São Paulo, quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

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"Doleiros eram indicados pelo banco"

DA REPORTAGEM LOCAL

Leia a seguir entrevista com o empresário Luiz Barros de Ulhôa Cintra Filho, onde ele relata como enviava ilegalmente dinheiro dos EUA para o Brasil.
Ele diz ter "interesses pessoais" em revelar a prática e a sistemática das operações, realizadas entre 1991 e 97. "Talvez isso (a denúncia) possa me ajudar", afirma.
 

Folha - Como eram as operações que o sr. diz ter feito usando dinheiro de caixa dois?
Luiz Barros de Ulhôa Cintra Filho -
São operações feitas entre 1991 e 1997. No máximo, cerca de US$ 300 mil por ano. Elas nunca foram declaradas no BC ou na Receita Federal. Apenas uma delas, de US$ 202.500,00, foi oficialmente registrada.
Viajei mais de 50 vezes aos EUA a negócios desde 1978. Eu tinha a empresa Web Forms Ltd. e representava na época a Didde Graphic Co., a Therm-o-Type e a Allied Gear Co., fabricantes de máquinas gráficas de grande porte para revistas e formulários comerciais. Fazia vendas no Brasil dessas empresas americanas e recebia, por fora, comissões.
Para viabilizar minhas operações, abri uma offshore em Montevidéu (Uruguai), a Maidstone S.A., cuja contabilidade era feita por uma empresa denominada The Winterbotham Trust Company S.A., no Uruguai.
Como a Winterbotham também operava com o BankBoston, me foi recomendado abrir a conta em Miami. No escritório de Miami, em Coral Gables, fui atendido pela senhora Silvia Rosen. A única exigência para abrir a conta foi declarar que o dinheiro não era proveniente de drogas e que eu não residia nos EUA.
Toda a correspondência era mantida como "hold mail", para não ser remetida para o Brasil e eventualmente ter de ser repassada para a Receita Federal.

Folha - O sr. afirma que o banco usava doleiros. O sr. os conhecia?
Cintra Filho -
A operação era muito simples. Alguns doleiros eram indicados pelo Boston e, a partir de um tempo, comecei a conhecê-los pessoalmente. Tinha um ali perto da Barão de Itapetininga, outro no edifício Itália (no centro de São Paulo). Era tudo feito com um simples telefonema. Não havia códigos especiais.
O departamento no Boston se dedicava totalmente a esse tipo de operação. O pessoal abria as contas em seu nome ou no de uma offshore. Muitos faziam movimentações iguais às minhas.

Folha - Como era a sua relação com o banco?
Cintra Filho -
Os anos foram passando, e acabei tendo uma relação de amizade com a Silvia, que visitava o Brasil em média cinco ou seis vezes por ano. Ela me procurava sempre com o intuito de eu lhe apresentar empresários possuidores de caixa dois para abrir conta lá com ela.
Além de atender ao Brasil, eles tinham uma equipe especializada para cuidar de outros países da América Latina. Disse que tinham também um escritório em Nova York com a mesma finalidade.

Folha - O que o motiva a confessar essas operações ilegais?
Cintra Filho -
Li as reportagens da Folha sobre o inquérito da Polícia Federal contra os bancos e resolvi procurar o jornal. Estou consciente de correr risco de vida, pois já sofri ameaças. Mas faço isso pelo bem do Brasil e por interesse próprio. Tenho dez ações na Justiça em que sou autor e beneficiário, e elas não andam. Talvez falando com a imprensa, isso possa me ajudar a vir a receber o que tenho direito.


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