UOL


São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENTREVISTA

"As pessoas estão perdidas", diz deputado, que aprova alta dos juros

"Coeficiente de ignorância" puxa a inflação, diz Delfim

Patrícia Santos -19.dez.02/Folha Imagem
O deputado federal Delfim Netto em seu escritório em São Paulo


DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil não tem como fugir da política de juros altos para combater as pressões inflacionárias causadas por erros do governo passado. Essa é a opinião do economista Antonio Delfim Netto, crítico mordaz da gestão de FHC.
Para Delfim Netto, a dispersão nas expectativas de inflação, provocada pela perda de credibilidade do BC, criou um "coeficiente de ignorância" que leva as pessoas a jogar os reajustes de preços e salários para cima e gera inflação.
Em entrevista à Folha, o economista, que é deputado federal pelo PPB, elogiou a condução da política econômica do governo Lula: "O PT está na direção certa". (ÉRICA FRAGA)
 
Folha - A política monetária no Brasil é menos eficiente que em outros países?
Antonio Delfim Netto
- A idéia de que a política monetária é um instrumento totalmente eficaz é equivocada. Por trás disso está a idéia de que a taxa de juros nominal de curto prazo influencia totalmente a taxa de juros real, de que essa relação é direta. Mas ela não é direta nem totalmente segura. No Brasil há outros entraves à eficácia da política monetária. O fato, por exemplo, de se usar pouco crédito atrapalha. Quanto menos crédito você usa, menor a eficiência do mecanismo de transmissão dos juros [da taxa básica para as taxas de mercado".

Folha - O governo Lula está promovendo um repeteco das políticas do governo FHC?
Delfim -
Nós temos hoje um modelo de metas de inflação. Temos também um regime de câmbio flutuante e a consciência clara da necessidade de perseguir um absoluto equilíbrio fiscal. Esses três pilares foram adotados e continuam aí porque são fundamentais para o bom funcionamento da economia. A coisa cômica é imaginar que esses pilares foram inventados pelo FHC. Seria a mesma coisa que imaginar que ele inventou a lei da gravidade.

Folha - Mas a principal crítica ao PT é em relação à condução da política econômica, aos juros altos...
Delfim -
O Brasil sofreu graves problemas no ano passado. A partir de abril de 2002, tivemos grandes barbeiragens do Banco Central. Essa inflação que está aí foi criada pelo FHC, ao emitir títulos cambiais em excesso, ao aumentar a base monetária, ao dizer que, se o candidato dele não vencesse, o Brasil viraria a Argentina. Isso exacerbou o efeito dos choques externos sobre a economia, contribuiu para a alta do dólar.

Folha - Isso criou a necessidade de uma política monetária mais contracionista também?
Delfim -
Você sobe os juros para cortar a demanda de setores que não têm tarifa fixada. É triste mesmo, é desagradável, mas é isso aí. O PT está na direção certa.
As pessoas ficam falando, sugerindo leniência ao governo, dizendo que a gente pode aguentar um pouco de inflação. Mas não dá, nosso passado nos mostrou isso. Se o governo fizer isso, a inflação do ano que vem virá ainda maior. E os custos da política monetária no futuro acabarão sendo muito maiores do que agora.
Outra besteira é sugerir que o controle do câmbio pode conter a inflação. Isso, na verdade, é uma daquelas tolices que não morrem. O câmbio não é uma variável que se possa controlar. Essa discussão assumiu um caráter que, em vez de ajudar a resolver os problemas, atrapalha um pouco.

Folha - Por que as expectativas de inflação continuam subindo?
Delfim -
As expectativas deixaram de ser coordenadas. As pessoas ficam, então, perdidas, não sabem quanto esperar de inflação, então não sabem quanto pedir de reajuste de salário, não sabem quanto aumentar seus preços. Então, todo mundo passa a aplicar um coeficiente de ignorância sobre seus preços [risos". E o problema é que o coeficiente de todo o mundo é positivo. Isso exerce um papel de pressão que acaba aumentando a inflação.



Texto Anterior: Receita ortodoxa: Política monetária está em xeque, apesar dos juros altos
Próximo Texto: Artigo: Ásia paga a conta da guerra e assegura crescimento dos EUA
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.