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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Dois diagnósticos
A excessiva carga tributária deve ser diminuída através da redução, para um terço, do nível atual da taxa de juros
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HÁ DOIS DIAGNÓSTICOS para a
quase estagnação da economia brasileira: ou sua causa
fundamental está na taxa de câmbio
sobreapreciada e na taxa de juros
exorbitante, como afirma o novo desenvolvimentismo, ou o problema é
da carga tributária excessiva e da falta de reformas, como afirma a ortodoxia convencional.
Sem dúvida, é possível combinar
as duas explicações, como tenho feito, mas isso não significa que possamos comodamente deixar de fazer a
escolha. O problema é evidentemente de ênfase, já que os dois tipos
de problema existem, mas, se quisermos ter uma opinião significativa, temos de nos identificar ou com
o novo desenvolvimentismo ou com
a ortodoxia convencional.
Para o novo desenvolvimentismo,
que busca ser uma estratégia nacional de desenvolvimento, o Brasil só
voltará realmente a experimentar
crescimento econômico quando for
capaz de resolver o problema de sua
alta taxa de juros de curto prazo (que
só se explica porque a sociedade brasileira permanece refém da alta inflação) e principalmente se for capaz de neutralizar a tendência à sobreapreciação da taxa de câmbio que deriva da doença holandesa e da política de crescimento com poupança
externa. Para isso, reformas econômicas e um forte esforço para reduzir os gastos desnecessários serão
indispensáveis, mas como meios para ajudar a resolver aqueles dois problemas.
A ortodoxia convencional é o conjunto de diagnósticos, recomendações e pressões que os países ricos
fazem aos países em desenvolvimento. Seu órgão de imprensa mais
competente é a revista "The Economist", que, em seu número de 14 a
20 deste mês, dedica um relatório
especial ao Brasil ("Dreaming of
Glory"), assinado por seu correspondente no país, Brooke Unger.
No seu longo relatório, de 16 páginas, praticamente nem uma palavra
sobre a taxa de juros (é a esquerda
que quer juros menores, segundo a
revista) e muito menos sobre a necessidade de uma taxa de câmbio
competitiva (esse é assunto proibido para a ortodoxia convencional, já
que os países ricos têm horror à prática de taxas de câmbio competitivas
pelos países que já têm mão-de-obra
barata). Em compensação, a revista
não deixa dúvidas sobre qual é "o
maior inimigo do país": é o Estado:
"grande demais, ganancioso, ineficiente e corrupto".
Esse tipo de diagnóstico fundamentalista neoliberal faz parte de
uma estratégia clássica: a de dividir
para governar. Através dela os países
ricos, nossos concorrentes, dividem
a nação brasileira, colocando toda a
responsabilidade pelos nossos males na elite político-burocrática.
Ora, uma nação é um acordo envolvendo toda a sociedade e, principalmente, seus dois grupos estratégicos: a elite econômica e a elite político-burocrática. Quando a primeira, em nome de um liberalismo que
não está em discussão (não há dúvida sobre a importância do mercado
para coordenar a economia), aceita
o diagnóstico da ortodoxia convencional, a idéia de nação e a possibilidade da formulação de uma estratégia nacional de desenvolvimento ficam prejudicadas.
É claro que a carga tributária, em
torno de 34% do PIB (Produto Interno Bruto), é excessiva, deve e pode ser diminuída, mas não como a
direita neoliberal quer, através da
redução das despesas sociais -essas
despesas são um salário indireto que
a sociedade brasileira decidiu pagar
para reduzir os escandalosos níveis
de desigualdade ainda existentes no
país. A diminuição da carga tributária deve ser feita através da redução,
para um terço, do nível atual da taxa
de juros (o Copom reduziu-a em
0,25 ponto percentual na quarta-feira, para 12,5% ao ano), que onera os
títulos públicos, e pela eliminação
dos desperdícios e abusos que existem no setor público.
Escolhi "The Economist" para criticar a ortodoxia convencional porque seu texto é claro, e não deixa dúvidas sobre quais são os valores e os
interesses que estão por trás. O triste, porém, é que uma parte importante das elites brasileiras econômicas, intelectuais e políticas aceita esse tipo de diagnóstico.
Dessa forma, nos mantemos dependentes; dessa forma, não reassumimos nossa condição de nação;
dessa forma, ficamos para trás na
grande competição internacional
que é a globalização.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 72, professor emérito
da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da
Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de
"As Revoluções Utópicas dos Anos 60".
Internet: www.bresserpereira.org.br
lcbresser@uol.com.br
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