São Paulo, sexta-feira, 23 de abril de 2004

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RECEITA ORTODOXA

Anne Krueger diz que proposta brasileira de alterar superávit primário não será discutida em reunião

Cálculo fiscal não deve mudar, aponta FMI

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

A diretora-gerente interina do FMI (Fundo Monetário Internacional), Anne Krueger, indicou ontem, em Washington (EUA), que não devem ocorrer mudanças no critério adotado pelo Fundo para calcular o superávit primário (receitas menos despesas, exceto o pagamento de juros) em países endividados como o Brasil.
A mudança na regra de cálculo é uma sugestão do Brasil, que quer retirar da conta de despesas os gastos com investimentos em infra-estrutura.
Krueger afirmou, no entanto, que o que o Brasil e outros países endividados deveriam fazer é "realocar gastos" e "gerenciar as atividades do governo a fim de torná-las mais efetivas".
"O Brasil, por exemplo, onde a dívida é um problema, tem uma carga tributária de 33% do PIB. Claramente, há muitos gastos que nada têm a ver com [o pagamento da] dívida e há espaço para realocações. Acho que isso deveria ser feito", disse Krueger.
A afirmação foi feita durante entrevista na reunião anual do FMI. O ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, chegam hoje a Washington para o encontro.
Krueger também deixou claro que a proposta brasileira de alterar o critério para o cálculo de investimentos não fará parte das discussões dos próximos dias em que o Fundo estiver reunido.
Segundo a Folha apurou, o FMI já deu indicações ao governo brasileiro de que não vê com bons olhos a mudança no critério de cálculo do superávit primário.
Nos próximos dias, o Fundo deve divulgar o resultado de consultas e de seminário interno sobre o assunto, que inclusive já foi tema de conversa entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil) e George W. Bush (EUA).
O trabalho deverá cercar o tema por vários aspectos, mas não implicará mudança na regra atual.
"A questão é: no caso de países onde a dívida já é suficientemente alta e onde novos empréstimos somente tornarão a situação pior, qual é a decisão apropriada? É com isso que estamos nos debatendo", disse Krueger.
Ela afirmou também que os investimentos em infra-estrutura podem gerar um "pouco de crescimento de um lado, mas um custo muito maior de outro" se tiverem impacto sobre a situação macroeconômica.

Parcerias
A diretora-gerente interina do FMI pôs em dúvida até a sustentabilidade, em termos fiscais, de projetos de infra-estrutura realizados via PPP (Parcerias Público-Privadas) -modelo perseguido pelo Brasil.
"O problema é que essas parceiras podem ser muito, muito diferentes", disse Krueger.
Segundo ela, as PPP "acabam ficando no meio do caminho" entre projetos em que ou o governo ou a iniciativa privada assumem todo o custo. Ou seja: há dificuldade em determinar quanto do dinheiro aplicado acaba saindo do Orçamento, que deveria estar sob estrito controle.
Krueger afirmou que o FMI está "fazendo progressos nos estudos" sobre o assunto e que suas conclusões serão conhecidas "em breve". A diretora-gerente interina do Fundo afirmou também que seu "interesse" é que os países endividados equilibrem seus Orçamentos para poder "fechar o foco em questões sociais, nos investimentos em infra-estrutura e em outras prioridades".
Na mesma linha, o presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn, afirmou que, mesmo sobre pressões sociais, os países endividados devem "cumprir suas responsabilidades e obrigações".
"Assim como um país, qualquer pessoa pode querer deixar de honrar seu cartão de crédito e suas dívidas no banco para pagar por uma educação melhor para o seu filho", disse. "Mas a regra é clara: se você quiser continuar no jogo, é preciso continuar cumprindo as suas obrigações", complementou Wolfensohn.


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