São Paulo, segunda, 23 de fevereiro de 1998

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COMUNICAÇÃO & MERCADO
Anúncio para pobres

HELCIO EMERICH


Se a nata dos anunciantes prefere colocar seus anúncios em publicações que atinjam compradores de maior poder aquisitivo, o que levaria um editor a lançar uma revista dirigida aos consumidores de baixa renda?
Arthur Schiff, veterano "publisher" de Nova York, resolveu remar contra a maré e criou a "City Family", uma revista cujo público-alvo são os habitantes menos abonados da cidade. Ele partiu do princípio de que havia se cunhado um estereótipo segundo o qual os "have-nots" não têm dinheiro nem para comprar uma pasta de dentes. Quer provar que os pobres consomem de forma diferente (ou produtos diferentes), mas consomem. E está ganhando dinheiro com isso.
É verdade que baixa renda nos Estados Unidos são outros quinhentos. Segundo o U.S. Census Bureau, o que lá se considera viver em "nível de pobreza", para uma família de quatro pessoas, é ter renda abaixo dos US$ 15 mil por ano. Em meio a essa massa de "low-income", Schiff acha que há segmentos receptivos aos apelos da propaganda.
O todo-poderoso Chase Manhattan veiculou anúncios na "City Family" para atrair veteranos de guerra depois que o governo aumentou um pouco o valor da pensão para os mutilados. Embora parte desses veteranos integre o contingente dos moradores de rua que vivem na cidade, o banco conseguiu no primeiro ano um total de depósitos de US$ 2 milhões.
Empresas que alugam móveis, geladeiras, televisores e equipamentos de som usados e fabricantes de remédios populares para doenças como asma, bronquite ou infecções da pele têm utilizado a revista para promover seus produtos.
Determinados anunciantes da "City Family", entretanto, enfrentaram alguns problemas. Um fabricante de cigarros que havia lançado uma marca de baixo preço (pudera, usou nos anúncios modelos dos guetos negros de Nova York) e um varejo de vinhos baratos foram alvos de protestos dos leitores, acusados de se aproveitarem da angústia dos "have-nots" para incentivar o vício de fumar e o alcoolismo.
Arthur Schiff parece não estar preocupado com aspectos éticos. Na sua opinião, os comerciais de TV e os anúncios das revistas tradicionais falam com todas as classes sociais, mas expõem aos consumidores de baixa renda milhares de produtos com os quais eles não podem sonhar.
Já o seu veículo pretende se comunicar com a parcela da população cujas ambições de consumo não vão além de comer, vestir e cuidar dos filhos. Quando muito, nos editoriais que assina, Schiff procura dar um tom politicamente correto ao seu negócio, tocando de leve na tese de que as empresas ganham fortunas vendendo para as classes média e alta e que deveriam ter compromissos com as camadas pobres da sociedade.


Helcio Emerich é jornalista, publicitário e vice-presidente da agência Almap/BBDO.



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