São Paulo, segunda, 23 de fevereiro de 1998

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PAPÉIS AVULSOS
Análise de varejo é feita com maior cautela

VANESSA ADACHI
da Reportagem Local

O setor de varejo, uma das sensações da Bolsa no período que se seguiu à implantação do Plano Real, está sendo visto com outros olhos pelos analistas. Olhos mais cuidadosos e seletivos.
Isso, graças às mudanças no cenário econômico ocorrido no ano passado, principalmente depois que a crise asiática respingou no Brasil em outubro.
Agora, os analistas estão levando em conta o nicho específico da cadeia varejista e as características próprias de cada uma delas.
"Antes, tudo era bom em varejo. Qualquer empresa era uma boa oportunidade de compra. Agora não. É preciso selecionar as empresas com uma pinça", diz Fernando Tracanella, analista do Deutsche Morgan Greenfell.
"Quando o Real foi implantando, vínhamos de um período de grande demanda reprimida e a estabilização da moeda deu impulso às vendas do varejo em 95 e 96, principalmente ao varejo especializado em bens duráveis", diz a analista sênior Aline De Marco Prado, da Lloyds Asset Management, completando que isso deu gás para aos papéis na Bolsa.
A analista diz que desde maio de 97 já eram percebidos sinais de desaquecimento do consumo, principalmente de bens duráveis.
Um estudo realizado pela Economática revela a mudança de comportamento do setor.
Em 1994, ano de implantação do Real, o setor de varejo, na época representado por três empresas na Bolsa paulista, encerrou o ano com alta de 138,4%, ante uma alta bem mais modesta do Ibovespa, de 14,8% (números foram deflacionados pelo IGP-DI).
Em 1996, enquanto a Bolsa subiu 49,7%, o setor, agora representado por cinco empresas, teve valorização média de 38,8%. Algumas empresas, no entanto, tiveram alta muito superior à do Ibovespa naquele ano: Arapuã PN, 126,9%; Lojas Renner PN, 68,3%; e Pão de Açúcar PN, 73%.
No ano passado, mesmo com toda a turbulência emanada da Ásia, a Bolsa subiu 34,7%, mas o setor (com seis empresas) caiu 27,9%.
Dentro do novo cenário, a comparação entre Arapuã e Pão de Açúcar é ilustrativa.
Arapuã PN foi o papel que mais se beneficiou dos bons tempos de fartura e tem sido o que mais sofre desde a crise. As ações da empresa fecharam 97 com perda de 80,2% e em 98 já acumulam queda de 38,5% (até dia 18 de fevereiro).
Em contrapartida, Pão de Açúcar PN ainda conseguiu fechar com pequena alta de 4,9% em 97 e neste ano já acumula valorização superior a 20%.
O bom desempenho de Pão de Açúcar é explicado por dois fatores básicos: seu nicho é o preferido pelos analistas dentro do setor de varejo e a empresa está em confortável situação operacional e financeira, dizem eles.
"O ano de 98 será favorável para quem trabalha com alimento. Quem comercializa bens duráveis depende muito mais das taxas de juro", diz Tracanella.
Pão de Açúcar é a única recomendação de compra que o analista tem em varejo. Para o restante, o conselho é "manter". Só não é "vender" porque os preços caíram muito, o que barateou os papéis.
A maior cautela dos analistas recai sobre as empresas que dependem do crediário para vender. Para elas, a expectativa é de um primeiro semestre problemático.
Nesse perfil se encaixa a Globex, controladora da rede Ponto Frio. Já refletindo o desaquecimento do consumo e o aumento das taxas de juro, a empresa apurou um lucro de R$ 49 milhões em 97, praticamente a metade do registrado em 96.
O que conta pontos a favor de Globex é a situação financeira sólida da empresa, segundo analistas. A rede é pouco dependente de empréstimos bancários e, portanto, não sofreu tanto com a alta dos juros. Em 97, Globex PN perdeu 63,8%, mas neste ano acumula valorização de 29,6% (até dia 18 de fevereiro).
Em situação menos privilegiada está a Arapuã. Também dependente do crediário para impulsionar suas vendas, a empresa foi pega no contrapé com a elevação dos juros, pois tinha um grande endividamento.
Em seu balancete de setembro de 97, o último publicado, o endividamento bancário líquido da empresa (dívidas de curto e longo prazo menos os recursos em caixa) era de US$ 420 milhões, mais de duas vezes o seu patrimônio líquido, de US$ 184 milhões.



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