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OPINIÃO ECONÔMICA
Equívocos e preconceitos do PIS-Cofins não-cumulativos
MARCOS CINTRA
A transformação da Cofins em contribuição não-
cumulativa deriva de uma visão
empresarial equivocada: a de que
os tributos cumulativos são ruins,
e que os IVAs (Impostos sobre Valor Agregado) são inerentemente
bons. Isso virou um chavão com
embasamento técnico duvidoso.
Virou palavra de ordem. Acabar
com os tributos em cascata virou
palavra de ordem. Passou a ser
aceito como um dogma.
Certa ocasião Roberto Campos
afirmou que há no Brasil dois tipos de cascata. Uma, tida como
maligna, que compreende a
CPMF, o PIS e a Cofins, tributos
contra os quais são disparadas
críticas violentas.
Por outro lado, há tributos cumulativos tidos como exemplos
de eficiência tributária. São eles: o
Simples e o IRPJ sobre o lucro presumido. Cumpre lembrar que
ambos são impostos tão cumulativos quanto a CPMF ou, até há
pouco tempo, o PIS e a Cofins.
Nesse ambiente de nebulosidade tributária, o poder público deixou se levar pela visão anticumulatividade, o que trará profundas
implicações distributivas e alocativas.
A retirada da cumulatividade
irá favorecer os setores produtivos
com fortes laços de complementaridade com outros setores fornecedores de insumos e matérias-primas; por outro lado, essa medida implicará brutal elevação da
carga tributária nas atividades
do setor terciário, onde a compra
de insumos representa pequena
parcela do faturamento bruto.
Atividades prestadoras de serviços vão arcar com enorme elevação na carga tributária, uma vez
que o volume de seus créditos tributários seria pequeno quando
confrontado com a nova alíquota
do PIS/Cofins de 9,25% incidente
sobre o valor das saídas de seus
serviços.
Para neutralizar esses impactos
indesejados, o governo cogita
substituir a metade da incidência
de 20% relativos ao INSS patronal sobre folha de salários por
uma tributação adicional não-cumulativa sobre o valor agregado das empresas. Se adotada, essa
medida implicará aumentar a
atual incidência do PIS/Cofins em
mais 2,34%, levando a nova alíquota não-cumulativa do PIS/Pasep/INSS para 11,59%.
Com base nessa possibilidade, é
possível estimar a variação na
carga tributária entre duas situações: a primeira é a pré-alterações, ou seja, com PIS/Cofins cumulativo de 3,65% e INSS patronal de 20%; a segunda é a não-cumulativa, com PIS/Cofins não-cumulativo de 9,25% mais 2,34%
para cobrir 50% do INSS patronal.
Dividindo a tabela em quadrantes, com uma linha vertical e
outra horizontal entre os valores
40% e 50% nas duas dimensões
da matriz, é possível verificar as
seguintes situações:
a) no quadrante superior esquerdo situam-se as empresas
com alto valor agregado e baixa
absorção de mão-de-obra. É situação típica de setores modernos
de alta tecnologia, que terão significativos acréscimos, entre 1,9%
e 107,9%, em sua carga tributária;
b) no quadrante inferior direito
situam-se os setores tradicionais
da economia, com baixo valor
agregado e alta absorção de mão-de-obra, típicos dos setores mais
tradicionais da indústria e dos
serviços. Esses serão os setores beneficiados com significativas quedas entre 13,3% e 64,3% em sua
carga tributária;
c) no quadrante inferior esquerdo residem situações industriais
típicas, caracterizadas por baixo
valor agregado e baixa média absorção de mão-de-obra. Nesses
casos seriam observadas quedas
de até 67,3%, assim como aumentos de até 13,2% no ônus tributário;
d) finalmente, no quadrante superior direito situam-se as atividades típicas de prestação de serviços tradicionais, com alto valor
agregado e alta absorção de mão-de-obra. As variações de carga
tributária oscilarão entre aumentos de 18% e reduções de 18,6%.
Nota-se, portanto, que a não-cumulatividade acarretará variações significativas na carga tributária entre empresas e setores,
alterando significativamente os
preços-relativos da economia.
Pateticamente, o governo permite que, para atenuar os recém-descobertos males da não-cumulatividade, alguns setores de "alto
interesse social" poderão permanecer no sistema cumulativo, que
de odiado, passa a ser objeto de
desejo de todos os setores produtivos. Educação, saúde, comunicação, informática, agronegócios,
dentre outros, passarão a ter regimes especiais, cheios de exceções e
perigosos precedentes.
A tão elogiada não-cumulatividade tributária não passou de enganação, a exigir compensações.
E o governo é forçado a oferecer
como paliativo o que sempre considerou ser o veneno, a opção de
continuar com o sistema cumulativo.
Todos os impostos possuem
vantagens e desvantagens.
O IVA pode ter vantagens, pois
se alega que introduz menos alterações nos preços relativos dos insumos. Contudo essa afirmativa
se baseia na aceitação, hipotética,
da existência de mercados competitivos perfeitos. A teoria do "second best" já demonstrou que se
torna impossível fixar um ordenamento confiável de situações
alternativas do mercado sem
uma análise pontual e específica
de cada cenário, o que evidentemente não é feito quando se afirma a priori que tributos sobre valor agregado são mais eficientes
que os cumulativos.
Ademais, é sabido que a teoria
do bem-estar demonstra que a sociedade poderá não optar por
uma situação alocativamente eficiente se, comparada a outra situação, mesmo que ineficiente,
puder atingir um ponto superior
em sua função de bem-estar social (vide anexo 2 do livro "A Verdade sobre o Imposto Único", editora LCTE, 2003).
Por sua vez, os impostos cumulativos também causam distorções típicas. Introduzem alterações nos preços relativos dos insumos, ainda que seus efeitos negativos sejam fortemente mitigados
por terem alíquotas marginais
baixas. Os tributos cumulativos
são menos transparentes pois se
enraízam na produção e tornam-se invisíveis, exceção à última
operação em que sua transparência é maior que a dos IVAs.
O importante no caso brasileiro
é que, na comparação entre vantagens e desvantagens, os impostos cumulativos apresentam saldo positivo. Não discriminam
contra os salários, possuem alíquotas muitos mais baixas que os
IVAs e, com isso, desestimulam a
sonegação e a corrupção. Ademais têm custos de operação quase zero como no caso dos impostos
eletrônicos semelhantes à CPMF.
Reduzem significativamente o
custo Brasil.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 58, doutor pela Universidade
Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, é secretário das Finanças
de São Bernardo e autor de "A verdade
sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
E-mail -
mcintra@marcoscintra.org
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