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São Paulo, domingo, 23 de março de 2003

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ANÁLISE

Não se engane: perspectivas econômicas continuam sombrias

HAMISH MCRAE
DO "THE INDEPENDENT"

Quase se poderia dizer que o mundo das finanças prefere a guerra à incerteza. De repente os mercados se acalmaram. As ações subiram acentuadamente. O dólar está em alta ante o euro. O preço do petróleo está caindo. Mais importante, há sugestões de que a semana anterior ao ataque teria visto o fundo desse mercado urso, que já é o mais duradouro e mais profundo dos últimos 30 anos.
Mas é claro que permanecem enormes incertezas. A pergunta "Haverá guerra?" foi substituída por "O conflito será rápido e bem-sucedido?".
A resposta implícita dos mercados para essa segunda pergunta parece ser "Sim". Mas é claro que os mercados são famosos por entender mal as coisas. Muitos problemas subjacentes da economia mundial, após a "bolha" do final dos anos 90, ainda precisam ser solucionados. A dificuldade é distinguir em que medida os mercados vêm sinalizando sua preocupação sobre o Oriente Médio e em que medida eles se agitam sobre preocupações mais gerais, ligadas ao crescimento e à estabilidade econômica mundiais.
Os mercados mundiais estão fazendo duas suposições. A primeira é que os aspectos "quentes" da guerra terminarão em um mês, no máximo seis semanas. A segunda é que haverá um sucesso político associado ao combate.
Por exemplo, supõem que as forças aliadas serão de modo geral bem-vindas, pois do contrário seria necessária uma operação de policiamento longa, difícil e talvez impossível. Eles também supõem que os regimes vizinhos, especialmente a Arábia Saudita, não serão desestabilizados pelo sentimento antiamericano. E, como eles estão supondo que a guerra será curta, estimam que a carga financeira será administrável.
Os mercados também supõem que o mercado de petróleo vai cooperar. No entanto, a situação subjacente de oferta/demanda está mais apertada hoje, e o aumento no preço do petróleo já está encolhendo a renda dos consumidores nos EUA. O consumo americano continua sendo a única fonte de demanda significativa no mundo, e essa fonte vem oscilando. Por isso a economia mundial continua extremamente vulnerável a outro choque do petróleo.
Na verdade os mercados hoje parecem estar supondo que os eventos no Oriente Médio se encaminharão para a extremidade mais favorável da escala possível. Seria ingênuo não admitir a possibilidade de que sua euforia recente possa ser infundada, assim como seu desespero anterior.

Atividade deprimida
Enquanto isso, continuam os problemas de longo prazo. Nos EUA e no Reino Unido, o crescimento foi mantido por um surto de consumo financiado por empréstimos e pela passagem do setor público do superávit para o déficit. Em grande parte da Europa continental os consumidores contiveram os gastos, com a consequência de baixo crescimento e déficits maiores. No Japão, os problemas financeiros crescem e a economia continua tão moribunda quanto antes.
Todos esses aspectos preocupantes da economia mundial continuarão deprimindo os mercados quando o tiroteio terminar. Com o tempo, eles serão enfrentados, pois uma das lições mais importantes da história econômica é que na maioria dos casos as economias se autocuram. Tendo paz, segurança e ausência de políticas prejudiciais, elas acabam consertando a si próprias. O perigo é que o conflito possa minar a capacidade de o mundo se consertar.
E não apenas o conflito. Houve enormes danos às relações internacionais dentro da Europa e entre alguns países europeus e os EUA. Parte disso vai transbordar da política para a economia. A questão aqui não é apenas se haverá um boicote de produtos franceses nos EUA ou mesmo se o investimento internacional vai se deslocar. É se a ampla suposição que sustenta a prosperidade pós-Segunda Guerra Mundial -de que a economia mundial se tornaria cada vez mais integrada- se manterá. Provavelmente sim, mas apenas provavelmente. As disputas levarão algum tempo para ser solucionadas.
Existe uma enorme quantidade de dúvida sobre o que acontecerá nas próximas cinco semanas. A guerra está acontecendo exatamente numa época em que deveríamos estar vendo uma virada no ciclo econômico.
Sim, existe uma enorme quantidade de ajustes a serem feitos. Sim, os próximos dois ou três anos já deveriam ser difíceis. Mas o conflito precisa ter êxito para que, no curto prazo, os consumidores possam recuperar a confiança. E ela precisa ter êxito para que, no médio prazo, os grandes blocos econômicos possam continuar fazendo negócios e cooperando entre si.


Tradução de Luiz Roberto Gonçalves


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