência da provável guerra no Iraque, colocam mais uma vez a nu o quadro de grave desarranjo macroeconômico e de vulnerabilidade externa herdado do governo Fernando Henrique Cardoso. Não resisto a comentar, de passagem, a jactância perfeitamente idiota de alguns líderes tucanos que louvam a opção do governo Lula de dar continuidade à política anterior, como se fora sinônimo de virtude. O dr. Palocci e a equipe do BC têm de arrochar as políticas fiscal e monetária porque não dispõem de alternativa. A precariedade da situação cambial-inflacionária e a dependência que o Estado brasileiro tem dos mercados doméstico e mundial de capitais é que o impõem.
Não se advoga aqui nenhuma negligência quanto às condições fiscais de longo prazo. A reforma da Previdência é importantíssima para consolidar esse compromisso. Porém só isso não basta. A única forma de reduzir a vulnerabilidade da economia, de criar condições sólidas de solvência em moeda forte e de induzir a uma queda consistente do risco Brasil é obter um superávit comercial expressivo ao longo do tempo, sob uma taxa de câmbio continuadamente estimulante para as exportações. O convencimento por parte dos mercados de que a trajetória do superávit comercial será persistente e crescente é indispensável para uma queda segura, significativa e não-reversível da taxa de juros doméstica. A queda segura e não-reversível da taxa de juros doméstica, por sua vez, parece ser a única opção consistente para assegurar o equilíbrio intertemporal das contas públicas, visto que a sustentação de um superávit fiscal muito elevado por prazo indefinido se revela ineficaz do ponto de vista econômico e indesejável do ângulo político e social.
Com efeito, a política macroeconômica herdada provoca efeitos contraproducentes: juros altos e descontrole da taxa de câmbio problematizam o endividamento público, contêm e encarecem o crédito privado e limitam severamente o crescimento da economia. Por isso uma opção que apenas priorize o imprescindível controle da inflação, sem que se articule uma estratégia firme de exportação e de substituição de importações representa, isto sim, o continuísmo puro e simples da política Malan-Cardoso. Ao contrário, um ajuste profundo e sustentado do déficit externo através da obtenção de um superávit comercial crescente (próximo ou superior a 3% do PIB) viabiliza o robustecimento das finanças públicas ao permitir a desdolarização da dívida mobiliária interna e a redução do risco Brasil e dos encargos de juros, tornando factível uma queda progressiva da relação dívida líquida do setor público/PIB. Por isso a política macroeconômica não pode perder de vista a necessidade de fortalecer a política industrial e de comércio exterior. O casamento harmônico de ambas é a solução para escapar da vulnerabilidade externa, dos juros altos e do sacrifício fiscal excessivo e estéril. É o único caminho para mudar e devolver ao Estado brasileiro autonomia sobre os destinos da economia e capacidade para atacar a desigualdade social.
Com efeito, sob a "globalização das finanças", a solidez da posição externa de uma economia se tornou um condicionante-chave da autonomia para crescer. Países que têm balanços de pagamentos equilibrados ou superavitários, com boa posição de reservas cambiais, tornam-se mais atraentes, pois podem crescer mais a partir de taxas de juros mais baixas, finanças públicas equilibradas e fator de risco cambial bem mais reduzido. As reservas cambiais elevadas dão segurança aos investidores, fortalecem as moedas nacionais (sem necessariamente apreçá-las) e fornecem um colchão para as fases de aceleração do crescimento quando se potencializa a demanda por importações de bens de capital. No caso dos países em desenvolvimento, China, Taiwan e Coréia do Sul são exemplos dessa condição. Ao contrário, os países com persistente desequilíbrio em sua conta de transações correntes, sem uma posição sustentável de reservas de divisas, ficam onerados por altas taxas de risco-país, precisam manter taxas de juros muito mais altas, crescem pouco e, inevitavelmente, enfrentam deterioração fiscal e degradação social.
Resumo da ópera: o governo precisa o quanto antes mobilizar as cadeias setoriais da indústria, dos agronegócios, dos serviços e da mineração e, simultaneamente, criar consistência e envergadura para a política de desenvolvimento competitivo, viabilizando condições adequadas de crédito e de financiamento e redução de riscos para concretizar uma nova onda de investimentos em projetos de exportação e de substituição de importações.


Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).


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